Opinião
Sobreviver a Tiananmen
Poderá ser difícil de imaginar, mas há 25 anos, o Partido Comunista Chinês (CCP) esteve a ponto de ser derrubado por um movimento nacional pró-democracia. Foram os nervos de aço do falecido líder supremo Deng Xiaoping, e os tanques do Exército de Libertação Popular – enviados para aplicar a lei marcial e travar os protestos na Praça de Tiananmen, em Pequim – que permitiram ao regime, à custa de centenas de vidas civis, evitar o desmoronamento.
Quando acabam de se assinalar 25 anos do massacre na Praça de Tiananmen, há duas perguntas que sobressaem: como é que o CCP sobreviveu ao último quarto de século? E o seu regime poderá durar mais 25 anos?
A resposta à primeira pergunta é relativamente clara. Os ajustes políticos, as inteligentes tácticas de manipulação e uma boa dose de sorte permitiram ao CCP conquistar o apoio necessário para se manter no poder e suprimir as forças desestabilizadoras.
Sem dúvida que se cometeram erros sérios. A seguir ao massacre, os líderes conservadores da China tentaram reverter as reformas económicas orientadas para o mercado que Deng tinha iniciado na década de 1980, fazendo a economia chinesa mergulhar na recessão. Além disso, a implosão da União Soviética causou o pânico no CCP.
No entanto, Deng conseguiu salvar o partido. Reunindo toda a sua energia e capital político, o líder, então com 87 anos, revitalizou as reformas económicas pró-mercado, desencadeando uma revolução económica que trouxe uma onda sem precedentes de crescimento e desenvolvimento, o que impulsionou consideravelmente a credibilidade do CCP.
Deng e os seus sucessores reforçaram esta tendência mediante a oferta de consideráveis liberdades pessoais aos cidadãos chineses, o que estimulou o aparecimento de uma cultura de grande consumismo e de entretenimento para as massas. Neste novo mundo de "pão e circo", foi mais fácil para o CCP reconquistar o apoio da opinião pública e eliminar a oposição. As medidas cuidadosamente orquestradas para promover o nacionalismo chinês e explorar a xenofobia também ajudaram.
Mesmo a repressão, pilar de sobrevivência do regime, foi afinada. A nova riqueza adquirida pela China permitiu aos seus líderes criar uma das firewalls de internet tecnicamente mais sofisticadas do mundo e dotar as suas forças de segurança interna das ferramentas mais eficazes.
Ao lidar com a pequena, mas resiliente, comunidade de dissidentes, o regime depende da estratégia de "decapitação". Por outras palavras, o governo elimina a ameaça colocada pelas principais figuras da oposição através da prisão ou do exílio, independentemente da sua proeminência. Liu Xiaobo – laureado em 2010 com o Nobel da Paz – foi sentenciado a 11 anos de prisão, apesar dos protestos a nível mundial.
Ainda que cínica, a abordagem funcionou. Mas o CCP poderia não ter sido tão bem sucedido se não tivesse tido sorte nalgumas áreas muito importantes. Para começar, as reformas pós-1992 coincidiram com um impulso na globalização, o que permitiu à China ter entradas massivas de capital (cerca de um bilião de dólares em Investimento Directo Estrangeiro desde 1992), com
um grande número de novas tecnologias e com um acesso praticamente livre aos mercados de consumo do Ocidente. Assim, a China tornou-se a loja do mundo, tendo as suas exportações mais do que decuplicado até 2007.
Um outro factor que funcionou a favor do regime foi o chamado dividendo demográfico (uma força de trabalho abundante e uma percentagem relativamente baixa de crianças e idosos a cargo nos agregados familiares). Isso permitiu à China ter uma vasta mão-de-obra de baixo custo, ao mesmo tempo que poupava ao governo grandes despesas em pensões e cuidados de saúde.
O problema com que o CCP se depara actualmente é que a maioria dos factores que lhe permitiram sobreviver desde Tiananmen já desapareceram ou estão em vias de desaparecer. De facto, em termos práticos, as reformas orientadas para o mercado estão esgotadas. Uma cleptocracia de funcionários do governo, as suas famílias e empresários bem relacionados colonizou o Estado chinês e estão decididos a bloquear quaisquer reformas que possam ameaçar o seu estatuto privilegiado.
Além disso, o CCP já não pode contar com o aumento da prosperidade para manter o apoio da opinião pública. A corrupção galopante e a crescente desigualdade, de par com uma clara deterioração do meio ambiente, estão a fazer com que os chineses comuns – especialmente a classe média, que já teve grandes expectativas em torno das reformas – estejam a ficar cada vez mais desiludidos.
Ao mesmo tempo, atendendo ao rápido envelhecimento populacional, o dividendo demográfico da China já se dissipou quase por completo. E uma vez que a China é já o maior exportador mundial, com mais de 11% da quota do mercado mundial, não há muita margem para um crescimento das exportações nos próximos anos.
Isso só deixa a repressão e o nacionalismo na caixa de ferramentas pós-Tiananmen do CCP. E, na realidade, ambas continuam a desempenhar um papel primordial na estratégia do presidente Xi Jinping para assegurar a sobrevivência do partido.
No entanto, Xi está também a experimentar duas novas ferramentas: uma campanha anti-corrupção sem precedentes e a tentativa de reanimar as reformas orientadas para o mercado. Até agora, a sua luta contra a corrupção teve maior impacto do que o seu plano de reforma económica.
À superfície, a estratégia de Xi parece sólida. No entanto, a luta contra os funcionários corruptos e os esforços para realizar reformas profundas destinadas a desmantelar a cleptocracia chinesa acabarão, inevitavelmente, por gerar confrontos entre Xi e as elites económicas e políticas da China. A pergunta que se coloca é: como pode ele vencer a resistência das elites sem procurar o apoio do povo chinês, cuja mobilização política pode colocar em perigo o sistema de partido único.
O CCP desafiou os catastrofistas após 1989: sobreviveu e evitou mais ameaças ao seu poder. Mas as probabilidades de poder manter-se mais um quarto de século estão a diminuir – e é difícil que melhorem.
Minxin Pei é professor de Governação na Faculdade Claremont McKenna e membro não-residente do Fundo Marshall Alemão dos Estados Unidos.
Direitos de autor: Project Syndicate, 2014.
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Tradução: Carla Pedro