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Jennifer Wu: “O entusiasmo em torno do ESG acabou. O trabalho duro começa agora”

A “global head of sustainable investing” da JPMorgan Asset Management, considera que o mercado de instrumentos financeiros ligados ao ESG vive um novo capítulo, em que será preciso dedicação, para consolidar, mas também para continuar a inovar. A pequenos emitentes públicos como Portugal deixa um conselho: apostar nas parcerias com privados.

Jennifer Wu, global head of sustainable investing da JPMorgan Asset Management. D.R.
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O mercado dos instrumentos financeiros ligados aos critérios ambientais, sociais e de governação (ESG) está a entrar numa nova fase de maturidade, defende "a global head of sustainable investing" da JPMorgan Asset Management, Jennifer Wu, em entrevista ao Negócios. Praticante de maratonas, a especialista que também já esteve na BlackRock em funções similares considera que agora – que a corrida acabou – é tempo de consolidar legislação e de aplicar novas ferramentas, como blockchain e inteligência artificial. A Portugal deixa uma recomendação: apostar na parceria com os privados nas renováveis pode não ser má ideia, para haver espaço para "green bonds" da República. Já aos investidores de retalho deixa outro recado: que não se deixem levar pelas famosas pontuações ESG e olhem mais para o "core" de investimento dos fundos em que querem aplicar o seu dinheiro.

 

Atualmente, qual é o estado da arte? O entusiasmo em torno do ESG deu lugar ao paulatino desaparecimento?

Não acredito que os produtos ESG vão desaparecer. O que está a acontecer é que se está a usar "ESG" como uma sigla para descrever tudo. Mas há uma necessidade. E sabemos que para os investidores e gestores de ativos investirem na transição carbónica tem de ser incentivado pela política dos governos. Também é exigido pelos consumidores que as empresas façam o melhor para preservar a energia, proteger o ambiente e lutar contra as alterações climáticas.

Por isso, há uma necessidade de investimento para a transição para baixas emissões de carbono. Pode-se chamar fundo ESG, fundo climático, o que se quiser, na realidade. E este é o meu ponto: creio que usamos ESG para descrever tantas coisas, mas, na verdade, o que realmente precisa de investimento é o que importa.

 

Não vão então desaparecer?

Os fundos ESG ou sustentáveis não vão desaparecer. Vai é haver muito mais clareza e transparência sobre quando dizemos que este fundo é um fundo sustentável ou fundo ESG. Não é suficiente ter apenas a sigla "ESG" no rótulo, é necessário ser capaz de descrever o que está a tentar resolver e qual é o resultado que está a tentar gerar.

 

"A taxonomia é muito importante porque cria uma linguagem comum para diferentes investidores. o que tem de acontecer agora não é tanto mais regulamentação, mas consolidação." Jennifer Wu

A taxonomia tem um papel importante ou precisamos é de mais legislação?

A taxonomia é muito importante porque cria uma linguagem comum para diferentes investidores. O que tem de acontecer agora não é tanto mais regulamentação, mas consolidação. Se pensarmos ao nível da União Europeia (UE), temos o Regulamento de Divulgação de Informação Financeira Sustentável (SFDR), mas também há outros países com o seu próprio regime de classificação de produtos de investimento sustentável. Portanto, para gestores de ativos pan-europeus ou até mesmo globais, penso que precisamos de coordenação e melhor consolidação das diferentes regulações.

 

Como se combate o "greenwashing" em finanças?

É preciso construir um processo bastante robusto, frente a frente, para garantir que em cada passo do caminho, se um cliente ou regulador vier, seja possível explicar claramente porque se define um instrumento como verde.

 

As pontuações e os índices de empresas ESG são uma forma?

Se um investidor de retalho quiser recorrer à melhor forma para decidir se um fundo é mais ESG do que outro, não recomendaria que olhasse para a pontuação ESG, porque todos sabemos que existem problemas com essas pontuações de terceiros.

 

Porquê?

Têm metodologias diferentes. Por exemplo, quem se preocupa com a diversidade de género deve olhar para a percentagem de investimento do fundo que vai para empresas em que mais de metade dos membros são diversos. Essa é uma maneira muito, muito melhor de avaliar se o fundo está realmente a fazer um bom trabalho no ESG. Eu não recomendaria usar pontuações ESG. Infelizmente, a realidade é que muitas pessoas não têm tempo para analisar tudo isso. É por isso que eu acho que não precisamos de mais regulação, porque o SFDR já exige que todos divulguem muito. Mas agora temos demasiada divulgação. É muito difícil para um investidor de retalho ler a ficha técnica do fundo. É longo. O prospeto é muito, muito longo. Penso que tem de haver alguma consolidação.



Houve uma politização do ESG?

Acho que o que foi politizado ou utilizado no debate político foi semelhante ao que vimos no setor financeiro. O ESG é usado para descrever muitas coisas, por isso, cria confusão. Penso que ninguém na Europa discordaria de que é preciso fazer algo em relação a fenómenos meteorológicos extremos, mas precisamos realmente de descobrir uma forma de nos adaptarmos melhor a um clima mais quente. Temos de investir em melhores infraestruturas. Temos de investir na transição para uma economia com baixo carbono.

O que é desafiante – para um investidor, olhando sobretudo para os próximos cinco anos – é saber como. Porque todos concordam que é preciso fazê-lo, mas cada um tem uma maneira diferente de o fazer. Assim, em certa medida, penso que os próximos cinco anos exigem ainda mais colaboração a nível da elaboração de políticas para encontrar uma forma de coordenação. E não podemos negar o facto de que há muita incerteza sobre quando é que [os Estados] vão colaborar, quando e como. E do ponto de vista do investimento, penso que isso cria riscos e oportunidades.

 

Neste cenário, qual é o maior desafio para os investidores?

O desafio para os investidores é encontrar as melhores empresas quando há políticas em diferentes fases. O final do jogo pode ser o mesmo ano, mas para chegar lá pode demorar anos e diferentes níveis de risco e oportunidades por causa das diferenças nas políticas. Encontrar as melhores empresas vai ser muito, muito complicado, do ponto de vista do investidor.

 

E qual é o seu segredo para encontrar essas empresas?

Fazer um trabalho árduo. Mesmo. Não há dados históricos que possamos analisar. Tudo o que estamos a viver agora é novo. Não basta olhar para as emissões de uma empresa nos últimos três anos. Isto diz alguma coisa, mas não é muito. Não basta olhar para as políticas executadas por um país, porque isso pode mudar.

Para mim, é preciso conversar com as empresas, tentar entender o máximo possível. É preciso muito trabalho na análise da formulação de políticas, da academia, apenas para tentar entender, por exemplo, como a ciência está em relação à previsão de eventos climáticos extremos, para que possamos potencialmente levar alguns desses de volta aos nossos modelos económicos e avaliar melhor como fazemos a alocação de ativos no horizonte de cinco a 15 anos. Penso que este é o momento. É por isso que eu digo que o entusiamo em torno do ESG acabou e o trabalho duro começa agora.
 

Então um investidor que se queira expor ao ESG deve optar mais por uma gestão passiva, que facilite este trabalho?

Sou parcial, porque nós [a JPMorgan AM] temos predominantemente uma gestão ativa, mas acredito que a gestão ativa de investimentos é o caminho a seguir para fazer um bom trabalho. Como disse, estamos a lidar com algo novo.

"Precisa de haver mais inovação para descobrir algumas formas de canalizar mais capital para projetos sociais, ou onde precisamos de investir em termos sociais." Jennifer Wu

Fala-se muito em "green products". Onde está o "S" e o "G" nestes instrumentos?

As "social bonds" já existem, mas se comparamos os números de obrigações sociais, estas são muito menos. Acho que é assim porque estamos a tentar descobrir uma maneira de tornar a dívida social tão atraente – do ponto de vista do retorno – como a dívida verde, porque sabemos que as "green bonds" irão para a energia solar ou eólica, e uma vez construídas as centrais solares ou eólicas, haverá o retorno pela tarifa de eletricidade, os consumidores pagam.

Já nas "social bonds", pode-se investir em habitação acessível, por exemplo. Existe algum nível de garantia em termos do rendimento, mas neste caso o retorno do investimento pode não ser tão atrativo para vender aos investidores mais institucionais, por exemplo. Precisa de haver mais inovação para descobrir algumas formas de canalizar mais capital para projetos sociais, ou onde precisamos de investir em termos sociais.

 

Uma das dificuldades para pequenos emitentes, como Portugal, é a liquidez. Emitir "green bonds" pode passar por parcerias entre os setores público e privado?

Penso que sim. Fazer isto com parcerias entre o setor privado e o setor público vai ser fundamental, porque se pensarmos em "green bonds", no final do dia, as entidades que desenvolvem projetos e emitem dívida verde estão sempre à procura de oportunidades em matéria de projetos. Então, no que diz respeito à corrida energética, acho que a questão é como é que Portugal pode oferecer em termos de fontes de energia renováveis. É solar, é eólica? Faça isso em parceria com o setor público e privado para desenvolver esses projetos. E assim que começar, terá de criar espaço no mercado para emitir dívida verde. Logo, esta parceria vai ser fundamental. É realmente uma questão de descoberta. E é por isso que, como eu digo, não é um tamanho único para todos os países, para chegar à neutralidade carbónica, mas a abordagem será muito, muito diferente.

 

Na área da inovação, têm nascido muitos fundos ligados à biodiversidade. É uma tendência para se manter?

Está numa fase muito inicial. Penso que qualquer investidor que quer investir num fundo de biodiversidade deve entrar com os olhos abertos e certificar-se de que está realmente focado em preservar a biodiversidade, evitar a perda de biodiversidade ou de aumentar a biodiversidade. São coisas muito diferentes.

 

Fala-se pouco ou nada de "green finance" em derivados. Porquê?

Estamos, mais uma vez, no ponto de partida, porque ainda faltam projetos subjacentes. Por exemplo, já temos títulos garantidos por hipotecas e sabemos qual é o subjacente: a casa. Está lá, há um mercado e está muito bem estabelecido. Acho que, no caso da sustentabilidade, há mais inovação no mercado de carbono, onde se está a tentar descobrir como usamos créditos de carbono ou mesmo inovar e ter alguns outros tipos de derivado. O que falta aqui é que uma casa é uma casa, já em muitos destes projetos de carbono não há como auditoria de terceiros, por exemplo, e se algo correr mal não há garantias. Assim, a infraestrutura da engenharia financeira ainda não está madura, mas há sinais de inovação.

 

Qual será o papel da "blockchain" nas finanças verdes?

A blockchain vai desempenhar um papel muito importante. Porque muitos projetos verdes estão localizados em lugares remotos e é difícil rastrear e responsabilizar as entidades. Assim, esperamos que a blockchain crie essa confiabilidade e rastreabilidade. Penso que a blockchain pode desempenhar um papel crítico quando se trata de obter recursos minerais ou matérias-primas. Agora, é muito difícil descobrir as emissões de "scope 3" para algumas indústrias. Assim é possível traçar o ciclo de vida de um barril de petróleo.

 

E qual pode ser o contributo da inteligência artificial (IA)?

Fico sempre muito animada a falar de IA, porque pode ajudar-nos muito do lado da pesquisa. Vou dar um exemplo: demoramos muito tempo a executar simulações com os modelos climáticos que temos. Se quisermos saber se vai haver um tsunami ou um furação e quando pode acontecer em Portugal, por exemplo, leva meses, porque estes modelos são muitos complexos.

No entanto, a IA pode agora aplicar um conceito, que chamamos de "gémeos digitais", para fazer com que a IA treine a própria IA, para aprender sobre eventos históricos. Basicamente podemos poupar meses de execução dessa simulação para talvez menos de uma semana, o que vai acelerar a nossa compreensão de como os cenários se podem desenvolver. Vai acelerar e melhorar a nossa preparação para riscos, a capacidade de adaptação e muito mais.

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