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07 de Novembro de 2006 às 13:59

O Pingo Doce nunca amargou

Os holandeses da Ahold vão vender as suas operações em Portugal: 49% da JMR, empresa que detém as redes Pingo Doce, Feira Nova e Recheio. Os outros 51% são controlados pela Jerónimo Martins, ...

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Os outros 51% são controlados pela Jerónimo Martins, empresa cotada mas controlada pela família Soares dos Santos, cujo patriarca, Alexandre, entregou a gestão executiva a um gestor da casa, Luís Palha, mas escorou as acções e o poder, blindando estatutos e armadilhando um testamento para impedir que os herdeiros se desfaçam da empresa.

A Jerónimo Martins é o maior grupo português de retalho. Num ano, as acções valorizaram 30%. Vale dois mil milhões de euros (metade disso é a JMR). Tem a maior taxa de crescimento de vendas do sector na Europa (estimativa de 12% ao ano até 2009, sobretudo a partir da Polónia e Espanha). Está a investir mil milhões de euros na sua expansão.

Esta é uma "performance" que impressiona em Portugal, até porque consagra a bonança após a tempestade com epicentro na Polónia e réplicas no Brasil que ia destruindo o grupo. Mas se parece muito, é pouco nos "rankings" europeus, onde brilha a própria Ahold, que mesmo angustiada vale o mesmo que sete Jerónimos. Na Europa, a JM é apenas uma empresa simpática.

O desempenho não chega para compensar a falta de dimensão e complementaridade. Ter escala é fundamental no negócio do retalho. A própria JM quis, em tempos sem Autoridade da Concorrência, fundir-se com a Modelo Continente e fazer nascer um grande-pequeno grupo com base em Portugal. Belmiro disse não.

O "the day after" da anunciadíssima saída da Ahold é assim de expectativa para a Jerónimo Martins. A família teve três anos para se mentalizar e pelo menos três meses para preparar a separação. A empresa diz-se candidata à compra e garante que não vai precisar de aumentar capital nem de abdicar do plano de investimento. Mas onde estão 500 milhões de euros para pagar?

Primeira hipótese: a JM procura um novo sócio no sector, bate à porta de uma Metro, Intermarché ou Leclerc e diz aos que no passado lhe telefonaram a querer fazer negócio que agora há interesse. Mas mesmo que esses grandes grupos queiram (e não têm querido, por falta de dimensão e de sinergias, como mostra a saída da Ahold da JMR e, antes, da Carrefour da Modelo Continente), jamais assumirão o perfil ideal a que Ahold se dispôs: silenciosa, apoiando a gestão portuguesa sem intervir.

Segundo hipótese: abre as portas aos abastados fundos de capital privado que nadam em liquidez e procuram empresas em crescimento, impondo no entanto uma pressão tal sobre a gestão que só a ideia deve causar urticária aos Soares dos Santos. Para isso já lhes basta a irreverente presença de JoãoRendeiro. E basta olhar para a própria Ahold e ver que é a pressão de dois "hedge funds" (Centaurus e Paulson), que só têm 6% do capital, que leva o grupo holandês a lançar um agressivo cortes de custos, despedimentos e venda de activos, com o objectivo emagrecer, desmembrar e... entregar aos accionistas dois mil milhões de euros. Uma Jerónimo Martins inteira em dividendos.

A terceira hipótese é recorrer à dívida; a mãe JM comprar a filha predilecta JMR. Assim, apropria-se de todo o fluxo de negócios gerado nas suas redes de distribuição. Mas assume o paradoxo: fica com tudo mas fica isolada. Amplia a ambição mas apequena o horizonte.

O que o mercado está a pedir é portanto que a Jerónimo Martins mais uma vez o surpreenda. Que cumpra o rumo de crescimento sem se tornar numa enorme mercearia de bairro.

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