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23 de Junho de 2014 às 00:01

Guia de um economista para a Guerra e a Paz

É evidente que nem sempre é mau gastar dinheiro com o fim de conter a violência. Os membros dos serviços militares, policiais e de segurança pessoal são, muitas vezes, uma presença bem-vinda e necessária e, se forem devidamente destacados vão poupar o dinheiro dos contribuintes a longo prazo.

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Os jornais estão actualmente cheios de títulos sobre histórias conflitos: seja a guerra civil na Síria, os conflitos nas ruas na Ucrânia, o terrorismo na Nigéria ou a repressão policial no Brasil, o imediatismo espantoso da violência é muito evidente. Mas, enquanto os comentadores debatem considerações geoestratégicas e temas como a dissuasão, os conflitos étnicos e a situação dos cidadãos comuns apanhados no meio destes conflitos, raramente é discutido, de forma objectiva, outro aspecto vital dos conflitos – o seu custo económico.

 

A violência envolve custos financeiros significativos. O custo global de conter a violência e tratar as suas consequências atingiu o extraordinário montante 9,5 biliões de dólares (11% do PIB mundial) em 2012. Um valor que é mais do dobro da dimensão do sector agrícola a nível mundial e supera o gasto total em matéria de ajuda externa.

 

Tendo em conta estes valores colossais, é essencial que os responsáveis políticos analisem adequadamente onde e como esse dinheiro é gasto e estudem formas de reduzir o valor total. Infelizmente, estas questões raramente são analisadas com a devida seriedade. Esta situação deve-se, em grande medida, ao facto de as campanhas militares serem geralmente motivadas por preocupações geoestratégicas e não por uma lógica financeira. Embora os opositores da guerra do Iraque possam acusar os Estados Unidos de cobiçar os campos petrolíferos do país, a campanha foi, no mínimo, anti-económica. Também a guerra do Vietname e outros conflitos foram verdadeiras catástrofes financeiras.

 

Dúvidas semelhantes acompanham os gastos com armas durante os períodos de paz. Por exemplo, podemos questionar a lógica financeira da recente decisão da Austrália de gastar 24 mil milhões de dólares na compra dos problemáticos aviões de caça Joint Strike Fighters enquanto, ao mesmo tempo, prepara o país para os mais rigorosos cortes orçamentais registados em décadas.

 

Os gastos desnecessários relacionados com a violência não são apenas uma questão de guerra ou de dissuasão. As campanhas de "lei e ordem", duras e dispendiosas, por exemplo, embora sejam atractivas para os eleitores, geralmente têm pouco efeito nas taxas de criminalidade. Quer se trate de uma situação de guerra mundial ou de policiamento local, os conflitos envolvem sempre um grande aumento da despesa pública; a questão é saber se essa despesa vale a pena.

 

É evidente que nem sempre é mau gastar dinheiro com o fim de conter a violência. Os membros dos serviços militares, policiais e de segurança pessoal são, muitas vezes, uma presença bem-vinda e necessária e, se forem devidamente destacados vão poupar o dinheiro dos contribuintes a longo prazo. Interessa realmente saber se o montante gasto em cada caso é adequado.

 

É certo que alguns países conseguiram alcançar um equilíbrio justo, resolvendo a questão da violência com custos relativamente baixos; isto prova que existem formas de reduzir as despesas desnecessárias. Será mais fácil fazer um orçamento de forma eficaz para um conflito potencial ou em curso, se a tónica for colocada na prevenção. Sabemos o que está na base das sociedades pacíficas: a distribuição equitativa do rendimento, o respeito pelos direitos das minorias, os elevados padrões de educação, os baixos níveis de corrupção e um ambiente de negócios atractivo.


Além disso, ao contraírem demasiadas despesas para conter a violência, os governos desperdiçam dinheiro que, de outra forma, poderiam investir em áreas mais produtivas, como as infra-estruturas, o desenvolvimento de negócios ou a educação. A maior produtividade que resultaria, por exemplo, da construção de uma escola em vez de uma prisão, traduzir-se-ia na melhoria do bem-estar dos cidadãos e, consequentemente, na redução da necessidade de investir na prevenção da violência. É aquilo a que chamo de "ciclo virtuoso da paz".

 

Comparemos, por exemplo, os cerca de 10 biliões de dólares gastos em 2012, a nível mundial, para a contenção da violência com os custos globais da recente crise financeira mundial. Mark Adelson, o antigo director-geral de crédito da Standard & Poor’s, estima que a crise tenha originado perdas totais a nível mundial no valor de 15 biliões de dólares entre 2007 e 2011, o que representa apenas metade do montante gasto para fins de contenção da violência durante o mesmo período. Se o tempo e o dinheiro que os responsáveis políticos dedicam à contenção de conflitos fossem gastos, em igual medida, na sua prevenção, o benefício poderia ser enorme, em termos de redução da violência e de um crescimento económico mais acelerado.

 

Os governos poderiam começar por re-avaliar as suas despesas em matéria de auxílio. A nível mundial, o valor gasto em contenção da violência já é 75 vezes superior ao total em termos de ajuda ultramarina ao desenvolvimento. E não é coincidência que os países com as maiores despesas em violência em percentagem do PIB também estejam entre os mais pobres do mundo – Coreia do Norte, Síria, Libéria, Afeganistão e Líbia, para nomear alguns. Poderia este dinheiro ser melhor direcionado para investimentos destinados a reduzir ou evitar os conflitos?

 

Além das óbvias razões humanitárias para investir na paz, especialmente no âmbito de estruturas de desenvolvimento internacionais estabelecidas, tal investimento é também uma das formas mais rentáveis de desenvolver a economia e equilibrar o orçamento. É por essa razão que vale a pena discutir este tema.

 

Steve Killelea é "charmain" executivo do Institute for Economics and Peace.
 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org 

Tradução: Raquel Godinho

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