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Opinião
06 de Agosto de 2013 às 01:03

A lógica da economia informal

Um fantasma assombra os países em vias de desenvolvimento – o fantasma da “economia informal”. Para alguns, o sector informal inclui todos os negócios que não tenham sido registados junto das autoridades. Para outros, refere-se aos negócios que escapam aos impostos. A Organização Internacional do Trabalho (ILO, na sigla em inglês) define-o como o conjunto de empresas suficientemente pequenas para ficarem fora do código laboral.

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Seja qual for a definição, o que tem preocupado muitos economistas e ganhou a atenção dos responsáveis políticos é que a fila da distribuição do tamanho das empresas nos países em vias de desenvolvimento é grande. Em comparação com os países desenvolvidos, um número invulgarmente elevado de empresas pequenas e não produtivas coexiste com um pequeno número de empresas grandes e produtivas.

 

De acordo com o raciocínio económico padrão, isso é ineficiente. Se as empresas pequenas e não produtivas fecham, e as empresas maiores e mais produtivas contratam trabalhadores, a produção total e o bem-estar melhorariam. Isso deveria acontecer automaticamente através da mão invisível da concorrência, uma vez que as empresas mais produtivas deveriam ser capazes de distribuir um produto melhor a um preço mais baixo, ao mesmo tempo que atraem trabalhadores com salários mais elevados.

 

Então, porque é que isso não acontece habitualmente nos países em vias de desenvolvimento? Porque é que as empresas ineficientes sobrevivem, prendendo recursos em actividades de baixa produtividade? O que impede o mercado de aplicar a sua magia e melhorar a situação de todos?

 

Para alguns, o problema é que as regulações do governo tornam o cumprimento demasiado caro para as pequenas empresas. Outros argumentam que a evasão fiscal cria uma vantagem injusta para as empresas informais, ou que a atenção médica familiar não proporciona incentivos aos lares para que mais do que um dos seus membros pague os impostos da segurança social. Para outros ainda, os programas que visam o sector informal geram distorções que geram desigualdade na concorrência.

 

Num esforço para resolver o problema, os governos da Colômbia, México, Perú, África do Sul e outros locais têm estado ocupados a alterar os seus códigos tributários, redesenhando os seus sistemas de registo e explorando os problemas de incentivos potencialmente perversos associados aos programas de assistência social. Apesar de não haver ainda resultados definitivos sobre a efectividade de qualquer uma destas iniciativas, apostaria contra o seu sucesso.

 

Isto requer muitos anos de treino e de pensamento económico abstracto para ignorar o óbvio. A característica mais notável da produção moderna é que mobiliza muito conhecimento prático – demasiado para caber na cabeça de uma só pessoa.

 

A produção eficiente requer uma divisão de trabalho entre aqueles que têm conhecimentos sobre tecnologia, marketing, finanças, logística, gestão de recursos humanos, contratos, regulações, distribuição, atenção ao cliente e muito mais. Requer capacidades manuais e intelectuais que devem ser usadas em conjunto. Pensem simplesmente nas diferentes capacidades especializadas (muitas delas reconhecidas pelos Óscares) que devem estar combinadas para fazer um único filme.

 

Para fazer combinar essas capacidades, as pessoas tem de estar integradas em acordos de cooperação na mesma empresa ou dentro de “clusters” de empresas relacionadas. Mas, para trabalharem juntas, as pessoas têm de viajar das suas casas para os locais de produção. Como o fazem?

 

Na cidade típica de um país em vias de desenvolvimento, fazem-no com dificuldade. O tempo de deslocamento diário de trabalhadores de baixos rendimentos do sector formal excede as três horas e a média dos custos de transporte directo é equivalente a cerca de duas horas de trabalho no salário mínimo. Um turno de oito horas torna-se um turno de onze horas para aqueles que recebem um pagamento líquido de seis horas.

 

Isso implica um imposto efectivo de 45% sobre os trabalhadores de baixos rendimentos do sector formal. Soma-se a esta inconveniência da viagem, os potenciais problemas causados por estarem tão longe de casa em caso de emergência familiar. Com estas considerações em mente, torna-se mais fácil entender porque as pessoas preferem fazer algo mais útil perto de casa em vez de algo onde tenha lugar a produção moderna.

 

Mas, nas favelas ou bairros marginais onde vive a população urbana pobre dos países em desenvolvimento, há pouca diversidade de capacidades que as pessoas possam misturar com as suas próprias para fazer as coisas de forma produtiva. Como resultado, as únicas formas viáveis de produção utilizam muito poucos trabalhadores com baixas capacidades – e, assim, funcionam com baixa produtividade. Especializam-se na preparação de comida, retalho, construção, reparação, “cyber” cafés e outras inúmeras actividades que podem ser realizadas em casa e vendidas aos vizinhos (frequentemente através de uma janela de frente para a rua).

 

Os economistas e responsáveis políticos têm desconsiderado os aspectos físicos da vida urbana. A política doméstica é tipicamente discutida com um desprezo flagrante pelo transporte urbano e pela localização de áreas industriais e comerciais autorizadas. Quando os planificadores desenharam Punta Cana – o destino turístico muito bem sucedido da República Dominicana – ou a fábrica da gigante Fiat em Betim, no Brasil, esqueceram-se de planear as casas dos seus trabalhadores. Não surpreende que os bairros marginais se tenham desenvolvido rapidamente.

 

O sector informal é sobretudo uma consequência do facto de as pessoas estarem desligadas das redes de produção moderna – uma ineficiência que não será resolvida por simplesmente se reduzir o custo de registar um negócio ou forçar as empresas pequenas a pagarem impostos. O que é requerido é um redesenho do espaço urbano, incluindo metropolitano e estradas dedicadas a autocarros, e uma abordagem mais integrada para as áreas do lar, serviços sociais e produção. Os governos terão de começar a fazer algumas coisas boas, não apenas parar de fazer algumas más.

 

Ricardo Hausmann, ex-ministro do Planeamento da Venezuela, e antigo economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento, é professor de Economia na Universidade de Harvard, onde também é director do Centro para o Desenvolvimento Internacional.

 

Copyright: Project Syndicate, 2013.
www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho

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