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11 de Dezembro de 2014 às 16:27

Fazer bom investimento na Europa

O novo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, recolocou o investimento na agenda com a sua ideia para um plano trienal de investimento de 300 mil milhões de euros. Os líderes da União Europeia (UE) iniciaram a discussão desta proposta este mês. Toda a gente parece concordar que mais investimento ajudaria a fortalecer a preocupantemente fraca economia europeia. Mas, por detrás do consenso superficial, muitas questões permanecem sem resposta.

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Para começar, esta não é a primeira vez que a Europa leva em linha de conta tal iniciativa. Em 1993, a Comissão, liderada por Jacques Delors, propôs um plano de investimento no seu documento de trabalho sobre crescimento, competitividade e crescimento. O plano foi aprovado em termos gerais, mas nenhuma acção acabaria por ser adoptada. Assim, em 2000, como parte da Estratégia de Lisboa, a UE contemplou aumentar o investimento nacional em investigação e desenvolvimento em 3% do PIB. Não foi possível concretizar esta meta. Mais recentemente, em Junho de 2012, os líderes da UE adoptaram o Pacto para o Crescimento e Emprego que pressupunha mobilizar 120 mil milhões de euros. O cheque ainda permanece no correio.

 

Na verdade é fácil parecer que se age sem tomar nenhuma acção efectiva. Uma forma passa por pedir que o Banco Europeu de Investimento (BEI), o banco da UE para o desenvolvimento, conceda mais crédito. Tais pedidos enfrentam duas limitações: o BEI toma cuidado para não prejudicar o seu rating financeiro ao assumir demasiado risco e os seus empréstimos acabam facilmente por substituir o investimento privado. Portanto, conceder mais crédito pode ser inútil se como resultado final o BEI excluir o financiamento privado dos melhores projectos disponíveis. Uma ponte financiada pelo BEI pode ser mais acessível do que uma financiada pelos mercados de capitais, mas continua a ser a mesma ponte e a manter também o mesmo impacto económico. A dimensão do balanço do BEI não é uma boa medida para a sua eficácia.

 

Em vez disso devem ser utilizados três patamares de investimento. O primeiro patamar é orçamental: os governos que beneficiem de margem orçamental devem investir em projectos economicamente sólidos. O investimento público é um complemento ao investimento privado; se bem desenhado e definido, pode trazer mais investimento privado, em vez de o expulsar.

 

Por exemplo, transporte adequado e infra-estruturas de banda larga favorecem o florescimento de iniciativas empresariais. A certa altura, quando os mercados estão na disposição de conceder crédito a governos solventes a taxas historicamente baixas, deveria haver pouco espaço para hesitações.

 

Obviamente, o financiamento barato não justifica o investimento público em projectos de rentabilidade social duvidosa, ou que se invista naquilo que os profissionais do desenvolvimento chamam de "elefantes brancos": projectos para primeiras páginas mas de valor duvidoso e suportados por interesses especiais. Os investimentos deviam ser executados com base no seu impacto económico global, com procedimentos específicos utilizados de forma a prevenir o desperdício de dinheiros públicos.

O segundo patamar para o investimento é regulatório por natureza. Muitos investimentos em larga escala, que apenas são rentáveis no longo prazo – por exemplo, os investimentos em energia, infra-estruturas digitais e transportes – concentram-se nos sectores regulados pelo Estado, dando poder aos governos para influenciar as decisões empresariais.

 

A previsibilidade a respeito do caminho futuro da regulação poderia desbloquear projectos travados pela incerteza. Uma perspectiva credível sobre o preço do carbono, por exemplo, incitaria novos investimentos do sector privado em tecnologias limpas. De forma equivalente, um acordo europeu sobre um quadro normativo para projectos de conexão entre os países removeria obstáculos ao investimento transfronteiriço.

 

Estas condições ainda estão longe de se verificarem, o que significa que investimentos rentáveis não estão a ser feitos. Mudar isso não custaria um único euro; isso requer apenas vontade política.

 

O terceiro patamar é financeiro. A procura de investimento enfraqueceu, não porque as taxas de juro estejam muito elevadas, mas porque não existe muito apetite para o risco no seio do sistema financeiro. O financiamento no continente europeu é, tradicionalmente, baseado nos bancos, ao contrário dos Estados Unidos, onde reinam os mercados de capitais. Mas, na Europa, é dito aos bancos, pelos reguladores, para reduzirem as suas alavancagens e para elevarem o capital quando decidem conceder empréstimos arriscados, e é dito aos seus credores que não devem esperar ser resgatados no caso de os bancos enfrentarem problemas.

 

Isto é intencional. Os governos e os cidadãos europeus já pagaram – e continuam a pagar – um astronomicamente elevado preço pela concessão de crédito e investimento irresponsável dos anos 2000. Compreensivelmente, eles não querem repetir a experiência.

 

Todavia, a consequência é que os projectos de elevado risco e elevados retornos são mais difíceis de financiar do que deveriam ser. Se a Europa pretender reanimar a sua economia e escapar à estagnação, precisa que os empreendedores assumam riscos mais elevados para inovar. Mas o sistema financeiro europeu está a atravessar uma fase de transição, a passar de um sistema assente nos bancos para um sistema baseado nos mercados e que envolve uma aversão ao risco.

 

É aqui que o lado público – dos governos nacionais e da UE – deveria intervir e partilhar alguns dos riscos com os agentes privados. Deviam agir temporariamente mais como investidores que escrutinam os projectos, que contribuem com financiamento e que obtêm lucros. Recorrer ao BEI e aos bancos de desenvolvimento nacionais para este fim ajudaria a ultrapassar o actual impasse.

 

Chegariam estes três patamares a somar 300 mil milhões de euros? Ninguém o poderá saber neste momento. Mas este seria o caminho mais seguro para atingir o objectivo.

 

Jean Pisani-Ferry é professor na Hertie School of Governance em Berlim e desempenha actualmente a função de Comissário-Geral para o Planeamento de Políticas no governo francês. É ex-director do Bruegel, um think thank de economia sediado em Bruxelas.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014. 
www.project-syndicate.org

Tradução: David Santiago

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