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27 de Janeiro de 2016 às 20:30

A armadilha da dívida de Porto Rico

Porto Rico precisa de uma melhor gestão orçamental. O sistema idiossincrático de impostos e despesas da ilha – e a falta de um controlo local efectivo sobre a política orçamental – tornou-se parte do problema a longo prazo.

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A ilha caribenha de Porto Rico – território dos Estados Unidos – está falida, e a assistir ao desenrolar de uma calamidade humana. A menos que a acção política siga um caminho construtivo em 2016, a migração de Porto Rico para os 50 estados norte-americanos vai rivalizar com a escala do êxodo do Oklahoma, Arkansas e outros estados devastados pelo clima nos anos 1930.

 

Com o serviço da dívida pública (incluindo juros) a atingir cerca de 40% das receitas do governo em 2016, Porto Rico precisa de um novo conjunto de políticas económicas. Mas a austeridade não vai funcionar; terá de ser uma recuperação impulsionada pelo investimento, com medidas orientadas para estimular o crescimento, reduzindo o custo da actividade das empresas.

 

A questão é se Porto Rico terá essa opção. Grande parte da sua dívida de 73 mil milhões de dólares foi emitida por empresas estatais. Mas, embora a lei federal permita que essa dívida municipal seja reestruturada ao abrigo do Capítulo 9 do código de falências em todos os 50 estados, isto não se aplica aos territórios dos EUA como Porto Rico. Como resultado, adivinha-se uma série prolongada de batalhas legais confusas e ‘defaults’ selectivos. O custo dos serviços essenciais - água, electricidade, esgotos e transportes - vai subir enquanto a qualidade vai diminuir.

 

Uma resposta tem sido a exigência de mais apertos de cinto sob a forma, por exemplo, de reduções de salários e cortes na saúde. Mas os habitantes de Porto Rico também são cidadãos norte-americanos e "votam com os pés" - a população caiu de 3,9 para 3,5 milhões nos últimos anos, com pessoas talentosas e enérgicas a mudarem-se para a Flórida, Texas e outras partes do continente.

 

Quanto mais os credores insistem em padrões de vida mais baixos e impostos mais altos, mais a base tributária irá simplesmente deixar a ilha – provocando um aumento das perdas dos obrigacionistas. ‘Defaults’ desordenados das empresas públicas vão tornar ainda difícil o funcionamento de qualquer parte do sistema de crédito privado.

 

Os conservadores nos Estados Unidos - incluindo na Hoover Institution - há muito que argumentam a favor do uso dos procedimentos de insolvência estabelecidos quando grandes empresas financeiras colapsam. A mesma lógica aplica-se aqui: um juiz pode remover qualquer dúvida de que a insolvência real existe e, ao mesmo tempo, garantir que o crédito continua disponível durante uma reestruturação. Durante esse processo, um juiz pode basear-se em precedentes e garantir a equidade entre as classes de credores com base nos termos precisos em que os empréstimos foram obtidos.

 

Embora os republicanos do Congresso não tenham permitido, até agora, um processo de insolvência supervisionado por um juiz, continua a ser possível um acordo bipartidário. Os senadores democratas Richard Blumenthal, Elizabeth Warren, e Charles E. Schumer propuseram legislação que introduziria uma suspensão das acções judiciais dos credores até 31 de Março de 2016. Ninguém, incluindo o senador republicano Chuck Grassley, presidente do poderoso Comité Judiciário do Senado, acredita que a reestruturação da dívida, por si própria, vai trazer de volta o crescimento; mas estender o Capítulo 9 do código de insolvências a Porto Rico seria útil.

 

Porto Rico precisa de investimento do sector privado, o que exige o cumprimento de três medidas. Em primeiro lugar, os obstáculos burocráticos à criação de emprego devem ser eliminados, inclusive através da utilização de tecnologia de ponta para tornar o governo mais transparente. Pedro Pierluisi, representante de Porto Rico no Congresso, enfatiza este ponto há muito tempo.

 

Em segundo lugar, os custos dos recursos essenciais para a actividade industrial têm de baixar. A electricidade na ilha é significativamente mais cara do que na Flórida, em parte devido à falta de investimento. De forma mais ampla, há necessidades prementes de investimento público para melhorar a infra-estrutura, o que implica grandes oportunidades para a participação do sector privado. Mas nada disso vai acontecer até que o excesso de dívida seja removido.

 

Por fim, Porto Rico precisa de uma melhor gestão orçamental. O sistema idiossincrático de impostos e despesas da ilha – e a falta de um controlo local efectivo sobre a política orçamental – tornou-se parte do problema a longo prazo. Porto Rico deve, ao longo do tempo, tornar-se mais como um dos 50 estados na sua relação orçamental com o governo federal. Se o Congresso estiver disposto a comprometer-se nesse sentido, um quid pro quo razoável seria regras orçamentais fortes - e um órgão poderoso de monitorização.

 

Com o apoio do Congresso e políticas pró-crescimento, Porto Rico pode atrair americanos talentosos (e imigrantes legais) para a ilha, criar empresas, e trabalhar arduamente. O ensino superior em Porto Rico continua forte, mas mais de 80 mil pessoas deixam a ilha todos os anos (e apenas 20 mil entram).

 

Em parte, os altos níveis de migração líquida reflectem o sistema de saúde desgastado de Porto Rico. O governo federal dá muito mais apoio a todos os sistemas de cuidados de saúde dos outros estados através do Medicare (para os pensionistas) e Medicaid (para famílias de baixo rendimento), apesar de os porto-riquenhos pagarem os mesmos impostos federais que financiam grande parte do programa Medicare.

 

Da mesma forma, para se tornarem elegíveis para um apoio mais robusto, nomeadamente através do crédito fiscal relativo aos rendimentos do trabalho - um programa apoiado pelos conservadores, como o presidente da Câmara dos Deputados Paul Ryan – os trabalhadores porto-riquenhos de baixos rendimentos têm de se mudar para um dos 50 estados.

 

Porto Rico não precisa de um resgate. Precisa de reduzir os custos da actividade empresarial – reduzir a burocracia, incentivar o investimento e atrair pessoas para trabalhar (e pagar impostos) num lugar bonito.

 

Também precisa do que tem sido uma parte construtiva do modelo económico americano em mais de 200 anos - a capacidade de reestruturar a dívida municipal através da insolvência.

 

Simon Johnson é professor na Escola de Gestão Sloan do MIT e co-autor da obra White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You.

 

Copyright: Project Syndicate, 2015. 

www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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