Opinião
No poupar é que está o gasto
Há muitas explicações para os fogos que este ano alastram pelo país. As alterações climáticas, os incendiários, a falta de meios humanos e materiais e até uma putativa máfia do fogo. Todas elas são plausíveis e admissíveis num debate sobre a matéria. Mas todas elas concorrem para um problema central - a falência do Estado em matérias como a floresta, ordenamento do território e desenvolvimento do interior do país.
Foram precisas duas tragédias e 108 mortos para o país e o Governo despertarem. O equívoco do menos Estado, comandado pela necessidade imperativa de fazer poupanças, conduziu a um desinvestimento em áreas onde devia haver mais Estado, mais regulação e políticas activas de fixação das populações no interior e de atracção de investimento.
As florestas não são paisagens para usufruto de fim-de-semana dos urbanos, cansados da selva de cimento e das corridas de carro em câmara lenta. O mundo rural e os seus habitantes não são uma espécie em vias de extinção, uns ET dos tempos modernos, que os citadinos querem preservar como exemplo de um passado recente. E o interior não é aquele sítio onde se vai de férias, para descansar, enquanto se desabafa cinicamente - se pudesse vinha viver para cá.
Com tanta poupança feita nos últimos anos (embora seja difícil explicar para onde foi o dinheiro que se poupou) agora é preciso gastar a mais, pelo que não se fez e por aquilo que tem obrigatoriamente de se fazer. Vão ser 400 milhões de euros, verba aprovada no conselho de ministros de sábado, para fins como a recuperação das habitações e infraestruturas de empresas e autarquias, o apoio ao emprego e ao sector agrícola e florestal, afectados pelos incêndios. Uma decisão inevitável resultante de factos avassaladores.
No entanto, nada disto resolve o essencial. E o essencial é dar valor económico à floresta e ao interior do país. Uma missão que compete ao Governo mas também às autarquias, com o envolvimento das populações. Só políticas criadoras de riqueza poderão travar o êxodo das populações do interior para o litoral e do campo para a cidade, em busca de melhores condições de vida. Esta estratégia é essencial para resolver o equívoco apontado por Domingos Xavier Viegas, numa entrevista ao DN e à TSF, no passado domingo. "O país que ardeu está à margem do país que é imaginado em Lisboa", afirma o coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais. O mundo rural não pode ser apenas um sítio cheio de encanto para os calcinhas da cidade. Tem de ser um mundo generoso para os que tratam dele. Algo que já não acontece desde há muito.