Opinião
O défice com duas caras
O défice mais baixo da história da democracia portuguesa, 0,92% em 2017, ficou em banho¬-maria. O INE, a contragosto, decidiu acolher os argumentos do Eurostat e contabilizou a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos no défice, fazendo-o subir para 3%. O ministro das Finanças,_Mário Centeno, discorda da interpretação feita pelo organismo europeu de estatísticas e o debate teórico irá continuar.
Nesta batalha, na qual se esgrimem premissas antagónicas para sustentar défices diferentes, 0,92% ou 3%, sobra uma certeza – o facto de Portugal ter superado o limite imposto pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento não irá alterar a opinião dos investidores e das agências de notação financeira sobre o "rating" do país, nem influenciará a saída do Procedimento por Défices Excessivos.
Assim sendo, qual o motivo para tamanha indignação do ministro das Finanças? Segundo Mário Centeno, embora o valor do défice não seja "um fim em si mesmo", 0,92% é o "mais adequado às condições económicas" caso o país "enfrente nos próximos anos um quadro menos favorável" a nível de conjuntura económica. Em paralelo, claro está, há também uma questão de registo histórico a que este Governo e Mário Centeno gostariam de ficar ligados, o qual pode ser usado como bandeira no despique político, particularmente com o PSD e o PS e que a própria Comissão_Europeia, pela voz de Pierre Moscovici, classificou recentemente como uma "história de sucesso".
O reverso desta moeda é o facto de um défice abaixo das previsões se constituir como um factor de pressão adicional para o Governo, na medida em que alimenta as pressões despesistas dos partidos que suportam a geringonça. Ir além das metas fixadas por Bruxelas (por exemplo, este ano o Governo prevê um défice de 1% e a Comissão Europeia de 1,4%) é meio caminho andado para que o PCP e o Bloco de Esquerda reclamem que o Governo seja mais generoso no Orçamento do Estado para 2019, ainda para mais num ano que será marcado pela realização de eleições legislativas.