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A factura do euro

Há dez anos, Portugal cumpria os critérios para aderir à moeda única europeia e era dado como apto para integrar o grupo de países pioneiros do euro. Os dois principais partidos celebravam o cumprimento daquilo que rotularam como um “desígnio nacional”, e

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Hoje, é evidente que muito do trabalho de casa prévio à adesão ficou por fazer. As dificuldades dos anos mais recentes correspondem à inevitável factura que teria que de ser paga, mais cedo ou tarde.

O percurso que levou à substituição do escudo pelo euro foi construído sobre muitas ilusões. O objectivo político de não ficar para trás e de participar na fundação de um dos projectos mais ambiciosos da integração europeia secundarizou o cuidado necessário nos preparativos para abdicar de um instrumento tão relevante para influenciar a economia como é a política monetária. A convergência nominal foi atingida, mas ficou assente em alicerces pouco fiáveis.

O aspecto mais notório da displicência que marcou o período pré-euro esteve na forma como se atingiram as metas exigidas para o défice público. Assente no crescimento da receita, a consolidação das finanças públicas negligenciou a reforma de fundo que permitiria à política orçamental transformar-se num instrumento eficaz para combater as mudanças de humor na conjuntura. Ao primeiro sinal de desaceleração no ritmo de crescimento, Portugal transformou-se em estreante nos processos por défice excessivo e, uma década após a adesão ao euro, mantém nesta frente debilidades que tornam prematura e irrealista a perspectiva de que as crises orçamentais são apenas uma penosa recordação do passado.

A fragilidade das empresas portuguesas foi, também, impiedosamente exposta pela moeda única. Baseada na mão-de-obra barata e pouco qualificada, a economia perdeu o balão de oxigénio das “desvalorizações competitivas” com que se tinha habituado a sobreviver, apesar de ter sido servida com uma redução dos custos e riscos cambiais, além de uma redução no preço do dinheiro. Mas as baixas taxas de juro, uma benção para uma economia necessitada de aumentar o seu ritmo de crescimento, criaram mais um ilusão.

Durante anos consecutivos, o endividamento cresceu e o país foi assistindo a persistentes défices nas suas balanças corrente e de capital. A presença no euro dava garantias de credibilidade junto dos credores, mas perdeu-se algures, pelo caminho, a noção de que a moeda única estava longe de significar que as dívidas não teriam, um dia, que ser pagas. A aposta em grandes desígnios inclui o risco de alguns detalhes decisivos serem ignorados, com custos elevados. Portugal já foi mostrado, a candidatos à integração na Zona Euro, como um caso exemplar de tudo o que não se deve fazer. Mas, de cada vez que se anuncia mais um projecto megalómano, fica a dúvida sobre se a lição foi aprendida.

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