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Michael Boskin - Economista 03 de Setembro de 2015 às 20:00

O que é que a China deve fazer?

Os esforços do governo chinês para conter a recente volatilidade do mercado de acções – as mais recentes medidas proíbem vendas a descoberto e vendas pelos principais accionistas – prejudicaram gravemente a sua credibilidade. Mas os fracassos da política da China não são uma surpresa. Os responsáveis políticos chineses não são os primeiros a gerir mal os mercados financeiros, a moeda e o comércio.

Muitos governos europeus, por exemplo, sofreram perdas humilhantes ao defender as suas moedas, que estavam desajustadas no início da década de 1990.

 

Ainda assim, a economia da China continua a constituir uma fonte de incerteza significativa. Com efeito, embora o desempenho do mercado accionista da China e o da sua economia real não estejam estreitamente relacionados, há uma grande desaceleração em curso. Essa é uma preocupação séria para ministérios das Finanças, bancos centrais, salas de negociação, importadores e exportadores em todo o mundo.

 

O governo da China acreditava que era possível fazer uma transição suave entre um crescimento económico de dois dígitos, impulsionado pelas exportações e investimentos, para um crescimento equilibrado, sustentado pelo consumo interno, especialmente de serviços. E, de facto, adoptou algumas políticas e reformas sensatas.

 

Mas o crescimento rápido escondeu muitos problemas. Por exemplo, muitos funcionários, procurando obter promoções por alcançarem metas económicas de curto prazo, alocaram mal os recursos; indústrias básicas, como a do aço e do cimento desenvolveram um excesso de capacidade; e nos balanços dos bancos e governos locais acumulou-se crédito malparado.

 

Mas os problemas desta abordagem são especialmente evidentes na tentativa de planear a urbanização, que implicou a construção de novas grandes cidades – com infra-estruturas modernas e habitação abundante – que ainda têm de ser ocupadas. Em certa medida, essas "cidades fantasma" assemelham-se às aldeias Potemkin do império russo, construídas para impressionar a czarina; mas as cidades fantasma da China são reais, e é de supor que se destinavam a algo mais do que lisonjear os líderes do país.

 

Agora que o crescimento económico está debilitado – as estatísticas oficiais apontam para uma taxa anual de 7%, mas a maioria dos observadores acredita que o número real está mais próximo de 5% (ou até menos) – os problemas de governação da China estão a tornar-se impossíveis de ignorar. Embora a taxa de crescimento da China ainda exceda a da grande maioria dos países do mundo, a magnitude da desaceleração tem sido avassaladora, com dinâmicas de curto prazo semelhantes às que ocorreriam se a economia dos Estados Unidos ou da Alemanha passassem de um crescimento de 2% para uma contracção de 3%.

 

É provável que a China, assolada por graves problemas económicos, enfrente uma considerável instabilidade social e política. À medida que a desaceleração ameace a criação de emprego, minando as perspectivas de milhões de pessoas que todos os anos se deslocam para cidades da China em busca de uma vida mais próspera, vão crescer as dificuldades do Partido Comunista Chinês para manter a legitimidade do seu monopólio político. (De forma mais ampla, a importância dos problemas da China, juntamente com o colapso da Rússia e a inflação de 60% da Venezuela, vem abalando a crença de alguns de que o capitalismo de Estado supera as economias de mercado).

 

Dada a importância sistémica da China para a economia global, a instabilidade no país poderá representar grandes riscos muito além das suas fronteiras. A China é o maior detentor estrangeiro de títulos do Tesouro dos EUA, um parceiro comercial importante para os EUA, Europa, América Latina e Austrália, e um dos principais mediadores do comércio intra-asiático, em parte devido à escala do seu comércio de produtos transformados. 

 

Para o mundo, estão muitas coisas em jogo na China, e as autoridades chinesas têm muitas coisas nas suas mãos. O governo deve lidar com os efeitos de curto prazo da desaceleração, continuando a aplicar reformas orientadas para suavizar a transição da economia para um novo modelo de crescimento e para a expansão do papel dos mercados. As empresas estrangeiras procuram chegar à crescente classe média da China, estimada em mais de 200 milhões de pessoas pelo McKinsey Global Institute. Mas isso implica um ambiente de negócios estável, incluindo uma maior transparência nas aprovações governamentais e menos controlos de capitais.

 

Com estes objectivos em mente, o governo da China projectou recentemente uma modesta desvalorização da moeda. Demasiado pequena, provavelmente, para alterar, de forma significativa, a balança comercial da China com a Europa ou os EUA. Mas essa desvalorização sinaliza uma mudança em direcção a uma taxa de câmbio mais orientada para o mercado. O risco, nas mentes dos investidores, gestores e funcionários do governo é que os mercados cambiais – ou moedas administradas pelo governo e influenciadas por forças de mercado – desenvolvem, frequentemente, demasiado impulso e ultrapassam os valores fundamentais.

 

Numa altura em que o governo da China utiliza a política monetária para tentar acalmar os mercados, as reformas ao micronível devem continuar. A China deve implantar novas tecnologias em todos os sectores, ao mesmo tempo que melhora a educação, a formação e a saúde dos trabalhadores. Além disso, a China precisa de acelerar os seus esforços para aumentar o consumo interno que, como proporção do PIB, é muito inferior ao de outros países. Isso significa reduzir a taxa de poupança de uma magnitude sem precedentes, grande parte da qual beneficia empresas estatais. Para que as empresas privadas e as famílias substituam o investimento estatal como grande motor da economia, o Estado deve reduzir a sua participação em grandes empresas e permitir que se paguem mais benefícios directamente aos accionistas, ao mesmo tempo que os lucros das acções remanescentes devem chegar mais aos cidadãos.

 

O abandono do controlo estatal excessivo deve incluir também a substituição das subvenções de preços e subsídios às indústrias favorecidas com apoio específico para os trabalhadores de baixo rendimento e um maior investimento no capital humano. Além disso, a China deve reduzir os poderes administrativos, introduzindo uma regulamentação sensata e previsível para enfrentar as externalidades e monopólios naturais.

 

Voltando ao nível macro, a China precisa de realocar as responsabilidades e recursos entre os vários níveis de governo, para capitalizar a sua vantagem comparativa na prestação de serviços e aumentar a receita. E o país deve reduzir gradualmente o peso total da sua dívida, que já ultrapassa 250% do PIB.

 

Felizmente, para enfrentar os difíceis desafios de ajustamento que tem pela frente, os 3,6 biliões de dólares de reservas cambiais da China podem servir como um amortecedor contra perdas inevitáveis. Mas a China tem de evitar sucumbir a um maior controlo estatal da economia - uma possibilidade vislumbrada na resposta desajeitada das autoridades à correcção dos preços das acções. Essa abordagem deve ser abandonada de uma vez por todas, antes que prejudique ainda mais o percurso da China em direcção à prosperidade e estabilidade a longo prazo.

 

Michael J. Boskin é Professor de Economia na Universidade de Stanford e membro sénior da Hoover Institution, foi presidente do Conselho de Assessores Económicos de George H. W. Bush de 1989 a 1993.

 

© Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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