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09 de Janeiro de 2013 às 23:30

Medicina orçamental alternativa?

Esqueça o precipício orçamental. O verdadeiro problema é a montanha orçamental. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o desafio de reduzir a proporção dívida pública/PIB até um nível seguro é assustador para a maioria dos países avançados.

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Na Europa, muitos governos, tendo embarcado no caminho da consolidação orçamental enquanto as suas economias ainda estavam enfraquecidas, lutam agora contra os seus efeitos em termos de crescimento. Como resultado, a estabilização da dívida parece uma meta cada vez mais ilusória.

 

Nos Estados Unidos, a consolidação ainda mal começou. Como a economia privada está agora mais forte, pode beneficiar de condições mais auspiciosas de crescimento, mas a magnitude da redução de despesa necessária – mais de dez pontos percentuais do PIB, segundo o FMI – é assustadora. No Japão, nada foi feito até agora, e o tamanho do esforço necessário desafia a imaginação.

 

Todos os governos dos países avançados estão oficialmente comprometidos em “sofrer” a dor do ajustamento. Mas quantos vão esgotar-se antes de implementar estes programas na íntegra? Voluntariamente ou não, alguns podem recorrer à inflação ou a medidas administrativas destinadas a reter a poupança interna para financiar o Estado ou a manter as taxas de juro baixas (o que os economistas chamam “repressão financeira”) – ou, eventualmente, reestruturar a dívida.

 

Estas três soluções heterodoxas já foram usadas em crises de dívida anteriores. Podem ser consideradas formas alternativas aos impostos, ainda que implícitas em vez de explícitas. Afinal, são métodos diferentes de forçar as gerações actuais e futuras a suportar os encargos da dívida acumulada.

 

É preferível o ajustamento na íntegra? Ou é aconselhável combinar a consolidação com uma dose de medicina alternativa?

 

Aqui, a discussão é muitas vezes expressa em termos morais. O ajustamento, dizem-nos, é moralmente louvável, enquanto as alternativas equivalem a repudiar os contratos que os governos celebraram com os obrigacionistas.

 

Isso pode ser verdade, mas os governos são animais políticos. Eles preocupam-se mais com o bem-estar dos eleitores do que com os princípios morais. Então, vale a pena discutir, em termos puramente económicos, o que escolhas ortodoxas e heterodoxas implicam do ponto de vista da equidade e da eficiência.

 

Comecemos pela equidade. Desta perspectiva, o ajustamento é imbatível. A combinação de impostos com cortes na despesa permite distribuir com precisão a carga de ajustamento. A decisão pertence ao legislador. Alguns processos de ajustamento, como o francês actualmente, recaem mais sobre os rendimentos mais elevados; outros, como na Itália, pesam mais sobre os pensionistas. Essas escolhas foram feitas democraticamente, nos parlamentos, como parte das decisões orçamentais.

 

No entanto, as técnicas heterodoxas são menos flexíveis e mais opacas. A inflação afecta quem tem activos (dinheiro, títulos) ou rendimentos (salários, rendimentos de contas de poupança) que não estão indexados (ou estão sub-indexados) aos preços. A repressão financeira é basicamente uma forma de imposição administrativa da poupança interna, e a reestruturação é um imposto sobre os obrigacionistas, incluindo os aforradores da classe média que poupam para a reforma. Do ponto de vista da distribuição, não parece haver razões válidas para recorrer a estas técnicas, em vez de recorrer à tributação directa.

 

Contudo, existem excepções. Em primeiro lugar, os governos e os parlamentos podem não estar politicamente em condições de assumir a responsabilidade das opções distributivas e preferir mantê-las ocultas. Não é uma boa razão, mas acontece.

 

Em segundo lugar, a reestruturação concentra o ónus sobre os detentores de obrigações emitidas antes de uma certa data limite. Assim, traça uma linha entre o passado e o futuro, o que provoca o que John Maynard Keynes chamou de “eutanásia do rentista”. Quando a carga da vileza passada é demasiado pesada, pode não haver outra forma de proteger as gerações futuras.

 

Por último, tanto a inflação como a reestruturação fazem recair parte da carga sobre os detentores de títulos não residentes (através da depreciação da taxa de câmbio e da redução do valor dos activos). Para os contribuintes, é uma fórmula tentadora, em particular quando uma grande parte da dívida corresponde a titulares externos. No entanto, fazer os estrangeiros pagarem é discutível. Afinal, não foram beneficiários dos bens públicos ou transferências financiadas pela emissão de dívida. Assim, deve ser reservada para os casos em que o país, como um todo, atingiu a insolvência.

 

Passemos agora para a eficiência. Os ajustamentos em grande escala podem deixar uma economia com menos capacidade para gerar crescimento, porque a elevada carga fiscal impede novos investimentos ou porque o corte na despesa pública corrói a qualidade das infra-estruturas e da educação. Mas isso é verdade também para as soluções heterodoxas.

 

A repressão financeira distorce as opções ao canalizar as poupanças para o financiamento do orçamento, afastando-as do investimento. A inflação implica maiores taxas de juro de longo prazo até que os mercados recuperem a confiança no banco central. E a reestruturação enfraquece os bancos, que geralmente têm grandes carteiras de dívida pública, tornando-os menos capazes de financiar a economia. Na verdade, a reestruturação enfraquece a base de todo o sistema financeiro: o papel de activo seguro da dívida soberana. Como os países em desenvolvimento têm aprendido com a experiência, todos estes efeitos são maus para a alocação de capital e para o crescimento.

 

Mas pode fazer-se, mais uma vez, uma excepção: quando tanto o sector público como o sector privado estão sobrecarregados com dívida, o ajustamento provoca uma espiral de dívida-deflação, principalmente quando se trata de um regime de taxa de câmbio fixa. Nessas condições, o ajustamento completo torna-se auto-destrutivo ou, pelo menos, exageradamente doloroso, como ilustra o caso grego. Apesar dos seus custos económicos, a reestruturação da dívida pública ou a erosão de todas as obrigações públicas e privadas por meio da inflação podem ser opções menos prejudiciais.

 

No final, as alternativas ao ajustamento não são suaves. Exceptuando situações extremas, elas geralmente conduzem a resultados inferiores aos do ajustamento orçamental do ponto de vista da equidade, e não são melhores em termos de eficiência. Assim, a ideia de que elas oferecem uma solução fácil para os países avançados saírem da actual situação é uma fantasia.

 

Em vez de se iludirem com falsas soluções, os governos devem enfrentar as escolhas difíceis que têm pela frente. Às vezes é necessário recorrer a remédios alternativos, mas eles não são indolores. Devem ser considerados tratamentos de última instância. 

 

Jean Pisani-Ferry é director do Bruegel, um think tank de economia internacional, professor de Economia na Universidade de Paris-Dauphine e membro do Conselho de Análise Económica do primeiro-ministro francês.

 

© Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria 

 

 

 

 

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