Opinião
Os verdadeiros limites de Macron
Enquanto [Macron] não puser as mãos a fundo na política europeia, como parece disposto a fazer, em prol das reformas domésticas francesas, esses diálogos permanecerão efémeros.
Quando Emmanuel Macron foi entrevistado recentemente por dois jornalistas muito agressivos, o resultado não foi exactamente a "situação de discurso ideal" apreciada por Jürgen Habermas, o imponente filósofo alemão e grande apoiante do presidente francês. Mas, apesar de ter sido repetidamente interrompido, Macron saiu-se muito bem. Sempre concreto e disposto, se necessário, a mergulhar nas minúcias de uma questão, Macron estava claramente a dominar s situação. Não precisa de anotações, como também demonstrou, de forma admirável, no seu discurso condenando o nacionalismo e o populismo no Parlamento Europeu alguns dias depois.
O seu encontro com a chanceler alemã, Angela Merkel, em Berlim, na mesma semana, porém, foi muito diferente tanto no tom como na substância. Mais importante ainda, demonstrou os limites do método Macron: uma oratória aparentemente convincente não se traduz necessariamente em políticas viáveis.
A política, na sua essência, reflecte a interacção de interesses ao nível nacional. E é precisamente aí que as ideias de Macron sobre a reformulação da arquitectura institucional da Europa chegam a um impasse. As suas propostas são demasiado numerosas e vagas para julgar, e não têm em conta o estado do debate ao nível nacional, onde o cepticismo está a crescer. Ser positivo em relação à Europa tem o seu preço.
Para os europeus do norte, duas perspectivas suscitam especial preocupação: a partilha de riscos (por exemplo, na subscrição de depósitos bancários de retalho) e um orçamento da Zona Euro.
Naturalmente, um sistema bancário fragmentado complica uma política monetária comum. Alguns economistas académicos apelaram a uma supervisão centralizada das instituições financeiras muito antes do surgimento da crise do euro. Pelo menos em certos aspectos, essa "europeização" da supervisão foi estabelecida, com o Banco Central Europeu a actuar como o supervisor da Zona Euro e o Conselho Único de Resolução a lidar com bancos vulneráveis.
Mas a garantia depósitos continua a ser uma tarefa para os Estados-membros individuais da Zona Euro. Assim, a qualidade dessas garantias varia, com alguns membros vulneráveis a corridas bancárias. Mas na visão (bastante razoável) do norte da Europa, o seguro após um acidente ter acontecido (pensemos no crédito malparado) é uma forma de redistribuição que transfere o ónus para espectadores inocentes (neste caso, os contribuintes do norte). Como as autoridades alemãs e holandesas, em particular, argumentaram, a saúde financeira dos bancos deve ser abordada antes da conclusão da união bancária europeia.
A europeização da garantia de depósitos também significaria que os membros da Zona Euro perderiam qualquer autoridade sobre a política bancária. Uma instituição da Zona Euro, democraticamente responsável, teria que se ocupar disso.
Mas é em relação ao orçamento da Zona Euro que as ideias de Macron são menos específicas. E é aqui que a resistência política é mais forte – mais uma vez, por razões que não são difíceis de entender.
Um orçamento comum da Zona Euro foi apresentado como um mecanismo de estabilização e uma ferramenta de investimento. Mas, em circunstâncias normais, os orçamentos nacionais do sector público já realizam automaticamente o papel estabilizador - por meio do subsídio de desemprego, da tributação progressiva e afins - e isso é um papel derivado, não o objectivo principal. O que é necessário é uma válvula de segurança para os países da Zona Euro que enfrentam desafios temporários - e particularmente difíceis. E um orçamento de investimento tem pouco a ver com o propósito de um mecanismo de estabilização: amortecer os choques económicos.
Portanto, a substância das sugestões de política económica de Macron é, francamente, confusa. E mesmo que Merkel as adoptasse, seria um alvo fácil para o ataque político (e não apenas da oposição Alternative für Deutschland, mas também de dentro da CDU e do seu partido irmão, a CSU, já para não falar dos sociais-democratas).
Não há como evitar a dimensão política nacional na UE, dado que todos os líderes precisam de ser eleitos e que muitos querem ser reeleitos. A ideia de Merkel de estabelecer um super comitê da Zona Euro que substitua parcialmente o Eurogrupo dos ministros das Finanças da Zona Euro - que o primeiro-ministro holandês Mark Rutte já propôs, sem sucesso - complicaria ainda mais as coisas.
Sim, um comité desse tipo traria a Merkel o benefício político adicional de restringir a influência do social-democrata Olaf Scholz, o seu vice-chanceler e ministro das Finanças. Mas, em termos de substância, não havia necessidade da sua proposta. Scholz avalizou imediatamente o schwarze Null (orçamento equilibrado) do seu antecessor, Wolfgang Schäuble. Dado o sentimento profundamente enraizado do público alemão a favor da probidade orçamental, qualquer outra coisa teria sido politicamente auto-destrutiva. Até com Macron a persegui-lo, o schwarze Null voltou com toda a força. Mas isso não o torna um conceito económico menos frágil.
Este é o problema fundamental do método Macron: os seus pronunciamentos políticos - vagos ao ponto de não serem implementáveis – carecem, de alguma forma, da coragem das suas convicções europeias. As propostas do Tesouro francês (de 2014!), por exemplo, apresentaram opções de política muito mais detalhadas para alcançar os objectivos que Macron parece perseguir, assim como as propostas desenvolvidas pelo ministro das Finanças italiano, Pier Carlo Padoan, em 2015.
O método de Macron também é marcado por uma forte dependência de uma abordagem intergovernamental, o que provavelmente reflecte a sua compreensão do humor actual dos eleitores franceses. Pelo menos a esse respeito, a conversa entre Macron e os seus dois impertinentes interlocutores na semana passada foi altamente esclarecedora. Os auto-declarados representantes da profunda frustração da sociedade francesa não tocaram nas questões europeias.
Fizeram-no por um motivo. Muitos franceses não têm a "Europa" (ou seja, a Comissão Europeia em Bruxelas) em grande consideração, e como o referendo de 2005 sobre uma constituição europeia mostrou, isso já era assim há algum tempo. Assim, qualquer voto baseado nas ideias esboçadas nos vários discursos de Macron provavelmente não terá um resultado favorável. Nesse contexto, a insistência de Merkel na necessidade de emendar o Tratado da União Europeia - que exigiria referendos nos Estados-membros - para estabelecer o proposto Fundo Monetário Europeu de Macron é uma forma quase oculta de dizer "Nein".
O compromisso de Macron com o diálogo desinteressado, à la Habermas, é admirável. Mas enquanto não puser as mãos a fundo na política europeia, como parece disposto a fazer, em prol das reformas domésticas francesas, esses diálogos permanecerão efémeros.
Hans-Helmut Kotz, director de programa do SAFE Policy Center da Goethe University em Frankfurt, é professor convidado de Economia e membro residente do Centro de Estudos Europeus da Universidade de Harvard.
Copyright: Project Syndicate, 2018.
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Tradução: Rita Faria