Opinião
Terá Liu Xiaobo morrido para nada?
Parece claro que, longe de um sinal de força, os maus-tratos que o regime chinês impôs a Liu são uma indicação das suas fraquezas, inseguranças e medos.
A morte relativamente súbita de Liu Xiaobo, dissidente chinês, que estava preso, e Prémio Nobel da Paz, representa uma grande perda. Mas também envia uma mensagem forte: a liderança do Partido Comunista Chinês (PCC) está empenhada na defesa do seu monopólio político, através de quaisquer meios e a qualquer custo.
Liu, de 61 anos, antigo crítico literário e conhecido defensor dos direitos humanos e da resistência não-violenta, passou os últimos oito anos da sua vida preso devido a acusações falsas de "subversão". A sua verdadeira ofensa foi pedir democracia na China. Mesmo antes da sua prisão, estava constantemente sob vigilância e assédio policial. Quando recebeu o Nobel em 2010, as autoridades chinesas não impediram apenas que a sua família fosse a Oslo para receber o prémio; colocaram a sua esposa sob prisão domiciliária.
A afronta final do governo chinês contra Liu ocorreu no mês passado, quando negou o seu pedido para receber tratamento para o cancro de fígado de que padecia e que estava em estado avançado. Foi um acto de crueldade sem sentido – um acto que levou à morte de Liu, sob custódia policial – cerca de um mês depois de ter recebido o diagnóstico. A última vez que um laureado com o prémio Nobel teve tal destino foi em 1938, quando o pacifista alemão Carl von Ossietzky morreu numa prisão nazi.
Pode parecer inexplicável que a China, que tem gasto nos últimos anos uma fortuna no projecto "soft power" no estrangeiro, esteja disposta a colocar-se em tal companhia. Mas, por muito que aspirem a um papel importante no palco mundial, os líderes chineses querem ainda mais reprimir as dissidências. E esperam provavelmente pouca reacção das democracias ocidentais, muitas das quais estão agora numa confusão.
Por agora, esse cálculo parece correcto. Os maus-tratos das autoridades a respeitáveis defensores dos direitos humanos e da democracia suscitou alguns queixumes nas capitais ocidentais, com líderes como a chanceler alemã, Angela Merkel, a lamentar a morte de um "lutador corajoso". Mas nenhum dos principais líderes ocidentais denunciou publicamente a conduta do governo chinês.
Além disso, ao negar o último desejo de Liu, de viver os seus últimos dias em liberdade no estrangeiro, o governo evitou um espectáculo embaraçoso: um funeral público para Liu, em que dezenas de milhares de apoiantes e admiradores marcariam presença. O túmulo de Liu ter-se-ia tornado num monumento político, um símbolo eterno de desafio contra um regime autocrático. Entretanto, os censores chineses trabalharam horas suplementares para garantir que a morte de Liu não se tornava num evento.
O regime chinês podia suportar tal embaraço, como podia ter sobrevivido a um tumulto internacional. O PCC continua a ser um colosso político, com quase 90 milhões de membros, e a sua capacidade para defender o seu poder é vasta. Décadas de subida dos padrões de vida impulsionaram a legitimidade do PCC para um nível que poucos poderiam ter imaginado em 1989, quando Liu começou a ter destaque nos protestos na Praça de Tiananmen.
Mas o regime do PCC está longe de ser invencível. Pelo contrário, sofre de uma fraqueza fundamental – a começar pelo nível mais elevado do governo.
Sob a presidência de Xi Jinping, a "liderança colectiva" que prevaleceu desde a morte de Mao Zedong tem vindo, cada vez mais, a ser substituída pelas regras de um homem forte. A purga política de Xi, conduzida como uma campanha anti-corrupção, tem-se revigorado ultimamente, deixando as bases do partido-estado desmoralizadas pelo desaparecimento das suas vantagens e com receio de serem os próximos alvos. À medida que a unidade da elite política se desgasta, o regime torna-se cada vez mais frágil.
O abrandamento do crescimento dos rendimentos está a enfraquecer o regime ainda mais. A promessa de um crescimento da prosperidade material constitui o fundamento da legitimidade do PCC. Ainda assim, o modelo de crescimento assente no investimento, que permitiu o milagre económico da China durante os últimos 30 anos, cumpriu os seus propósitos.
Nos últimos anos, a reacção adversa à globalização, reflectida no Brexit e na eleição do presidente norte-americano Donald Trump, introduziu um elemento adicional de incerteza quanto ao futuro económico da China. Os líderes chineses podem estar a tentar mudar para um modelo de crescimento voltado para o consumo doméstico, mas a realidade é que a economia continua fortemente dependente das exportações. Se os principais mercados externos da China enveredarem pelo proteccionismo, as perspectivas económicas do país – e por conseguinte a legitimidade do PCC – vão descer rapidamente.
Ironicamente, à medida que as décadas de crescimento económico fortaleceram a posição do PCC, o crescimento da prosperidade também criou condições estruturais favoráveis para uma transição para a democracia. De facto, a China já atingiu o nível de rendimentos per capita no qual quase todas as autocracias, em países que não produzem petróleo, abandonam o poder.
Claro que, quando o crescimento económico vacila, como é agora o caso, o PCC pode voltar-se para a repressão implacável e apelar ao nacionalismo para afastar os desafios de forma a manter-se no poder. Mas a eficácia de tal abordagem é limitada. Os custos económicos e morais de escalar a repressão podem, eventualmente, levar a uma instabilidade interna que nem mesmo o Estado constituído pelo partido mais poderoso do mundo pode esconder.
Face a este cenário, parece claro que, longe de um sinal de força, os maus-tratos que o regime chinês impôs a Liu são uma indicação das suas fraquezas, inseguranças e medos. A determinada altura, provavelmente durante as próximas duas décadas, a combinação da podridão interna com a pressão externa da população, que quer liberdade, vai deitar abaixo o governo de partido único da China – e, espera-se, que o país enverede pelo estilo de sociedade aberta pela qual Liu lutou toda a sua vida.
Minxin Pei Professor Governação na Claremont McKenna College e autor do livro China’s Crony Capitalism.
Copyright: Project Syndicate, 2017.
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Tradução: Ana Laranjeiro