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27 de Maio de 2014 às 13:14

Quatro modernizações das cidades chinesas

Entre os desenvolvimentos mais significativos que estão a impulsionar o crescimento económico e a subida dos padrões de vida na China está a mudança de uma sociedade agrícola rural para uma sociedade urbana e moderna.

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Com quase 700 milhões de chineses - mais da metade da população - já a viver nas cidades, a importância da urbanização para o futuro da China é indiscutível. Mas a forma como essa tendência se irá desenvolver ainda está longe de estar definida.

 

No Terceiro Plenário do 18º Comité Central do Partido Comunista, de Novembro passado, os líderes chineses estabeleceram um caminho. O comunicado da reunião e o roteiro subsequente para a reforma deram uma ideia de como estes líderes antecipam o desenvolvimento urbano do país, incluindo o papel que as políticas públicas vão ter nesse processo.

 

Até agora, a China olhou para a urbanização como uma espécie de "Campo dos Sonhos" (referência ao filme norte-americano "Field of Dreams"): "constrói, e eles virão" ("build it, and they will come", no original). De facto, ao longo dos últimos 30 anos, o investimento público maciço e a liberalização económica estimularam o rápido crescimento urbano nas províncias costeiras. E, agora, os líderes da China estão, cada vez mais, a assumir essa estratégia para o interior, fazendo investimentos consideráveis em capital físico e humano.

 

Mas a eficácia desses investimentos dependerá da sequência e ritmo da sua execução, e da forma com forem adaptados aos recursos, necessidades e aspirações de cada localidade. Devem ser abordadas quatro questões que estão interligadas.

 

Para começar, o investimento da China em infraestruturas levou a enormes ganhos em indústrias relacionadas com a construção e emprego, ao mesmo tempo que aumentou consideravelmente o produto interno bruto (PIB) local. Tendo em conta que as perspectivas de carreira dos funcionários locais dependem da manutenção de altas taxas de crescimento, é provável que o foco no desenvolvimento de infraestruturas continue, apesar das preocupações de sustentabilidade decorrentes do consumo massivo de água, energia e terra que esses investimentos implicam.

 

Mas a China não se pode dar ao luxo de ignorar o aumento da sua crise ambiental. Especialmente no enorme interior da China, a rápida urbanização requer uma produção elevada de siderúrgicas, refinarias, fábricas de produtos químicos e centrais de energia eléctrica movidas a carvão, o que leva a níveis perigosamente elevados de poluição do ar, que se tornaram sinónimo de desenvolvimento ao estilo chinês.

 

A cada vez pior qualidade do ar tem forçado o governo da China a olhar para uma economia de baixas emissões de carbono. Para este fim, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China emitiu o seu primeiro projecto de adaptação às mudanças climáticas.

 

Além disso, desde Janeiro, as autoridades exigiram a 15 mil fábricas, incluindo empresas estatais, que divulgassem dados oficiais sobre emissões atmosféricas e descargas de água. E o governo comprometeu-se a gastar 280 mil milhões de dólares (205,3 mil milhões de euros) em medidas para reduzir a poluição do ar ao longo dos próximos cinco anos. Para impulsionar estas políticas, as métricas de sustentabilidade devem ser tidas em conta nas avaliações de desempenho dos líderes locais. Isto é mais fácil de dizer do que fazer num país onde, por mais de 30 anos, os padrões de vida têm sido analisados estritamente em termos económicos.

 

O segundo grande problema que a China enfrenta no âmbito do processo de urbanização é o conflito entre proprietários rurais e governos locais - uma dinâmica altamente inflamável. As demolições forçadas já provocaram milhares de protestos isolados. Se o processo continuar, a indignação pública vai intensificar-se, gerando instabilidade social e minando as aspirações económicas.

 

Felizmente, estão a ser feitos alguns progressos também nesta área. O secretário da província de Sichuan, Li Chuncheng - conhecido como "Li Chaicheng", ou "Li destrói a cidade" - foi recentemente preso por acusações de corrupção pela expropriação de bronze dos agricultores. E assim, o prefeito de Datong, na província de Shanxi, Geng Yanbo - apelidado de "Geng Chaichai", ou "Geng destrói e destrói" - ainda tem de ser responsabilizado pelo mesmo comportamento.

 

Um desenvolvimento mais promissor é que, de acordo com o roteiro do Terceiro Plenário, os agricultores devem receber uma parte equitativa dos lucros decorrentes da apreciação do valor da terra, e terão o direito de transferir a sua terra ou usá-la como garantia. As políticas futuras poderiam permitir vendas directas, e não através dos governos locais, que assegurassem uma compensação justa para os cidadãos rurais, mas também menos receitas para os governos locais gastarem em construção.

 

A terceira questão que deve ser abordada é a migração. Durante três décadas, a China conduziu a migração interna massiva para as áreas costeiras de Guangdong, Zhejiang, Jiangsu e Xangai, onde as fábricas voltadas para a exportação aguardavam mão-de-obra barata, que lhes permitiu alimentar o crescimento do PIB da China - e uma redução muito elogiada da pobreza global. Ao mesmo tempo, porém, os migrantes espremeram a capacidade dos governos locais para fornecer alojamento adequado, cuidados de saúde e educação.

 

O papel fundamental da migração no desenvolvimento económico da China está reflectido no roteiro do Terceiro Plenário, que é mais explícito na abordagem do 'hukou' - o sistema de registo de residência que restringe ao local de origem do cidadão o acesso aos serviços sociais. De acordo com o novo plano, os migrantes rurais que se estabelecem em cidades menores terão acesso a serviços como saúde e educação, e o governo vai diminuir, gradualmente, as restrições 'hukou' em cidades de médio porte. Estes esforços, espera-se, irão aliviar o fardo que recai sobre grandes cidades como Pequim e Xangai, que já estão sobrecarregadas com os migrantes.

 

A grande questão final que afecta o processo de urbanização - sublinhada no comunicado do Terceiro Plenário - é a forma de financiar as infraestruturas e os serviços humanos. Tal como está, os governos locais pagam grande parte da factura. Mas, dado que só alguns governos locais têm autoridade para cobrar os seus próprios impostos, os outros têm recorrido, em grande medida, ao desenvolvimento imobiliário para gerar receitas.

 

O problema é que os sistemas de crédito elaborados que eles criaram para financiar infraestruturas ou desenvolvimento de propriedades - os chamados "veículos de financiamento dos governos locais" – minam os créditos mais sustentáveis, além de enfraquecer os balanços dos bancos estatais. O governo chinês estima que um terço dos 3 biliões de dólares (2,2 biliões de euros) de dívida dos governos locais não será reembolsado, forçando o governo central a cobrir os custos.

 

A fim de tornar mais transparentes e responsáveis os empréstimos dos governos locais, o Terceiro Plenário pede racionalização na distribuição das receitas entre os governos central e local, aumentando os pagamentos de transferência para as cidades, e permitindo que as autoridades locais emitam títulos municipais de forma independente. Aqui, o desafio está em implementação.

 

É altamente provável que esta nova fase de urbanização traga resultados diversos em toda a China. A forma como os líderes da China vão abordar as questões do investimento em infraestruturas, o direito à terra, a migração e o financiamento vai ajudar a determinar a sustentabilidade da transformação fundamental que se avizinha.

 

William Antholis é director do Brookings Institution e autor de "Inside Out, India and China".

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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