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27 de Maio de 2013 às 18:37

Quem tem medo da grande dívida tóxica?

Já há algum tempo que um debate entre economistas académicos não atraía tanto interesse da imprensa convencional quanto a disputa entre Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, por um lado, e Paul Krugman, do outro. De facto, tornou-se mesmo tema para programas televisivos.

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Em questão está um influente ‘paper’ de 2010 de Rogoff e Reinhart que pretende demonstrar que elevados níveis de dívida pública estão associados a um menor crescimento económico de longo prazo. Um novo estudo de Thomas Herndon, estudante da Universidade de Massachusetts, e dois dos seus professores, Michael Ash e Robert Pollin, questionou esta descoberta, e Krugman tornou-o famoso.

 

Herndon, Ash e Pollin argumentam que os resultados obtidos por Reinhart e Rogoff são baseados em erros de cálculo e métodos estatísticos questionáveis. Mas, apesar de todas as objecções, o seu ‘paper’ enfraqueceu mas não refutou o principal resultado do estudo de Reinhart e Rogoff. Então, porquê tanto espalhafato?

 

O debate é considerado importante porque tem supostas implicações para a escolha entre cortar o défice e aplicar estímulos para a economia, actualmente. Mas não é apenas isto. Pelo contrário, o estudo precisa de ser entendido no contexto do debate entre keynesianos e (como Krugman os chama) “defensores da austeridade” – aqueles que propõem austeridade orçamental para travar a espiral de dívida governamental.

 

A receita keynesiana é simples: se a economia está fraca, deve aplicar-se política orçamental para a estimular; se estiver sobreaquecida, deverá optar-se por cortar gastos ou aumentar os impostos para a “arrefecer”. Os níveis de dívida pública vão subir e descer, mas os responsáveis políticos não deverão prestar demasiada atenção. Afinal, olhem para os Estados Unidos e para o Reino Unido: apesar dos elevados défices e do aumento da dívida, a inflação continua controlada e as taxas de juro de longo prazo estão em níveis historicamente baixos. Por que não aproveitar esta oportunidade para estimular a economia e investir no seu futuro?

 

Curiosamente, Reinhart e Rogoff, em termos gerais, concordam com esta recomendação (pelo menos para os Estados Unidos) e até apoiam as políticas heterodoxas, como constituir provisões para hipotecas e definir uma meta para a taxa de inflação. Mas, o seu ‘paper’ versa, na verdade, sobre outro tema. Trata-se dos efeitos a longo prazo dos elevados níveis de divida pública que, segundo eles, são prejudiciais para o crescimento.

 

Esta conclusão implica que Krugman esteja errado ao argumentar que podemos ser despreocupados em relação ao nível de dívida. Krugman argumenta que, se a economia continuar fraca, as taxas de juro vão continuar baixas, apesar da dívida pública elevada e em crescimento. Os receios de um ataque especulativo às obrigações é injustificado, poderia argumentar, como os Estados Unidos e o Reino Unido demonstram.

 

O estudo de Reinhart e Rogoff proporciona uma evidência mundial em favor da postura que sustenta que a elevada dívida pública pode tornar-se um problema e que os países devem evitar colocar-se numa posição vulnerável. Mas o debate seguinte não esclarece se os responsáveis políticos devem desconsiderar os níveis de dívida quando as suas economias estão em depressão, como Krugman recomenda. Há realmente um grande problema de dívida tóxica e o mundo está cheio de exemplos nos quais saiu da sua toca para fazer estragos.

 

Olhemos para Espanha. Quando a crise de 2008 emergiu, o G-20 reuniu-se em Novembro para coordenar uma resposta keynesiana. Todos os países-membros deveriam lutar contra a recessão que chegava, estimulando as economias através de expansão orçamental simultânea. Pedro Solbes, ministro das Finanças espanhol na altura, rapidamente ordenou um acelerar do investimento e gastos públicos.

 

Na Primavera de 2009, no entanto, Solbes foi forçado a inverter o rumo. Com a receita fiscal a colapsar e o crescimento dos gastos, o governo deparou-se com défices de uma tal dimensão que assustaram os mercados – os preços das obrigações do governo colapsaram, as taxas de juro dispararam e o país viu-se incapaz de financiar o seu défice. Onde estavam as baixas taxas de juro que era suposto caracterizarem períodos de baixo crescimento e elevado desemprego?

 

A história financeira está cheia de exemplos similares: México em 1994, Rússia em 1998, Equador em 1999, Argentina em 2001, Uruguai em 2002, República Dominicana em 2003 e mesmo o Reino Unido em 1976. Todos combateram a recessão e o elevado desemprego, mas acabaram por chocar com a impossibilidade de financiar os seus défices. De facto, quando um país está nesta situação, a contracção orçamental pode acabar por ser expansionista, na medida em que reestabelece a confiança financeira e reduz as elevadas taxas de juro.

 

Apesar da atenção que Krugman deu ao estudo de Reinhart e Rogoff, o debate entre “defensores da austeridade” e keynesianos tem limitado a relevância fora dos Estados Unidos, por razões que Krugman não menciona mas que, como bem sabe, são centrais para as decisões em matéria orçamental.

 

O nível de dívida é uma variável importante e a sua composição cambial ainda mais. Os Estados Unidos estão numa posição invejável na emissão de dívida na sua própria moeda. A Reserva Federal pode criar tantos dólares quantos desejar para comprar dívida do governo. Além disso, como reserva cambial mundial, o dólar tem um papel muito particular na economia mundial.

 

O Japão também pode financiar os seus défices, apesar da dívida pública astronómica, porque pede créditos em ienes – e na esmagadora maioria, a investidores institucionais japoneses.

 

Em contraste, a dívida de Espanha é emitida em euros, uma moeda que não pode imprimir e que, na maioria, é detida por estrangeiros. E muitos países emergentes estão numa posição similar. Num estudo recente com Ugo Panizza, do Instituto de Desenvolvimento de Estudos em Genebra, demonstrámos que, no rescaldo da crise de 2008, os países emergentes que conseguiram implementar políticas anti-cíclicas keynesianas defendidas por Krugman tinham baixos níveis de dívida em moeda estrangeira. Apenas porque foram “defensores da austeridade” antes da crise, puderam permitir-se ser keynesianos depois.

 

Quaisquer que sejam as fraquezas que encontremos no ‘paper’ de Reinhart e Rogoff, não se pode concluir que os países em recessão podem despreocupar-se com os défices e os níveis de dívida e focar-se nos estímulos. Isso pode ser uma recomendação adequada para os Estados Unidos actualmente, mas como regra de ouro universal é simplesmente errada.

 

Ricardo Hausmann foi ministro de Planeamento da Venezuela e economista chefe do Banco de Desenvolvimento Inter-Americano. Actualmente, é professor de Economia e director do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard.

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

 

Tradução: Raquel Godinho

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