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29 de Abril de 2014 às 16:31

O puzzle do crescimento da China

Todas as atenções estão concentradas mais uma vez nos mercados emergentes. Aqueles que durante muito tempo foram os preferidos das apostas do crescimento mundial, têm sofrido um duro golpe no arranque de 2014. As percepções de resiliência têm dado lugar aos receios de uma possível vulnerabilidade.

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A redução das injecções de liquidez sem precedentes da Reserva Federal dos Estados Unidos foi um impulsionador óbvio e importante desta situação. As economias emergentes que estão excessivamente dependentes dos fluxos de capital mundiais – particularmente a Índia, Indonésia, Brasil. África do Sul e Turquia – têm tido mais dificuldades em financiar o crescimento económico. Mas o nervosismo sobre a China parece ser igualmente importante. As preocupações de longa data sobre a temida “aterragem brusca” da economia chinesa intensificaram-se.

 

No auge da crise, a generalização é a norma; no final, contudo, convém diferenciar. Ao contrário das economias emergentes propensas a défices que estão agora com problemas – cujos desequilíbrios recordam surpreendentemente aqueles que as economias asiáticas sofreram na crise financeira do final da década de 90 – a China regista um excedente da balança de conta corrente. Como tal, não há risco de que se registem saídas de carteiras de investimento em resultado da redução da compra mensal de activos por parte da Fed. E, claro, o enorme apoio dos 3,8 biliões de dólares em reservas cambiais da China proporciona uma garantia sólida no caso de um intensificar do contágio financeiro. 

 

É certo que a economia da China está actualmente a abrandar; mas a importância disto não é bem compreendida. A desaceleração não tem nada a ver com os problemas nas outras economias emergentes; na verdade, este é um desenvolvimento positivo. Não é nem desejável nem viável que a China regresse à trajectória de um crescimento anual de 10% que foi alcançado nas três décadas posteriores a 1980.

 

No entanto, persiste uma obsessão superficial sobre o crescimento do PIB da China, pelo que uma desaceleração de 25%, para uma taxa anual de 7-8%, é percebida como algo que anuncia o fim da maior história de desenvolvimento do mundo moderno. Esta reacção instintiva assume que o actual abrandamento da China não é mais do que um prelúdio de futuras desilusões em matéria de crescimento – uma presunção que reflecte o receio generalizado e de longa data de uma ampla gama de cenários de desastre, que vão da contestação social e catástrofes ambientais até bolhas imobiliárias e explosões da “banca na sombra”.  

 

Ainda que estes receios não devam ser descartados, nenhum deles é a causa do actual abrandamento. Em vez disso, taxas de crescimento mais baixas são o resultado natural do tão esperado reequilíbrio da economia chinesa.

 

Por outras palavras, aquilo a que estamos a assistir é o efeito da grande mudança de um hiper-crescimento liderado pelas exportações e investimento (graças a um sector industrial pujante) para um modelo que é muito mais dependente de uma dinâmica de crescimento mais lenta mas mais estável baseada no consumo e serviços. De facto, em 2013, o sector dos serviços chinês tornou-se o mais importante da economia, ultrapassando o peso conjunto dos sectores da indústria e da construção.

 

O problema, como defendo no meu novo livro Unbalanced: The Codependency of America and China, não é com a China, mas com o mundo – e com os Estados Unidos em particular – que não está preparado para o crescimento mais lento que implica um reequilíbrio bem-sucedido da China.

 

A construção da co-dependência está enraizada na psicopatologia das relações humanas onde dois parceiros, seja por necessidade ou por conveniência, prestam um apoio mútuo saudável. Em última análise, a co-dependência leva a uma perda de identidade, fricções graves e, muitas vezes, a um afastamento desagradável – a menos que um dos parceiros ou ambos se torne mais auto-suficiente e se afaste por conta própria.

 

A analogia económica da co-dependência aplica-se especialmente bem aos Estados Unidos e à China. O milagre do crescimento da China liderado pelas exportações não teria começado na década de 80 sem o consumo norte-americano. E a China dependeu muito do dólar para ancorar a sua moeda subavaliada, o que lhe permitiu impulsionar a competitividade das suas exportações.

 

Os Estados Unidos, por seu lado, dependeram dos produtos baratos fabricados na China para ampliar o pressionado poder de compra dos consumidores. Também se tornou dependente das poupanças da China para financiar a sua própria escassez de poupanças (a maior do mundo) e tirou proveito da procura voraz da China por títulos do Tesouro dos Estados Unidos para ajudar a financiar os gigantescos défices orçamentais e subsidiar as baixas taxas de juro nacionais.

 

Contudo, esta co-dependência acabou por ser um casamento por conveniência, não por amor. Foram geradas fricções entre os dois parceiros em relação a um amplo conjunto de assuntos, incluindo o comércio, a taxa de câmbio do renminbi, a segurança regional, a propriedade intelectual e os ataques cibernéticos, entre outros. E, como um psicólogo poderia prever, um dos parceiros, a China decidiu seguir o seu próprio caminho.

 

O reequilíbrio da China permitir-lhe-á absorver o excedente de poupanças, que serão destinadas a construir uma rede de segurança social e a impulsionar os recursos das famílias chinesas. Em consequência, a China já não estará inclinada a emprestar o seu capital aos Estados Unidos.

 

Para uma economia dos Estados Unidos que precisa de crescer, a transformação do seu parceiro co-dependente pode bem ser uma bifurcação na estrada. Um caminho é muito arriscado: se os Estados Unidos continuarem presos na sua escassez de poupança, mas sem os bens e capital chineses, vão sofrer de inflação mais elevada, aumento de taxas de juro e um dólar mais fraco. O outro caminho traz consigo uma grande oportunidade: os Estados Unidos podem adoptar uma nova estratégia de crescimento – movendo-se do excesso de consumo em direcção a um modelo baseado na poupança e no investimento nas pessoas, em infra-estrutura e em capacidade. Ao fazê-lo, os Estados Unidos podem conseguir o apoio às exportações, especialmente dirigidas a uma China reequilibrada – actualmente o seu terceiro mercado exportador mais importante e o de mais rápido crescimento.

 

Em comparação com outras economias emergentes, a China é cortada de um tecido diferente. A China emergiu da crise financeira asiática do final da década de 90 como a economia mais resiliente da região e suspeito que o mesmo acontecerá desta vez. A diferenciação importa – para a China, para a Ásia e para o resto da economia mundial.

 

Stephen S. Roach, membro do corpo docente da Universidade de Yale e ex-presidente do Morgan Stanley na Ásia, é o autor de "Unbalanced: The Codependency of America and China".

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Raquel Godinho

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