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22 de Junho de 2016 às 20:30

O impacto do Brexit na economia mundial

O referendo será o primeiro grande teste para saber se foram os especialistas e os mercados, ou as sondagens, que estiveram mais perto da verdade sobre a força do aumento populista.

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O comportamento febril dos mercados financeiros antes do referendo de 23 de Junho sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia mostra que o resultado irá influenciar as condições económicas e políticas em todo o mundo de forma muito mais profunda do que o peso de 2,4% do Reino Unido no PIB global possa sugerir. Há três razões para este impacto descomunal.

 

Em primeiro lugar, o referendo sobre o Brexit faz parte de um fenómeno global: revoltas populistas contra partidos políticos estabelecidos, predominantemente por parte dos eleitores mais velhos, mais pobres ou menos instruídos, irritados o suficiente para derrubar as instituições existentes e desafiar políticos e peritos económicos. Na verdade, o perfil demográfico dos eleitores propensos a votar no Brexit é muito semelhante ao dos apoiantes americanos de Donald Trump e dos defensores franceses da Frente Nacional.

 

Sondagens indicam que 65% dos eleitores que não completaram o ensino secundário, têm mais de 60 anos e pertencem às classes profissionais "D, E" (empregos sobretudo ligados à actividade industrial e a sectores como os transportes ou a construção), apoiam a saída da União Europeia. Pelo contrário, 60% dos graduados universitários, com menos de 40 anos e pertencentes às classes profissionais "A, B" (os chamados empregos de colarinho branco) defendem a permanência do Reino Unido na UE.

 

No Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha, as rebeliões populistas não só são alimentadas pelas mesmas queixas e sentimentos nacionalistas, como também estão a ocorrer em condições económicas semelhantes. Os três países atingiram, mais ou menos, o pleno emprego, com taxas de desemprego de cerca de 5%. Mas muitos dos empregos criados pagam salários baixos, e os imigrantes substituíram recentemente os banqueiros como bodes expiatórios para todos os males sociais.

 

O grau de desconfiança em relação aos líderes empresariais, políticos tradicionais e peritos económicos é evidente na medida em que os eleitores estão a ignorar as suas advertências para que não se colocar em perigo a restauração gradual da prosperidade derrubando o status quo. No Reino Unido, após três meses de debate sobre o Brexit, apenas 37% dos eleitores concordam que a economia do país ficaria pior fora da UE – o que compara com 38%, há um ano.

 

Por outras palavras, todos os volumosos relatórios - por parte do Fundo Monetário Internacional, da OCDE, do Banco Mundial, do governo britânico e do Banco da Inglaterra – alertando, de forma unânime, para as perdas significativas decorrentes do Brexit, foram ignorados. Em vez de tentar refutar os avisos dos peritos com análises detalhadas, Boris Johnson, o líder da campanha pela saída da UE, respondeu com arrogância e uma retórica idêntica à de Trump: "Quem é que está remotamente apreensivo com a saída? Oh, acreditem em mim, vai ficar tudo bem". Por outras palavras, os chamados especialistas estavam errados no passado, e estão errados agora.

 

Este tipo de ataque frontal contra as elites políticas tem sido surpreendentemente bem-sucedido no Reino Unido, a julgar pela mais recente sondagem sobre o Brexit. Mas só depois de os votos estarem contados é que poderemos saber se as opiniões expressas aos profissionais das pesquisas de opinião previram o comportamento de voto.

 

Esta é a segunda razão pela qual o resultado do Brexit ecoará em todo o mundo. O referendo será o primeiro grande teste para saber se foram os especialistas e os mercados, ou as sondagens, que estiveram mais perto da verdade sobre a força do aumento populista.

 

Por agora, analistas políticos e mercados financeiros de ambos os lados do Atlântico assumem, talvez de forma complacente, que o que os eleitores irritados dizem nas sondagens de opinião não reflecte a forma como vão realmente votar. Os analistas e os investidores têm consistentemente atribuído baixas hipóteses às vitórias dos insurgentes: no final de Maio, os mercados de apostas e modelos computadorizados colocavam as probabilidades da eleição de Trump e do Brexit em apenas cerca de 25%, apesar de as sondagens de opinião indicarem quase 50% de apoio para ambos.  

 

Se o Brexit vencer no dia 23 de Junho, as baixas probabilidades atribuídas pelos especialistas e pelos mercados financeiros ao sucesso das revoltas populistas na América e na Europa serão imediatamente vistas com desconfiança, enquanto as probabilidades mais elevadas sugeridas pelas sondagens vão ganhar maior credibilidade. Não que os eleitores norte-americanos sejam influenciados pelo Reino Unido; certamente não serão. Mas, além de todas as semelhanças económicas, demográficas e sociais, a realização de sondagens nos Estados Unidos e no Reino Unido enfrenta agora desafios e incertezas similares, devido à quebra das filiações políticas tradicionais e dos sistemas bipartidários dominantes.

 

A teoria estatística permite-nos inclusivamente quantificar como as expectativas sobre as eleições presidenciais dos EUA deverão mudar se o Brexit vencer no Reino Unido. Suponhamos, por uma questão de simplicidade, que começamos por dar igual credibilidade às sondagens que mostram o Brexit e Trump com quase 50% de apoio, e as opiniões de especialistas, que atribuem a ambos uma probabilidade de apenas 25%. Agora suponhamos que o Brexit vence. Uma fórmula estatística chamada teorema de Bayes mostra, em seguida, que a crença nas sondagens aumentaria de 50% para 67%, enquanto a credibilidade da opinião dos especialistas cairia de 50% para 33%.

 

Isto leva à terceira e mais preocupante implicação da votação britânica. Se o Brexit ganha num país tão estável e politicamente fleumático como o Reino Unido, os mercados financeiros e empresas em todo o mundo vão ser sacudidos da sua complacência em relação a insurgências populistas no resto da Europa e nos EUA. Estas grandes preocupações do mercado, por sua vez, mudam a realidade económica. Tal como em 2008, os mercados financeiros vão ampliar a ansiedade económica, criando mais raiva contra as instituições estabelecidas e alimentando expectativas ainda mais altas de revolta política.

 

A ameaça de tal contágio significa que a vitória do Brexit poderia ser o catalisador para uma nova crise global. Desta vez, porém, os trabalhadores que perderem os seus empregos, os pensionistas que perderem as suas poupanças, e os proprietários que se virem em dificuldades não poderão culpar "os banqueiros". Aqueles que votam pelas convulsões populistas não terão ninguém para culpar, a não ser eles próprios, quando as suas revoluções derem errado.

Anatole Kaletsky é economista-chefe e co-chairman da Gavekal Dragonomics e autor do livro Capitalism 4.0, The Birth of a New Economy.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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