Opinião
Liberalizar a demagogia
Este país, às vezes, tem uma enorme piada. Andou, durante anos, a protestar contra a instrumentalização dos preços dos combustíveis. Agora fica chocado com as consequências da liberalização. Liberalizar, neste mercado, significa fixar o imposto e deixar o
Este país, às vezes, tem uma enorme piada. Andou, durante anos, a protestar contra a instrumentalização dos preços dos combustíveis. Agora fica chocado com as consequências da liberalização.
Liberalizar, neste mercado, significa fixar o imposto e deixar o preço de venda ao público flutuar. Todos conhecem, mais ou menos, os factores que condicionam o custo das gasolinas: evolução do petróleo, taxa de câmbio do euro face ao dólar, cotação dos produtos refinados.
Ou seja, retirando a parte fiscal, que é efectivamente o maior ponderador na formação dos preços dos combustíveis em Portugal, a capacidade de manobra das autoridades nacionais tem, nesta matéria, o peso de uma insignificância.
Mas fala-se do assunto, a começar pela comunicação social, como se de um jogo de futebol se tratasse. Com ligeireza. E palpites. «Senhor primeiro-ministro, acha normal seis aumentos desde o início do ano»?
Ou, «como é possível que o gasóleo que a Galp vende em Espanha seja mais caro do que aquele que a mesma Galp vende em Portugal»? Não é desejável, nem é indiscutível. Mas sim, é normal e é possível.
É normal aumentos tão frequentes porque, ao contrário do que toda a gente pensou e escreveu, a «guerra rápida» no Iraque não provocou uma queda sustentada do crude. Pelo contrário. É possível que a Galp em Espanha pratique preços mais baixos, porque o peso do imposto também é inferior.
Aliás, Espanha tem as contas públicas equilibradas e nós não – e essa é uma forte razão para o imposto sobre os produtos petrolíferos não baixar. Mas, além da razão orçamental, há outras.
Há a ambiental – e Portugal criou este ano, finalmente, a ecotaxa. E há uma razão de princípio. A mesma que o anterior Governo e o anterior primeiro-ministro não souberam respeitar.
Acomodar, com redução de imposto, «minichoques» petrolíferos, como o que estamos a viver, significa uma transferência de rendimento dos contribuintes para as petrolíferas – mesmo que não seja sob a forma de subsídio, há sempre receita de que se abdica.
Carlos Tavares, que é bom economista, sabe que um país consumidor de petróleo fica, nestas circunstâncias, mais pobre em termos relativos. Pela simples razão, de que transfere riqueza para os países que produzem esta matéria-prima.
Carlos Tavares, que é um ministro suficiente, deu ontem um contributo importante para reabilitar a imagem dos políticos. Afirmou que não vai cair na tentação, na emenda fácil, em que corta no imposto para evitar jornalistas com perguntas cretinas ou outros protestos de cariz populista.
Significa, então, que o Estado nada deve fazer. É o mercado a funcionar, e pronto! Errado. Até o mercado precisa que o Estado o proteja.
E num sector que é representado por um ex-deputado do calibre do senhor Saleiro, é urgente ver se não há práticas concertadas entre as petrolíferas. Mas isso não é trabalho de ministro. É do regulador da concorrência. Faça favor, professor Abel Mateus...