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Economia e segurança nacional dos Estados Unidos

Como economista, sinto-me satisfeito pelo facto de a NSS ter dado uma atenção substancial aos aspectos económicos da segurança nacional dos EUA. Espero que essa ênfase leve a melhores políticas domésticas e comerciais.

A Estratégia de Segurança Nacional (NSS, na sigla inglesa) divulgada pela Casa Branca em Dezembro difere das estratégias anteriores que foram preparadas a cada quatro anos. A NSS de 2017 é diferente porque enfatiza o papel da economia: "A segurança económica é a segurança nacional", afirma a nova NSS.

 

Grande parte do relatório é obviamente dedicada aos aspectos tradicionais da segurança nacional: orçamentos militares, alianças e a relação com países como a Rússia e a China, que a nova NSS chama de "concorrentes estratégicos" (em vez de adversários). Mas o crescimento da economia doméstica, o papel do comércio internacional e a nova posição positiva dos Estados Unidos no que respeita à energia também recebem uma atenção substancial.

 

A administração do presidente Donald Trump aponta acertadamente as suas reformas regulatórias e a sua reforma fiscal como estratégias para aumentar o crescimento económico. Uma economia maior fornece recursos para construir uma capacidade militar mais forte. Mas esse crescimento económico só poderá traduzir-se numa defesa nacional mais eficiente se o Congresso decretar aumentos futuros no orçamento da defesa, visando as áreas com maior necessidade de expansão.

 

Devido à cláusula de retenção da Lei de Controlo Orçamental de 2011, o orçamento da defesa foi sujeito a cortes transversais que reduzirão os gastos nesta área a 3% do PIB em 2021, a percentagem mais baixa desde antes da Segunda Guerra Mundial. O Congressional Budget Office estima que os gastos com a defesa, em proporção do PIB, continuarão a diminuir para apenas 2,7% em 2027. Aumentar essa percentagem para 5% do PIB em 2027 acrescentaria mais de 600 mil milhões de dólares ao total de gastos do governo nesse ano.

 

As propostas da NSS para lidar com o comércio externo combinam algumas iniciativas valiosas com uma falsa análise das causas do défice comercial dos Estados Unidos. "Os parceiros comerciais e as instituições internacionais podem fazer mais para enfrentar os desequilíbrios comerciais", afirma a NSS. Isso está errado. A economia básica diz-nos que o défice comercial dos EUA reflecte os níveis agregados de poupança e investimento domésticos. Mais especificamente, o tamanho do défice comercial dos EUA - importações menos exportações - equivale ao excesso de investimento dos EUA em relação à poupança nacional dos EUA. Dado que os americanos gastam mais do que produzem, têm de importar mais do que exportam. Assim, para reduzir o défice comercial, as famílias, as empresas e os governos devem aumentar a sua poupança - obviamente, a solução preferida - ou investir menos.

 

Mas a NSS está certa ao notar que os governos estrangeiros prejudicam os interesses americanos, promovendo e tolerando o roubo da propriedade intelectual dos EUA. Numa cimeira realizada em 2013 no retiro de Sunnylands, na Califórnia, o presidente Barack Obama mostrou ao presidente da China, Xi Jinping, evidências de que membros do exército chinês estavam a roubar tecnologia industrial. Os chineses aceitaram as provas, concordaram que o roubo de tecnologia industrial é diferente de outras formas de espionagem e afirmaram que o governo chinês não colaboraria nesse roubo no futuro. Uma vez que isso não é suficiente para impedir outros roubos chineses de tecnologia civil e militar dos EUA, a nova NSS enfatiza correctamente que o governo dos EUA tomará medidas adicionais para o travar.

 

No que respeita a políticas comerciais específicas, a NSS enfatiza que os EUA procurarão "quebrar as barreiras comerciais e proporcionar aos americanos oportunidades para aumentar as suas exportações". Essa ênfase no aumento das exportações, em vez de na redução das importações, é bem-vinda. As barreiras comerciais erguidas por governos estrangeiros reduzem a capacidade das empresas dos EUA de obter os benefícios, ao nível dos rendimentos reais, de exportar produtos fabricados na América.

 

Mas o relatório também critica uma série de outras políticas injustas prosseguidas pela China e outros países, sem fazer distinção entre aquelas que prejudicam os interesses americanos e aquelas que, embora "injustas", ajudam os americanos. Esta é a lista: "Outros países usaram o dumping, barreiras não tarifárias discriminatórias, transferências forçadas de tecnologia, capacidade não-económica, subsídios industriais e outros apoios de governos e empresas estatais para obter vantagens económicas".

 

As barreiras não tarifárias às exportações dos EUA prejudicam claramente as empresas norte-americanas sem nada fazerem para ajudar as famílias dos EUA. O mesmo acontece com as transferências forçadas de tecnologia, embora a posição chinesa seja que as empresas americanas que desejam operar na China concordam voluntariamente em transferir tecnologia em troca do direito de produzir e vender na China.

 

A prática de dumping - vender produtos a preços inferiores ao custo de produção - ajuda claramente os consumidores americanos, ainda que penalize as empresas americanas. Mas isso não é diferente de um desenvolvimento tecnológico que permite que algumas empresas dos EUA produzam mais barato, ajudando os consumidores americanos e prejudicando outros produtores dos EUA. Embora algumas teorias económicas afirmem que o dumping por estrangeiros pode forçar os produtores nacionais a sair do mercado, permitindo que o produtor estrangeiro aumente os seus preços, não há evidências de que esse comportamento realmente ocorra na prática.

 

Os chineses ainda mantêm excesso de capacidade em algumas indústrias estatais, levando a vendas de exportação a preços que implicam uma perda de dinheiro. Tal como o dumping, isso, juntamente com subsídios industriais explícitos, é uma política "injusta" que, no entanto, ajuda os consumidores americanos.

 

No futuro, o governo dos EUA deve concentrar-se no combate às políticas comerciais dos governos estrangeiros - como o roubo de tecnologia, as barreiras não tarifárias às exportações dos EUA e as transferências forçadas de tecnologia - que prejudicam as empresas americanas sem benefícios compensatórios para os consumidores americanos.

 

Como economista, sinto-me satisfeito pelo facto de a NSS ter dado uma atenção substancial aos aspectos económicos da segurança nacional dos EUA. Espero que essa ênfase leve a melhores políticas domésticas e comerciais.

Martin Feldstein, professor de Economia na Universidade de Harvard e presidente emérito do Departamento Nacional de Investigação Económica, presidiu ao Conselho de Assessores Económicos do Presidente Ronald Reagan de 1982 a 1984.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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