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11 de Novembro de 2008 às 13:47

Humor negro

"Uma mulher de 67 anos morreu após ser atingida pelo caixão onde estava o seu marido, que ia a enterrar, no Rio Grande do Sul. Um veículo colidiu na traseira da funerária, deslocando o caixão para a frente, que acabou atingindo a vítima". Esta é uma notícia publicada ontem na Bloomberg. Ao lado, outra: "Deutsche Bank avalia acções da General Motors a zero". Qual delas é a mais bizarra? Alguma é mais tétrica que a outra?

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A Bolsa anda de tal forma que o noticiário financeiro poderia ser fonte para os guionistas da série de cangalheiros "Sete Palmos de Terra". Dizer que as acções do maior fabricante automóvel dos Estados Unidos valem zero dólares é prognosticar a morte ao paciente. A morte, nas empresas, chama-se falência e há muito que ela não saía tantas vezes à rua.

Aliás: em 133 empresas cotadas na Bolsa de Madrid, apenas três não estão negativas este ano e a que mais sobe (17,47%) é a Funespana, uma fornecedora de serviços funerários e gestora de cemitérios em Espanha e na América Latina. Sobe mais que 597 empresas do índice Stoxx 600. Ao contrário do romance de José Saramago, a morte não é intermitente, o negócio floresce.

Mas há mais na lista das histórias estranhas, incluindo o incrível "short squeeze" da Volkswagen, que aqui já foi relatado e que levou as acções a disparar para mais de mil dólares sem nenhuma razão de negócio, caindo para metade logo depois. Ou a estranha republicação em Setembro passado de uma notícia de 2002, pelo Chicago Tribune, que levou as acções da United Airlines a afundar 99,9%, por afirmar que a transportadora ia pedir falência, o que, mesmo há seis anos, era errado.

Só em tempos de hipersensibilidade como estes as reacções de pânico e de euforia se incendeiam em menos tempo que um fósforo raspa em lixa. Só em tempos tão voláteis como este se escrevem títulos como "Bolsa desliza 9%", em que a escolha do verbo mostra a anestesia em que nos encontramos.

Quem, há um ano, não cairia da cadeira ao ler que "o tempo do dinheiro fácil acabou" no mesmo dia em que "taxas de juro aproximam-se do zero"? Ou que dois terços do dinheiro pedido emprestado por bancos ao BCE são depositados no dia seguinte... no BCE, com perda de meio ponto percentual entre uma coisa e outra? Quem podia acreditar que, em meia dúzia de meses, 60 bancos seriam nacionalizados em todo o mundo?

Olhando para o valor das empresas cotadas, a anormalidade prossegue, mesmo em Portugal. Por que é que a Teixeira Duarte vale menos que a soma das suas participações directas no BCP, Cimpor e BBVA? Por que é que a Sonae Indústria vale apenas um terço das avaliações dos analistas? Por que é que se tornou habitual ver listas de empresas transaccionadas abaixo do próprio valor nominal, como o BCP ou como a Sonae SGPS, que já custam menos dinheiro do que um arrumador de carros aceita de gorjeta? Por que é que as acções da Galp não incorporam qualquer expectativa quanto ao petróleo brasileiro que um dia há-de jorrar? Sabe qual é a segunda melhor empresa do ano na Bolsa de Lisboa? A Papelaria Fernandes, que enfrenta o abismo.

Há várias explicações para o inexplicável. Os investidores não compram o amanhã, porque sabem que ele não chegará para muitas empresas. Os bancos não emprestam o dinheiro e ficam sentados em cima da liquidez. As empresas deixaram de anunciar intenções, passaram a gerir o calendário.

Não é o humor que está negro, é a percepção, as expectativas. Por enquanto, isto não tem graça nenhuma. Nem graça, nem saída.

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