Opinião
A maternidade do problema nacional
Especialista é alguém que sabe cada vez mais sobre cada vez menos. São os especialistas que têm desenvolvido o debate mais consequente e mais pedagógico em torno do encerramento de vários blocos de parto, anunciado por este ministro da Saúde.
O Jornal de Negócios assume o risco de entrar no terreno menos «rigoroso» do tema. É uma opção. Há quem prefira aventurar-se por especialidades que não é a sua. E faz figura de generalista idiota – aquele que sabe cada vez menos sobre cada vez mais.
Sucede que esta polémica das maternidades deixou há muito de ser um assunto da estrita esfera da saúde pública. Com esta controvérsia revelou-se uma outra doença. De contornos bem conhecidos e cujos sintomas foram identificados em inúmeras ocasiões. Tal como a natureza das reacções que vimos assistindo.
Esta crise das «maternidades condenadas» dispensa, portanto, qualquer patologia de base científica.
Basta ter memória e recordar a crise dos «regimes especiais» da função pública que o Governo de Sócrates desencadeou há quase um ano. Ou recuar à crise do «fim das Scut» que o Governo há dois anos chegou a anunciar.
Ou ir um pouco mais atrás e perceber o que significou a crise das finanças municipais, quando o Governo de Durão Barroso impôs a regra do endividamento zero e os autarcas ficaram entalados com as obras do (seu) regime.
Dito de outra forma: a emoção que provoca o encerramento de maternidades só é mais forte dada a natureza do estabelecimento, a afectividade que lhe está associada e, por conseguinte, a demagogia a que o tema se presta.
Porque, no fundo, aquilo que Correia de Campos pretende fazer na Saúde em nada difere do que António Mexia e Manuela Ferreira Leite procuravam fazer nas obras pagas pelos impostos. Ou que Maria de Lurdes Rodrigues está a fazer na rede escolar. Ou o que Alberto Costa terá um dia de fazer com os tribunais: seleccionar, cortar e não condenar à própria sorte as «vítimas» dessa opção.
Não sei quantas enfermeiras, obstetras e pediatras são necessários para garantir as condições de segurança às mães e aos filhos recém-nascidos. E, embora não vislumbre qualquer motivação obscura na comissão técnica que recomenda o seu encerramento, não faço a mínima ideia se é esse o caso de todos os blocos de parto condenados.
Mas conhecemos o preço da demagogia, sabemos quanto custa à democracia quando o Estado é incapaz de afirmar-se sobre os caciques, quando o interesse geral fica refém das miopias locais.
O país investiu milhões em estradas, criou acessibilidades que aproximaram em minutos o que se contava em quilómetros.
Indiferente a isto, empolgados por inimputáveis dirigentes partidários nacionais e mobilizando populações facilmente mobilizáveis por supostas «causas próximas», o típico autarca nacional não abre mão da escola sem alunos, do tribunal sem processos, do hospital sem doentes ou da maternidade sem partos. Isto porque ninguém lhe tira a piscina municipal, o centro de congressos e o centro empresarial. Obviamente sem empresas.
A redução drástica da mortalidade infantil é, provavelmente, o indicador de que a nossa democracia mais se pode orgulhar. Quem diria que, em pleno século XXI, iria agora marcar aqui encontro com o terceiro-mundismo.