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27 de Dezembro de 2017 às 23:00

A AR em modo clandestino

Legislar em causa própria já é terreno sensível. Fazê-lo pela calada é impróprio de uma democracia evoluída. Mas foi o que fizeram PSD, PS, BE, Bloco, PCP e PEV com as alterações à lei do financiamento partidário.

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O objectivo original é legítimo: acabar com o conflito de interesses que existia pelo facto de o Tribunal Constitucional ser instrutor e juiz dos processos relativos à fiscalização dos partidos, tornando-a inoperante. A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, que funciona dentro do TC, fica com a incumbência de investigar e aplicar coimas. O plenário do Palácio Ratton decide sobre os recursos.

Serviu este nobre pretexto de meio para um questionável fim. Enxertado no projecto de lei vai um fato à medida e um chorudo cheque para os partidos, costurado em sigilo durante meses, entregue camuflado pelo Natal, a ver se a coisa passava despercebida. O preâmbulo é revelador, diz que "as demais são alterações pontuais cuja introdução se revelou necessária". O diabo está sempre nos detalhes.

Claro que a emenda foi pior do que o soneto. Além de discutir as medidas em si, como seria normal ter acontecido em democracia, está-se a discutir o processo legislativo. Ficámos a saber que no Parlamento também o há no modo clandestino.

Vamos às medidas e ao fato. O PS anda há anos num diferendo com a autoridade tributária porque entende que, além da isenção na cobrança de IVA, os partidos podem exigir a devolução do imposto no que compram. Ora uma das "alterações pontuais" do projecto de lei visa justamente consagrar, sem excepção, a isenção de IVA nos bens e serviços que os partidos adquirem, o que é duvidoso à luz do direito comunitário. Esta é uma benesse de que nem as IPSS gozam, como pode ler na edição desta quinta-feira do Negócios.

O texto chega a estipular que a legislação se aplica aos processos em tribunal novos, mas também aos pendentes. Suspeita-se de que tenha sido o PS a pedir a inclusão deste retroactivo artigo, mas claro que a todos aproveita. Tal como o fim do limite às doações, ainda que encaixe bem no PCP e na sua Festa do Avante.

Vieram os partidos que aprovaram a legislação – excepto o Bloco, que quando se apercebeu da bernarda virou a casaca – dizer que a nova lei não tem "encargos públicos adicionais". Não é verdade. Ainda que não pague mais, o Estado vai passar a receber menos em IVA. O que é, na prática, uma forma de subsidiação.

É mais dinheiro para os partidos, potencialmente menos transparência no controlo das doações e logo menor capacidade para detectar situações ilícitas. É um exemplo acabado de corporativismo, ainda por cima rasteiro. Só o CDS e o PAN conseguem sair bem na fotografia.

Era difícil antever pior maneira de os partidos representados na Assembleia terminarem o ano, a merecer um veto presidencial, tanto pela forma como pelo conteúdo. 

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