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18 de Fevereiro de 2015 às 18:00

O BCE e os seus críticos

No norte da Europa, especialmente na Alemanha, a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de adoptar medidas de alívio quantitativo (QE, nas siglas em inglês) gerou uma avalanche de críticas. Muitas são infundadas ou mesmo absurdas. Muitas são confusas. Outras dão mais peso a potenciais perigos do que aqueles que são reais. E poucas se referem a problemas reais, acompanhando-os de possíveis soluções.

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A julgar pelas críticas, podemos pensar que ter inflação zero é uma benção. Mas, se assim fosse, há muito tempo que os bancos centrais de todo o mundo a teriam definido como objectivo. Em vez disso, todos definem a estabilidade dos preços como uma inflação lenta, estável mas positiva.

 

Isto é porque a inflação zero tem três consequências muito negativas. A primeira é que afecta a eficácia das políticas monetárias padrão (porque se as taxas de juro caíram para níveis negativos, os depositantes retirariam o seu dinheiro dos bancos e colocá-lo-iam em locais seguros). A segunda é que torna mais rígidos os salários relativos (por exemplo, de trabalhadores do sector industrial em comparação com os do sector dos serviços), já que no geral os contratos são fixados em euros. E, em terceiro lugar, aumenta a carga das dívidas passadas e torna ainda mais difícil sair de situações de crise de dívida pública ou privada.

 

Mas, assinalam os críticos, não há razão para preocupação, porque a inflação próxima de zero da Zona Euro é simplesmente resultado da queda acentuada dos preços do petróleo. Infelizmente, há de facto muitas razões para preocupação. A inflação dos preços no consumidor na Zona Euro ficou abaixo do objectivo durante 22 meses consecutivos – muito antes de o preço do petróleo começar a cair. Quando o petróleo é mais barato beneficia o crescimento; mas isso também reduz as expectativas de inflação de longo prazo, que são o verdadeiro objectivo da política monetária.

 

Os críticos também assinalam que uma inflação abaixo da meta é necessária para recuperar competitividade. Mas isto é confuso. É certo que ainda não se conseguiu o equilíbrio da competitividade dentro da Zona Euro e que, por isso, alguns países precisam de uma inflação abaixo da média para cortar os custos abaixo da média. Mas não acontece assim na Zona Euro como um todo. A competitividade da Zona Euro depende da qualidade dos produtos e da taxa de câmbio do euro, que é flexível. A inflação é irrelevante neste respeito. 

 

No entanto, os críticos do BCE temem que iniciativas monetárias como o QE fujam das suas mãos e acabem por causar uma inflação descontrolada. Este raciocínio é estranho, para dizer o menos. Se o ponto dos críticos é que os bancos centrais cometem erros, parece fazer sentido assinalar que o erro cometido na Zona Euro foi permitir que a inflação chegasse a níveis tão baixos.

 

Agora o BCE está a reagir de forma vigorosa mas, como os responsáveis políticos japoneses perceberam, sair da deflação está longe de ser fácil. O presidente do BCE, Mario Draghi, pode falhar ao trazer a inflação de volta aos 2%. Ou pode exagerar. Ninguém sabe. Mas é raro afirmar que um perigo sujeito a especulações deva impedir que o BCE lute contra um que é demasiado real.

 

Então, chega a afirmação de que o QE é ilegal. Mas a principal responsabilidade do BCE é alcançar e manter a estabilidade dos preços. Quando a política convencional de taxas de juro se torna impotente, o seu dever é confiar noutros instrumentos. A compra de dívida pública é explicitamente autorizada pelo Tratado da União Europeia.

 

Isto não quer dizer que o QE não tenha desvantagens. É provável que crie bolhas nos preços dos activos. As taxas de juro excessivamente baixas elevam os preços dos activos de duas formas: aumentam o valor actual do fluxo futuro de rendimentos de uma acção ou de uma obrigação; e tornam o crédito e a compra de bens imóveis mais acessível. É provável que haja inflação nos preços dos activos e os responsáveis políticos deverão contê-la através de ferramentas regulatórias, tais como os limites de crédito.

 

Além disso, é provável que o QE leve a um aprofundar da desigualdade. A subida dos preços das acções, obrigações e bens imóveis vai aumentar a riqueza dos seus proprietários. Obviamente, aqueles que não os possuam não vão beneficiar disso. Mas a iniciativa monetária do BCE vai também contribuir para que volte a haver crescimento e sejam criados empregos e, assim, beneficiar os mais desprotegidos. Os governos deverão fazer frente à desigualdade que resulte do QE e contam com um instrumento para isso: os impostos.

 

Quando a Reserva Federal dos Estados Unidos embarcou no QE, foi acusada de exportar os seus problemas, já que inevitavelmente o alívio quantitativo agressivo enfraquece a moeda. Do mesmo é acusado agora o BCE. Mas este argumento é enganador. No fim de contas, a recuperação dos Estados Unidos ajudou os seus parceiros comerciais mais do que os prejudicou. Na actual interdependência monetária global, a regra de ouro é que cada união monetária deve perseguir a sua própria estabilidade dos preços. O BCE não se afastou desta norma.

 

Outra grande preocupação na Alemanha é que o QE possa ser uma forma indirecta de acabar por criar as Eurobonds. Mas uma Eurobond é um pacto entre os emissores que oferecem garantias recíprocas. O BCE, contudo, não é um emissor; é uma entidade independente e a decisão de comprar é da sua conta. Além disso, os bancos centrais nacionais vão assumir individualmente 80% do risco.

 

A oposição do norte da Europa às Eurobonds reflecte inquietações de risco moral de que o activismo monetário desencoraje as reformas estruturais. Mas, no contexto actual de estagnação prolongada, o argumento de que não há alternativas às reformas perde força a cada dia que passa. Sem resultados à vista, está a chegar um ponto que poderemos chamar "fatiga das reformas". As novas políticas deverão combinar reforços a nível macroeconómico e mudanças a nível microeconómico.

 

O argumento de que o QE vai acabar com a disciplina orçamental não pode ser rejeitado, porque tanto os adversários como os apoiantes da austeridade parecem concordar que os seus dias acabaram. Mas, embora seja verdade que a compra de dívida por parte do BCE venha a proteger os governos da pressão dos mercados, tal pressão já estava a ser bastante ineficaz. Sobre os governos recai a tarefa de manter a sua parte do acordo e não fugir às suas responsabilidades. É para isto que o "pacto orçamental" da UE serve.

 

Finalmente, os críticos alemães queixam-se de que a política monetária do BCE não aponte para reforçar as condições económicas da Alemanha. Certo, mas inevitável. O BCE é responsável pela Zona Euro como um todo. A sua política monetária não pode ser ajustada a toda a hora e na perfeição às necessidades de cada um dos seus membros. Durante a primeira década de existência do euro, a política do BCE foi demasiado frouxa para Espanha; agora é demasiado frouxa para a Alemanha. Não se deve culpar o BCE por fazer o seu trabalho.

 

Jean Pisani-Ferry é professor na Hertie School of Governance em Berlim e desempenha actualmente a função de Comissário-Geral para o Planeamento de Políticas no governo francês.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho

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