Opinião
A reforma que é uma crítica a Carlos Costa
Carlos Costa perdeu poder com o caso BES. Não o formal - continua no cargo - mas boa parte do informal, o da influência, menos tangível, mas também relevante. Agora é o próprio Banco de Portugal, a instituição, a perder poderes, e formais.
Primeiro foi a legislação europeia a levar a primazia da supervisão dos bancos com importância sistémica para Frankfurt. Agora será a reforma da supervisão financeira, cujas linhas mestras foram apresentadas a semana passada no Parlamento pelo ministro das Finanças, a cercear a influência do Banco de Portugal. Além de deixar de ser a autoridade responsável pela resolução, da Rua do Comércio sairá também a supervisão macro-prudencial, que tem como missão a salvaguarda da estabilidade do sistema financeiro como um todo.
O poder de resolução já Carlos Costa não o queria. E disse-o várias vezes. O caso BES deixou clarinho como água que, além de encerrar um conflito de interesse, acumular a responsabilidade pela resolução deixa o Banco de Portugal demasiado vulnerável à crítica e à influência política. Constitui, por si, só uma ameaça à sua independência e autonomia, como está à vista desarmada.
A resolução passa para a nova entidade anunciada por Mário Centeno, onde terão assento os três supervisores sectoriais (mais a CMVM e a ASF, a autoridade dos seguros), em igualdade de circunstâncias, ao contrário do que acontece no actual Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, onde nada pode ser aprovado sem a anuência do Banco de Portugal.
A nova autoridade, que será liderada por "personalidades independentes", fica também com a tal supervisão macro-prudencial, incumbida de vigiar o risco sistémico e de recomendar a adopção de medidas. O "recomendar" aqui tem peso reforçado, porque não acatar obrigará a explicar muito bem o porquê da recusa.
Esta nova entidade servirá ainda para a "troca vinculativa de informação" entre os supervisores. Algo que falhou de forma flagrante durante a crise do BES, com a CMVM a ser avisada tarde e a más horas, meses depois de o Banco de Portugal conhecer os problemas no GES, e já com o papel comercial colocado nos clientes. Fazer "caixinha" com informação sensível deixará, espera-se, de ser possível.
Há aqui um claro padrão que coloca o Banco de Portugal no eixo daquilo que é preciso mudar. Há uma crítica implícita à sua actuação. Mas a reforma não deve ser vista como um castigo ou penalização da Rua do Comércio.
Ela é o resultado de uma reflexão sobre conflitos de interesse - como a supervisão global do sistema e dos bancos estar na mesma entidade - que é necessário corrigir. O Banco de Portugal ficará melhor, o sistema ficará melhor.