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Opinião
11 de Maio de 2015 às 23:30

Um plano para a recuperação da Grécia

Meses de negociações entre o nosso governo e o Fundo Monetário Internacional (FMI), a União Europeia e o Banco Central Europeu (BCE) resultaram em fracos progressos. Um dos motivos é o facto de todas as partes estarem demasiado focadas nas condições da próxima injecção de liquidez e muito pouco na perspectiva de como a Grécia poderá recuperar e desenvolver-se de forma sustentável. Se queremos ultrapassar o actual impasse, temos de perspectivar uma economia grega saudável.

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Uma recuperação sustentável requer reformas sinérgicas capazes de libertar o potencial considerável do país removendo obstáculos em diversas áreas: investimento produtivo, concessão de crédito, inovação, concorrência, segurança social, administração pública, sistema judicial, mercado de trabalho, produção cultural e, por último, mas não menos importante, a governação democrática.

 

Sete anos de deflação da dívida, reforçada pela expectativa de uma austeridade perpétua dizimaram o investimento público e privado e levaram os bancos, preocupados e fragilizados, a travarem a concessão de crédito. Com o governo sem margem orçamental e os bancos gregos sobrecarregados com o crédito malparado, é fundamental mobilizar os restantes activos do Estado e desimpedir o fluxo do crédito bancário para os segmentos saudáveis do sector privado.

 

Para restabelecer os níveis de investimento e crédito consistentes com uma velocidade de recuperação económica óptima, a Grécia em recuperação precisa de duas novas instituições públicas que trabalhem lado a lado com o sector privado e com as instituições europeias. Um banco de desenvolvimento que aproveite os recursos públicos e um "banco mau" que permita ao sistema bancário libertar-se de activos não rentáveis e restabelecer o fluxo de crédito para as empresas rentáveis e orientadas para as exportações.

 

Imaginemos um banco de desenvolvimento que eleva as garantias que compreendem o capital resultante de privatizações retido pelo Estado, bem como outros activos (por exemplo, bens imóveis) que podem facilmente ser valorizados (e garantidos) através da reforma dos seus direitos de propriedade. Imaginemos que o banco faz a ligação entre o Banco Europeu de Investimento e o plano de investimento de 315 mil milhões de euros do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, ao sector privado da Grécia. Em vez de ser vista com uma venda relâmpago para tapar buracos orçamentais, a privatização seria parte de uma grande parceria público-privada para o desenvolvimento.

 

Imaginemos ainda que o "banco mau" ajuda o sector financeiro, que foi generosamente recapitalizado pelos contribuintes sobrecarregados da Grécia em plena crise, a libertar-se do seu legado de créditos malparados e a desimpedir a sua canalização financeira. Em concertação com o impacto virtuoso do banco de desenvolvimento, os fluxos de crédito e de investimento inundariam a estéril economia grega, ajudando eventualmente o "banco mau" a gerar lucros e a tornar-se "bom".

 

Por último, imaginemos o efeito de tudo isto no ecossistema financeiro, fiscal e de segurança social da Grécia. Com as acções dos bancos a subirem de forma exponencial, as perdas do nosso Estado resultantes da sua recapitalização extinguir-se-iam à medida que o seu capital aí presente valorizasse. Entretanto, os dividendos do banco de desenvolvimento seriam canalizados para os martirizados fundos de pensões, que foram bruscamente descapitalizados em 2012 (devido às perdas resultantes da detenção de obrigações do Governo grego).

 

Neste cenário, a missão de reforçar a segurança social seria completada pela unificação dos fundos de pensões; o acréscimo de contribuições na sequência do crescimento do emprego; e o regresso ao emprego formal dos trabalhadores que foram relegados para a informalidade em resultado da desregulamentação bárbara do mercado de trabalho durante os anos sombrios do passado recente.

 

Podemos facilmente imaginar a forte recuperação da Grécia que resultaria desta estratégia. Num mundo de retornos ultra baixos, a Grécia seria vista como uma oportunidade esplêndida, mantendo um fluxo constante de investimento estrangeiro directo. Mas porque é que este cenário seria diferente do verificado antes de 2008, em que a injecção de capital alimentou o crescimento financiado com dívida? Seria possível evitar mais um esquema Ponzi macroeconómico?

 

Durante a era do crescimento ao estilo Ponzi, os fluxos de capitais foram canalizados pelos bancos comerciais para um frenesim consumista, e pelo Estado para uma orgia de aquisições suspeitas e um desregramento total. Para garantir que esta situação não se volta a repetir, a Grécia terá que reformar a sua economia social e o seu sistema político. Criar novas bolhas não é o conceito de desenvolvimento do nosso governo.

 

Desta vez, pelo contrário, o novo banco de desenvolvimento assumiria a liderança na canalização dos escassos recursos internos para investimento produtivo seleccionado. Isto inclui startups, empresas de  tecnologias de informação que recorrem a talentos locais, pequenas e médias empresas de agricultura orgânica, empresas farmacêuticas exportadoras, esforços para atrair a indústria cinematográfica para a Grécia e programas educativos que aproveitam a produção intelectual grega e os sítios históricos inigualáveis.

 

Entretanto, as autoridades reguladoras gregas estariam atentas às práticas de empréstimos comerciais enquanto a travagem do endividamento impediria o nosso governo de voltar a ceder aos antigos maus hábitos e garantiria que o nosso país não voltaria a cair numa situação de défices primários. Os cartéis, as práticas de facturação anti-concorrenciais, as profissões absurdamente vedadas e uma burocracia que tornou o Estado numa ameaça pública, descobririam rapidamente que o nosso governo é o seu pior inimigo.

 

Os obstáculos ao crescimento do passado constituíam uma aliança profana entre interesses oligárquicos e partidos políticos, aquisições escandalosas, clientelismo, uma comunicação social permanentemente falível, bancos excessivamente complacentes, autoridades fiscais fracas e um sistema judicial sobrecarregado e inseguro. Só a luz resplandecente da transparência democrática poderá eliminar estes entraves; o nosso governo está determinado em ajudar esta luz a brilhar.

 

Yanis Varoufakis é o ministro das Finanças da Grécia  

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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