Opinião
O que fazer com o “Doing Business”?
Sob pressão da China e de outros Estados, o Banco Mundial está a avaliar a possibilidade de suspender a publicação do seu relatório “Doing Business”. Foi pedido a Trevor Manuel, que foi ministro do governo da África do Sul durante muito tempo, que liderasse uma comissão para analisar esse assunto.
O “Doing Business” – que foi idealizado, entre outros, pelo meu colega de Harvard, Andrei Shleifer e Simeon Djankov, membro do Banco Mundial que, mais tarde, se tornou ministro das Finanças da Bulgária – mede indicadores como o tempo e os custos necessários para se registar uma empresa, pagamento de impostos, comércio entre fronteiras, obtenção de empréstimos e licenças de construção, e formas de fazer cumprir um contrato. Os dados são fornecidos por escritórios de advocacia, que completam um questionário sobre os requisites legais e administrativos para a execução dessas tarefas.
O projecto surgiu de uma questão que partiu da pesquisa para o centro do debate sobre o papel apropriado e as motivações reais do Estado na regulação dos mercados: A regulação existe por causa de um objectivo social louvável, ou principalmente, para extrair lucros? Há muito que esta questão divide economistas ao longo de um eixo esquerda-direita, pelo menos desde que os economistas George Stigler e Milton Friedman, da Universidade de Chicago, argumentaram que muitos, se não a maioria, dos regulamentos foram motivados pelo desejo de obter lucros por parte dos burocratas e das empresas com posições dominantes.
O “Doing Business” calcula dezenas de indicadores separados, que são então traduzidos num valor médio. Como acontece com todos os indicadores numéricos que tentam expressar uma realidade complexa, há sempre margem para melhorá-los.
A mim, pessoalmente, os indicadores subjacentes parecem-me mais informativos do que a média. A média dos números pressupõe que todos os componentes são substitutos: se não se pode melhorar um, pode compensar-se melhorando outro. Mas eu concebo-os como complementos: se não se pode construir uma fábrica, não se obterão benefícios de uma regulamentação comercial mais favorável. Um único problema pode ser fatal, mesmo se outros indicadores são fortes.
Além disso, o “Doing Business” mede o nível de conformidade com os regulamentos, e não a sua eficácia. Os indicadores não penalizam um país que, de forma rápida e barata, autoriza projectos de construção de má qualidade, importações perigosas ou práticas trabalhistas abusivas.
No entanto, os encargos em alguns países são tão evidentes que dificilmente poderiam ser explicados como consequência de outra coisa que não a inépcia ou predação. Ao tornar visíveis algumas ineficiências do governo, o relatório galvanizou a pressão para agilizar os procedimentos, e muitos países adoptaram políticas para reduzir o fardo que os seus regulamentos impõem aos cidadãos.
Os índices nomeiam e envergonham os países que obtém resultados pouco favoráveis, e por isso não é de estranhar que esses países – como a China, que ocupa a 91ª posição – coloquem objecções ao “Doing Business”. Isso deveria ser razão suficiente para continuar com o relatório; o facto de a China ter a maior taxa de investimento do mundo sugere que, apesar dos indicadores do “Doing Business”, é possível fazer negócios lá.
A ideia de criar e publicar um índice com classificações de países é uma estratégia adoptada por muitas organizações e movimentos sociais para aumentar a conscientização sobre questões como a corrupção, a governação, a liberdade, a igualdade de género, a competitividade, o know-how produtivo, e o clima de investimento, entre outros. O principal problema com esses índices não é tanto a forma como são calculados, mas a forma como eles são usados.
Em geral, esses índices funcionam como um catalisador para o debate sobre um assunto. Por outro lado, funcionam muito mal quando são vistos como um quadro político. É comum - mas quase nunca acertado - pensar que o objetivo da política deve ser melhorar a classificação dos países.
Por exemplo, num artigo recente, Shleifer e os seus co-autores mediram a eficácia do governo enviando cartas para endereços de empresas inexistentes em 159 países, e medindo o tempo que as cartas demoraram a ser devolvidas - ou sequer se foram devolvidas. Descobriram que esse indicador estava em correlação com muitos outros indicadores de governação.
Normalmente, os países que administram mal os correios de correios também administram mal outras organizações. Mas isso não quer dizer que, se um país quer melhorar a eficácia do governo, se deva concentrar na devolução rápida de cartas mal endereçadas.
Este ponto aplica-se ao relatório “Doing Business”. Por exemplo, para medir a dificuldade de obtenção de alvarás, os indicadores de negócios examinan a carga que representa a obtenção de uma licença para a construção de um armazém. Mas as empresas têm de lidar com licenças em muitas áreas - tais como dispositivos médicos e medicamentos, estações de rádio, minas, bares, bancos, companhias de seguros, companhias aéreas e táxis - que não estão incluídos nos indicadores do relatório, mesmo que possam representar grandes obstáculos para fazer negócios. Os países que consideram elevar a sua classificação como um objetivo político não têm qualquer incentivo para melhorar os processos de licenciamento em qualquer uma dessas outras áreas.
Além disso, no Atlas da Complexidade Económica, os meus co-autores e eu mostramos que estes indicadores são fracamente relacionados, na sua totalidade, para o crescimento económico. A sua melhoria não prevê mais dinamismo económico.
Muitos países - incluindo a Colômbia, Libéria, México e Arábia Saudita - em algum momento fizeram da melhoria da sua posição no ranking do “Doing Business”, ou do relatório sobre competitividade global, do Fórum Económico Mundial, uma meta política. Isso desviou-os do objectivo de se concentrarem no que é importante, e não naquilo que foi incluído no índice.
Os países deveriam focar-se no objetivo final: gerar um rápido aumento no número de empregos produtivos. O desafio consiste em encontrar maneiras de chegar lá, e a melhor forma é através de interações ricas e profundas entre governo e sociedade. As referências internacionais podem ser úteis para ter uma ideia do desempenho possível numa determinada área. Mas a chave é melhorar nas áreas que importam, independentemente de estarem ou não cobertas pelos indicadores globais existentes.
Ricardo Hausmann, ex-ministro do Planeamento da Venezuela, e antigo economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento, é professor de Economia na Universidade de Harvard, onde também é director do Centro para o Desenvolvimento Internacional.
© Project Syndicate, 2013.
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Tradução: Rita Faria