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22 de Junho de 2014 às 23:59

Shinzo Abe da Índia

Tal como Abe, espera-se que Modi se concentre na melhoria da situação económica da Índia, reforçando simultaneamente as suas defesas e fortalecendo as parcerias estratégicas com os países de pensamento semelhante, promovendo assim a estabilidade regional e impedindo o surgimento de uma Ásia centrada na China

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Depois de um período prolongado de deriva política e paralisia, o novo governo da Índia vai ser liderado por um homem conhecido pela sua determinação. Assim como o retorno ao poder do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, no final de 2012, após seis anos de instabilidade política, reflecte a determinação do Japão em reinventar-se como um país mais competitivo e confiante, a vitória eleitoral de Narendra Modi reflecte o desejo dos indianos de que um líder dinâmico e enérgico contribua para revitalizar a economia e a segurança do seu país.  

 

Tal como Abe, espera-se que Modi se concentre na melhoria da situação económica da Índia, reforçando simultaneamente as suas defesas e fortalecendo as parcerias estratégicas com os países de pensamento semelhante, promovendo assim a estabilidade regional e impedindo o surgimento de uma Ásia centrada na China. O carismático Modi – favorito dos líderes empresariais do seu país e do estrangeiro - prometeu restaurar o crescimento económico, dizendo que não deve existir "burocracia, mas sim passadeiras vermelhas" para os investidores.

 

A posição de Modi, de 63 anos, espelha o suave nacionalismo, a visão de uma economia orientada para o mercado e o novo asianismo de Abe, procurando estabelecer laços estreitos com as democracias asiáticas no sentido de criar uma rede de associações estratégicas.

 

Num país onde o fosso entre a idade média dos dirigentes políticos e a dos cidadãos é um dos maiores do mundo, Modi será o primeiro líder de Governo nascido depois de a Índia ter conquistado a independência em 1947. Trata-se de um outro paralelismo com Abe, que é o primeiro chefe do Executivo do Japão nascido depois da Segunda Guerra Mundial.

 

Há, no entanto, uma diferença importante entre os dois líderes, tendo em conta a sua educação: enquanto Modi subiu de origens humildes para a liderança da maior democracia do mundo, Abe - neto e sobrinho-neto de dois antigos primeiros-ministros japoneses e filho de um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros - dispõe de uma linhagem política distinta. Na verdade, Modi chegou à vitória esmagando as aspirações dinásticas de Rahul Gandhi, cuja incapacidade de articular opiniões claras ou demonstrar capacidade de liderança ia contra os desejos do eleitorado indiano por uma era de governo decisivo.

 

Tal como Abe, Modi enfrenta grandes desafios de política externa. A Índia é o lar de mais de um sexto da população mundial, embora o seu peso, no cenário internacional, seja muito inferior. Um artigo, publicado em 2013 na revista "Foreign Affairs", intitulado "A fraca Política Externa da Índia", centrava-se na forma como o país estava a resistir à sua própria ascensão, como se o miasma político em Nova Deli tivesse transformado o próprio país no seu pior inimigo.

 

Muitos indianos querem que Modi dê um novo rumo às relações externas num momento em que o fosso entre a Índia e a China, em termos de relevância internacional, tem crescido significativamente. A influência da Índia no seu próprio quintal – que inclui o Nepal, Sri Lanka e as Maldivas - encolheu. Na verdade, o Butão é o único ponto estratégico de influência da Índia no sul da Ásia.

 

A Índia enfrenta também o fortalecimento da relação entre os seus dois adversários regionais com armas nucleares – a China e o Paquistão – que reivindicam partes do território da Índia e que continuam a colaborar entre si em matéria de armas de destruição em massa. Ao lidar com esses países, Modi vai enfrentar o mesmo dilema que tem assombrado os anteriores governos indianos: os ministros dos Negócios Estrangeiros da China e do Paquistão são actores fracos. O Partido Comunista e o exército são quem elabora a política externa da China, enquanto o Paquistão depende dos serviços secretos e dos serviços militares, que ainda usam grupos terroristas como representantes. Não é provável que o governo de Modi deixe ficar impune outro ataque terrorista como o que o Paquistão orquestrou em Bombaim sem recorrer, pelo menos, a represálias não militares.    

 

Restaurar as relações com os Estados Unidos – prejudicadas, recentemente, por tensões diplomáticas e disputas comerciais - é outro desafio premente. Mas o compromisso de Modi com as políticas económicas pró-mercado e com a defesa da modernização deverá proporcionar novas oportunidades para as empresas norte-americanas e elevar as relações bilaterais a um novo nível de entendimento.

 

Os interesses estratégicos dos Estados Unidos deverão ganhar dimensão com a provável nova cooperação em matéria de defesa e de comércio que impulsionará as vendas de armas dos Estados Unidos e criará caminhos para a coordenação militar conjunta. Os Estados Unidos já realizaram mais exercícios militares com a Índia do que com qualquer outro país.

 

Modi é o tipo de líder que pode ajudar a colocar os laços entre a Índia e os Estados Unidos novamente nos eixos e aumentar a cooperação entre os dois países. No entanto, há o risco de que as relações com os Estados Unidos sejam, pelo menos no início, mais formais do que propriamente calorosas, devido a um desaire norte-americano que é difícil para Modi esquecer. Em 2005, o governo dos Estados Unidos revogou o seu visto por alegações não comprovadas de que Modi foi conivente com os motins entre hindus e muçulmanos, ocorridos em 2002, altura em que era ministro de Gujarat. Mesmo depois de o Supremo Tribunal da Índia não ter encontrado nenhuma prova da ligação de Modi com os motins violentos, os Estados Unidos continuaram a bani-lo, e só voltaram a estender-lhe a mão na véspera das eleições recentes.

 

Uma vez que os Estados Unidos não mostraram qualquer arrependimento pela revogação do seu visto, é improvável que Modi esteja ansioso por criar laços de amizade com os Estados Unidos e vá, em visita, à Casa Branca. Em vez disso, deverá esperar que as autoridades norte-americanas o convidem.

 

Por outro lado, é provável que Modi se lembre de estados, como o Japão e Israel, que o cortejaram mesmo quando os Estados Unidos o tinham sob a sua mira. As visitas de Modi ao Japão, em 2007 e 2012, abriram portas aos investimentos japoneses em Gujarat, com um ambiente ideal para os negócios.

 

Além disso, Modi criou uma relação especial com o Japão e construiu um relacionamento pessoal com Abe. Quando Abe voltou ao poder, Modi felicitou-o com uma chamada telefónica.

 

É provável que a vitória de Modi converta os vínculos entre a Índia e o Japão – a relação bilateral que está a crescer de forma rápida na Ásia - no principal motor da estratégia "Look East" da Índia que, com a bênção dos Estados Unidos, procura fortalecer a cooperação económica e estratégica com os aliados dos Estados Unidos no Este e Sudeste Asiático. Abe, que tem procurado criar opções de cooperação em matéria de segurança com o Japão para além do quadro actual centrado nos Estados Unidos, defende que os laços do seu país com a Índia representam "o relacionamento bilateral com mais potencial de todo o mundo".

 

Um entendimento profundo entre o Japão e a Índia, apoiado em Abe e Modi, pode remodelar a paisagem estratégica da Ásia. Não é de estranhar que Abe tenha torcido pela vitória de Modi.

 

Brahma Chellaney é professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa Política de Nova Deli.

 

Copyright: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: Rita Faria

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