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24 de Fevereiro de 2016 às 20:30

O reino do medo da China

A China está novamente presa pelo medo de uma forma que já não acontecia desde a era de Mao Zedong.

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Desde o santuário interior do Partido Comunista Chinês (PCC) até às salas dos professores universitários e suítes dos executivos, o espectro de acusações duras e punições ainda mais duras persegue as elites políticas, intelectuais e empresariais da China.

As provas de um medo disseminado são fáceis de discernir. Desde que o presidente Xi Jinping começou, em Dezembro de 2012, com as suas políticas anti-corrupção sem piedade, as detenções de funcionários do Governo tornaram-se um ritual diário, dando calafrios na espinha aos seus colegas e amigos.

 

A antiguidade dá pouca protecção, como já perceberam 146 "tigres" (funcionários que têm posições como ministro ou governadores). Já foi mesmo incluída uma nova expressão no léxico chinês para descrever esta súbita queda em desgraça: miaosha ou "morte imediata".

 

Mas o medo está a ter um efeito ainda maior nos oficiais de nível mais baixo, algo que é exemplificado pela proliferação de relatórios de suicídio. Os órgãos de comunicação social confirmaram 28 casos de suicídio no ano passado, embora o número real deva, muito provavelmente, ser bastante mais elevado. Preocupados com esta tendência, a liderança do PCC incumbiu organizações locais do partido de recolherem dados sobre os suicídios de funcionários do Governo desde que começaram as medidas anti-corrupção.

 

Não são apenas os criminosos que vivem constantemente com medo. Mesmo com aprovação rotineira dos projectos e dos pedidos é possível gerar suspeitas, pelo que, a burocracia chinesa está agora paralisada pelo medo.

 

Além dos burocratas, os académicos, os advogados dos direitos humanos, os bloggers e líderes de empresas estão também a sofrer. Nas universidades, o Governo recrutou informadores para denunciarem professores que defendem valores liberais nas suas aulas; vários académicos assumidamente liberais perderam os seus postos de trabalho. Centenas de advogados dos direitos humanos têm sido perseguidos e presos.

 

Muitos líderes de empresas têm desaparecido temporariamente, presumivelmente detidos pelos investigadores anti-corrupção. Entre os casos de alto nível esteve o do magnata Guo Guangchang, a 17ª pessoa mais rica da China, que tem um património líquido de mais de sete mil milhões de dólares. Guo Guangchang foi detido no passado mês de Dezembro para "ajudar numa investigação judicial" e depois simplesmente apareceu, alguns dias depois, no encontro anual da sua empresa, sem dar nenhuma explicação.

 

Mas talvez o impacto mais alarmante do regresso da governação baseada no medo é que está também a afectar os estrangeiros. Não são apenas os jornalistas ocidentais que vivem com medo. O mesmo acontece com representantes de organizações não governamentais (ONG) e gestores. A situação repete-se com executivos, editores e redactores em Hong Kong que, segundo o acordo "um país, dois sistemas", deviam ficar de fora da jurisdição chinesa.

 

Em 2013, o empregado britânico da gigante farmacêutica Glaxosmithkline (GSK) foi condenado a dois anos e meio de prisão devido a acusações dúbias relacionadas com a sua empresa de investigação ChinaWhys. No ano seguinte, a sua mulher e o seu parceiro de negócios, um cidadão americano nascido na China, receberam uma condenação de dois anos pelas mesmas acusações.

No passado mês de Dezembro, um jornalista francês foi expulso da China por ter escrito um artigo sobre o tratamento das autoridades chinesas à minoria Uighur. No mês seguinte, um funcionário de uma ONG sueca foi também expulso depois de ter sido detido e acusado de "pôr em perigo a segurança do Estado".

 

As grandes empresas ocidentais, outrora cortejadas pelo Governo chinês, temem agora operações da polícia e investigações anti-concorrenciais. A GSK foi multada em 500 milhões de dólares em 2014 por corrupção – esta foi uma das coimas mais elevadas aplicadas na China a grandes empresas. A Qualcomm, uma empresa americana de produção de chips, teve de desembolsar quase mil milhões de dólares devido a práticas empresariais "monopolistas" no ano passado.

 

Mais perturbador é o facto de cinco editores de livros em Hong Kong, funcionários da editora Mighty Current, especializada em histórias sensacionalistas sobre os líderes chineses de topo, terem desaparecido nos últimos meses. Dois foram, aparentemente, raptados e levados para a China contra a sua vontade. Um desses funcionários, com cidadania sueca, foi obrigado a aparecer na televisão chinesa para dizer de forma pouco verosímil que tinha regressado à China vindo da Tailândia por sua própria vontade e pediu para que ninguém o tentasse ajudar.

 

Claramente, a governação com base no medo não ficou para trás com o fim da Revolução Cultural em 1976, como muitos pensavam. Isto não devia ser surpreendente. À medida que a economia chinesa crescia e se modernizava, o seu sistema político manteve-se preso a características totalitaristas: um Estado isento do Estado de direito, um aparato de segurança interna com agentes e informadores virtualmente em todos os lugares, censura generalizada e uma frágil protecção dos direitos individuais. Nunca as tendo repudiado, as relíquias institucionais do maoismo continuam disponíveis para serem usadas e intensificadas quando os líderes quiserem, como acontece actualmente.

 

Isto deveria estar a fazer soar as campainhas de alarme no Ocidente. De facto, em vez de simplesmente registarem o regresso da governação baseada no medo à China, como um factor que molda o compromisso com o país, os líderes Ocidentais deviam estar a desenvolver estratégias que convençam a China a repensar a sua abordagem. Com a influencia da China a crescer diariamente ao nível internacional, o renascimento das tácticas de medo totalitárias têm implicações de longo alcance – e que são profundamente inquietantes – para a Ásia e para o mundo.

 

Minxin Pei é Professor Governação na Claremont McKenna College e assistente sénior não-residente na German Marshall Fund dos Estados Unidos da América.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro

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