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12 de Junho de 2017 às 14:00

O próximo debate sobre políticas tecnológicas

A deslocalização dos trabalhadores continua hoje, com a robótica a levar à deslocalização de alguns empregos na indústria das economias mais desenvolvidas. Muitos temem que a inteligência artificial traga mais deslocalização, embora a situação possa não vir a ser tão terrível como alguns esperam.

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O que têm em comum as fugas dos emails do Comité Nacional dos Democratas, depois de os servidores terem sido pirateados durante a campanha para as eleições presidenciais e a ensurdecedora sirene de emergência em Dallas, no Texas? É a mesma coisa que liga a ameaça nuclear da Coreia do Norte aos ataques terroristas na Europa e nos Estados Unidos: todos representam as desvantagens que as tecnologias, que são tão benéficas, têm – riscos que exigem uma resposta política cada vez mais robusta.

 

A disputa crescente sobre a tecnologia é exemplificada em debates sobre a chamada neutralidade líquida e também nas disputas entre a Apple e o FBI sobre desbloquear os iPhone de terroristas. Isto não é surpreendente: à medida que a tecnologia se torna cada vez mais consequente – afectando tudo o que envolve a nossa segurança (armas nucleares e guerra cibernética) e os nossos empregos (perturbações no mercado de trabalho provocadas por software avançado e pela robótica) – o seu impacto tem sido bom, mau e potencialmente feio.

 

Em primeiro lugar, o bom. A tecnologia eliminou doenças como a varíola e ajudou a erradicar outras, como a poliomielite; permitiu a exploração espacial; acelerou os transportes; e abriu novas perspectivas para as finanças, entretenimento e muitas outras coisas. Só as comunicações móveis libertaram a grande maioria da população mundial dos constrangimentos de comunicação.

 

Os avanços tecnológicos também aumentaram a produtividade económica. A invenção das rotações de cultura e equipamentos mecânicos aumentou de forma dramática a produtividade agrícola e permitiu à civilização humana partir das quintas para as cidades. Em 1900, um terço dos americanos vivia em quintas; hoje, esse número é de apenas 2%.

 

De forma semelhante, a electrificação, a automatização, o software e, mais recentemente, a robótica trouxeram grandes ganhos na produtividade na indústria. O meu colega Larry Lau e eu estimamos que as mudanças técnicas sejam responsáveis por quase metade do crescimento económico dos países do G7 nas últimas décadas.

 

Os pessimistas preocupam-se com a possibilidade de os benefícios da tecnologia para o aumento da produtividade estarem em declínio e com a possibilidade de dificilmente serem recuperáveis. Alegam que tecnologias como a internet e redes sociais não podem melhorar a produtividade na mesma dimensão que a electrificação ou a expansão do automóvel melhoraram.

 

Por outro lado, os optimistas acreditam que avanços como o big data, a nanotecnologia e a inteligência artificial são os arautos da nova era de melhorias impulsionadas pela tecnologia. Apesar de ser impossível prever qual vai ser a próxima "aplicação assassina" que vai nascer destas tecnologias, isso não é motivo, argumentam, para assumir que não há uma. Afinal, por vezes, o principal valor comercial das tecnologias deriva de uma utilização diferente daquela que o inventor tinha pensado.

 

Por exemplo, a máquina a vapor de James Watt foi criada para bombear água para fora das minas de carvão e não para abastecer de energia linhas ferroviárias ou navios. Da mesma maneira que o trabalho de Guglielmo Marconi, na transmissão de rádio de longa distância, tinha simplesmente como objectivo criar concorrência ao telégrafo. Marconi nunca imaginou estações de difusão radiofónica ou redes modernas de comunicação sem fios.

 

Mas as mudanças tecnológicas provocaram também alterações consideráveis no trabalho, prejudicando muitos ao longo do caminho. No início do século XIX, os receios de tal deslocalização levaram os trabalhadores do têxtil no Yorkshire e Lancashire – os "Luddites" - a destruírem as novas máquinas como os teares automatizados e as máquinas de tecidos.

 

A deslocalização dos trabalhadores continua hoje, com a robótica a levar à deslocalização de alguns empregos na indústria das economias mais desenvolvidas. Muitos temem que a inteligência artificial traga mais deslocalização, embora a situação possa não vir a ser tão terrível como alguns esperam. Na década de 1960 e no início da década de 1970, muitos acreditavam que os computadores e a automatização levariam a um desemprego estrutural generalizado. Isso nunca aconteceu, porque surgiram novos tipos de empregos para compensar a deslocalização que ocorreu.

 

Em qualquer caso, a deslocalização do emprego não é apenas o único efeito negativo das novas tecnologias. Os automóveis deram um grande avanço à mobilidade mas à custa da poluição do ar, que não é saudável. A televisão por cabo, a internet e as redes sociais deram às pessoas um poder sem precedentes sobre a informação que partilham e recebem. Mas contribuíram também para uma balcanização da informação e interacção social, com as pessoas a escolherem fontes e redes que reforçam os seus próprios preconceitos.

 

Além disso, a tecnologia de informação moderna tende a ser dominada por algumas empresas: a Google, por exemplo, é literalmente sinónimo de pesquisa na internet. Historicamente, tal concentração de poder económico enfrentava alguma resistência, devido aos receios de monopólio. E, de facto, tais empresas estão a começar a enfrentar o escrutínio das autoridades anti-concorrenciais, em especial na Europa. Resta saber se, ainda que os consumidores tenham geralmente atitudes tolerantes para com estas empresas, essas atitudes são suficientes para compensar os receios históricos sobre a dimensão do mercado e o abuso do poder de mercado.

 

Mas as desvantagens da tecnologia são bem mais profundas, com os inimigos das sociedades livres a serem capazes de comunicar, planear e conduzir actos destrutivos de forma mais fácil. O Estado Islâmico e a al-Qaeda recrutam online e dão orientações virtuais sobre como causar estragos. Frequentemente, tais grupos nem sequer têm de comunicar directamente com os indivíduos para "inspirá-los" a perpetrar um ataque terrorista. E, claro, a tecnologia nuclear dá não apenas electricidade livre de emissões, mas também armas destrutivas.

 

Todas estas ameaças e consequências exigem respostas políticas claras que olhem não apenas para o passado e para o presente mas também para o futuro. Com demasiada frequência, os governos ficam presos em disputas imediatas, como a do FBI e da Apple, e perdem de vista os riscos e os desafios futuros. Isso pode criar espaço para que algo realmente feio aconteça, como, digamos, um ataque cibernético que ponha abaixo uma rede eléctrica. Além das consequências imediatas, tal incidente pode incentivar os cidadãos a exigirem restrições extremamente rigorosas à tecnologia, arriscando a liberdade e a prosperidade na busca pela segurança.

 

O que é realmente necessário são instituições e políticas novas e melhoradas e cooperação entre a aplicação da lei e as empresas privadas, bem como os governos. Tais esforços não podem ser apenas uma reacção aos desenvolvimentos, mas têm também de os antecipar. Só aí podemos mitigar os riscos futuros, enquanto continuamos a aproveitar o potencial das novas tecnologias para melhorar a vida das pessoas.

 

Michael J. Boskiné professor de Economia na Universidade de Stanford e membro senior da Hoover Institution. Foi chairman do conselho de assessores económicos de George H. W. Bush de 1989 a 1993.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro

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