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Estará o crescimento da produtividade a tornar-se irrelevante?

O aumento das dificuldades para automatizar serviços e actividades pode explicar, em parte, o abrandamento da produtividade.

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Como notou o Nobel da Economia Robert Solow, em 1987, os computadores estão "em todo o lado menos nas estatísticas da produtividade". Desde então, o chamado paradoxo da produtividade tornou-se ainda mais marcante. A automatização eliminou muitos empregos. Os robôs e a inteligência artificial parecem agora prometer (ou ameaçam) uma mudança ainda mais radical. Ainda assim, o crescimento da produtividade abrandou nas economias avançadas; no Reino Unido, o trabalho não é mais produtivo hoje do que era em 2007.

Alguns economistas vêem o baixo investimento empresarial, as fracas competências, as infra-estruturas obsoletas e regulação excessiva a atrasar o crescimento. Outros notam amplas disparidades na produtividade entre fabricantes industriais que são líderes e os que estão mais atrasados. Outros questionam se a tecnologia da informação é realmente tão distintamente poderosa.

Mas a explicação pode ser mais profunda. À medida que enriquecemos, a produtividade pode ser inevitavelmente mais lenta e o PIB per capita pode dizer-nos ainda menos sobre as tendências do bem-estar das pessoas. 


O nosso modelo mental de crescimento da produtividade reflecte a transição da agricultura para a indústria. Começámos com 100 agricultores a produzir 100 unidades de alimentos: o progresso tecnológico permite que 50 produzam a mesma quantidade e que outros 50 vão para as fábricas que produzem máquinas de lavar, carros ou outra coisa. Globalmente a produtividade duplica, e pode duplicar novamente, na medida em que tanto a agricultura como a produção tornam-se mais produtivas, com alguns trabalhadores a mudarem então para restaurantes ou serviços na área dos cuidados de saúde. Assumimos um processo que é repetido infinitamente.

Mas são possíveis dois outros desenvolvimentos. Suponhamos que os agricultores mais produtivos não querem nem máquinas de lavar nem carros mas, em vez disso, empregam os seus 50 trabalhadores excedentários como empregados domésticos com baixos salários ou como artistas com salários elevados, dando serviços cara-a-cara e que serão dificilmente automatizados. Então, como o falecido professor da Universidade de Princeton, William Baumol, argumentou em 1966, o crescimento global da produtividade vai cair lentamente até zero, mesmo que o crescimento da produtividade dentro da agricultura nunca abrande.


Ou suponhamos que 25 dos agricultores excedentários se tornam criminosos e os outros 25 polícias. Então o benefício para o bem-estar humano é nulo, mesmo que a produtividade suba se os serviços públicos forem avaliados, por convenção padronizada, como custos de produção.

O aumento das dificuldades para automatizar serviços e actividades pode explicar, em parte, o abrandamento da produtividade. A baixa produtividade no Reino Unido reflecte a combinação de uma rápida automatização em alguns sectores e o célere crescimento da baixa produtividade, dos empregos com salários baixos – tal como os condutores da Deliveroo que andam com bicicletas antiquadas. Nos Estados Unidos, o Departamento de Estatísticas do Trabalho indica que oito em cada dez categorias profissionais em rápido crescimento são serviços com baixos salários como auxiliares de cuidados pessoais e auxiliares de enfermagem.

O crescimento de "soma zero" das actividades pode, contudo, ser ainda mais importante. Olhando para a economia, é surpreendente quanto talento de recursos humanos é dedicado às actividades que não podem aumentar o bem-estar humano, mas implicam concorrência pelo bolo económico disponível. Tais actividades tornaram-se omnipresentes: serviços legais, policiamento, prisões; cibercrime e um exército de especialistas que defendem organizações contra estes crimes; reguladores financeiros que tentam travar as vendas abusivas e o número crescente de pessoas que estão encarregadas do cumprimento normativo; o elevado nível de recursos dedicados às campanhas eleitorais norte-americanas; os serviços imobiliários que facilitam a troca dos activos já existentes; e grande parte da actividade financeira.

Grande parte das actividades de design, promoção de marca e publicidade também são essencialmente de soma zero. É bom que novas modas possam continuamente concorrer pela nossa atenção; a escolha e a criatividade humana são valiosas por se. Mas não temos razões para acreditar que os modelos e as marcas vão fazer com que sejamos mais felizes na década de 2050 do que em 2017.

As actividades de soma zero sempre foram significativas. Mas crescem em importância à medida que ficamos saciados com os serviços e bens básicos. Nos EUA, "os serviços empresariais e financeiros" representam agora 18% do emprego, acima dos 13,2% em 1992.

O impacto no PIB e na produtividade reflecte as convenções contabilísticas nacionais. Se as pessoas dedicam uma parte maior dos seus rendimentos a competir pelas poucas casas que há, levando a uma subida dos preços das propriedades e dos alugueres, o PIB e a "produtividade" aumentam, porque o arrendamento de casas está incluído no PIB, mesmo que a oferta agregada de serviços de habitação esteja inalterada. Desde 1985, a percentagem de alugueres na economia britânica duplicou, de 6% do PIB para 12%.

De igual forma, os advogados que tratam de divórcios, e que são bem pagos, aumentam o PIB porque os consumidores finais pagam-lhes. Mas os advogados, bem pagos, que tratam de questões comerciais não levam a um aumento da produção porque as despesas legais das empresas são custos intermédios. A proliferação de actividades intermédias de soma zero abranda a produtividade, enquanto outras actividades de soma zero aumentam o PIB mas não geram nenhum benefício social.

Ofuscando potencialmente este efeito, as tecnologias de informação podem melhorar o bem-estar humano de formas que não são captadas pelas medidas de produção. Milhares de milhões de horas dos consumidores, anteriormente despendidas a preencher formulários, a fazer chamadas telefónicas e em filas, são eliminadas pelas compras na internet e pela procura por serviços. Informação valiosa e serviços de entretenimento são dados de forma gratuita.

Contrariamente ao que dizem alguns economistas de direita, tais serviços gratuitos não podem fazer com que a crescente desigualdade de rendimentos seja irrelevante. Se as rendas e os custos com deslocações podem fazer subir a concorrência dada a atractividade da localização da propriedade, isso não se pode pagar com o crescente "excedente de consumidores" gratuito. Mas a visão essencial continua a ser importante: muito do que gera benefícios para o bem-estar humano não aparece reflectido no PIB.

De facto, o PIB e os ganhos no bem-estar humano eventualmente podem divorciar-se totalmente. Imagine um mundo em 2100 em que robôs que se alimentam a energia solar, produzidos por robôs e controlados por sistemas de inteligência artificial, geram a maioria dos bens e serviços que suportam o bem-estar humano. Toda essa actividade representaria uma proporção trivial do PIB, simplesmente porque seria muito barato.


Por outro lado, quase todas as medidas do PIB reflectiriam uma soma zero e/ou a impossibilidade de automatizar actividades – arrendamento de casas, preços de actividades desportivas, taxas de performance, direitos das marcas e custos legais, administrativos e políticos. O crescimento da produtividade seria próximo de zero mas também irrelevante para melhorar o bem-estar humano.

Estamos longe disso ainda. Mas a tendência vai nessa direcção e pode ajudar a explicar o recente abrandamento na produtividade. Os computadores não estão nas estatísticas de produtividade precisamente porque são tão poderosos.

 

Adair Turner é presidente do Institute for New Economic Thinking e antigo chairman da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido. O seu último livro é Between Debt and the Devil.

 

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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