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13 de Fevereiro de 2018 às 14:00

Como é que os EUA podem mudar o comportamento do Paquistão?

Os decisores políticos dos EUA devem agir em breve, ou um Paquistão cada vez mais frágil, pode passar de Estado patrocinador de terrorismo a Estado patrocinado por terroristas.

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A recente decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de congelar cerca de 2 mil milhões de dólares em assistência à segurança do Paquistão como punição pela recusa do país em reprimir os grupos terroristas transnacionais é um passo na direcção certa. Mas são necessários mais passos.

 

Os Estados Unidos têm uma série de incentivos para pressionar o Paquistão, um país que há muito finge ser um aliado, mas que continua a ajudar grupos militantes a combater e matar soldados dos EUA no vizinho Afeganistão. Na verdade, é em parte por causa dessa ajuda que o Afeganistão é um Estado falhado, deixando os EUA atolados na maior guerra da sua história.

 

Mais de 16 anos depois de os EUA terem invadido o Afeganistão, a capital Cabul está sitiada, o que pode ser exemplificado pelo recente ataque terrorista contra o Intercontinental Hotel de Cabul e pelo atentado suicida, em que foi usada uma ambulância carregada de explosivos, no centro da cidade. Nos últimos meses, os EUA lançaram uma grande ofensiva aérea para deter o rápido avanço dos talibãs afegãos. Os EUA já realizaram mais ataques aéreos desde Agosto passado do que em 2015 e 2016 juntos.

 

No entanto, nem os ataques aéreos nem a decisão da administração Trump de destacar mais 3.000 soldados americanos podem reverter a deterioração da situação de segurança no Afeganistão. Para se conseguir isso, o Paquistão teria que desmantelar os santuários transfronteiriços usados pelos talibãs e pela rede afiliada Haqqani, bem como as suas operações de comando e controlo, que estão localizadas em território paquistanês. Como o comandante militar norte-americano no Afeganistão, o General John Nicholson, reconheceu: "É muito difícil ter sucesso no campo de batalha quando o inimigo goza de apoio externo e refúgio".

 

O problema é que o grande poder militar do Paquistão, cujos generais ditam as regras a um governo civil em grande parte impotente, parece empenhado em proteger e até alimentar os terroristas em solo paquistanês. Só os militantes que ameaçam o Paquistão são alvo da desonesta agência de inteligência do país.

 

Longe de responsabilizar os generais do Paquistão pelo sangue americano nas suas mãos, os EUA garantem grandes quantias de financiamento – tanto que o Paquistão foi mesmo um dos maiores beneficiários da ajuda da América. Mesmo quando os EUA encontraram Osama bin Laden, depois de uma caçada de dez anos, escondido num complexo junto à principal academia militar do Paquistão, isso não modificou significativamente a sua estratégia. Isso permitiu que os militares aumentassem ainda mais a repressão no Paquistão, frustrando os esforços para promover uma verdadeira transição democrática.

 

Para piorar a situação, os EUA dissuadiram a sua aliada Índia - principal alvo de terroristas apoiados pelo Paquistão - de impor sanções ao país. Em vez disso, sucessivas administrações dos EUA pressionaram a Índia a envolver-se diplomaticamente com o Paquistão, inclusive através de reuniões secretas entre o conselheiro de segurança nacional do primeiro-ministro indiano Narendra Modi e o seu homólogo paquistanês, em Banguecoque e noutros lugares.

 

Essa abordagem encorajou os terroristas do país a realizarem ataques contra alvos desde Mumbai a Caxemira. Quanto aos EUA, a nova Estratégia de Segurança Nacional da Casa Branca confirma que a América "continua a enfrentar ameaças de terroristas transnacionais e militantes que operam no interior do Paquistão". Esta conclusão faz eco da advertência da secretária de Estado Hillary Clinton em 2009 de que o Paquistão "representa uma mortal ameaça à segurança do nosso país e do mundo".

 

Neste contexto, o reconhecimento da administração Trump do falhanço da política dos EUA no Paquistão é uma boa notícia. Mas a história sugere que suspender simplesmente as ajudas à segurança - a assistência económica e o treino militar devem continuar - não será suficiente para provocar mudanças significativas no Paquistão (que também conta com a China e a Arábia Saudita entre os seus benfeitores).

 

Um outro passo que os EUA poderiam tomar seria classificar o Paquistão como um Estado patrocinador do terrorismo. Se os EUA preferirem não o fazer, devem, pelo menos, retirar ao Paquistão o estatuto de aliado não pertencente à NATO, adquirido em 2004, acabando com o seu acesso preferencial às armas e tecnologias americanas.

 

Além disso, os EUA devem impor sanções específicas, incluindo o congelamento de activos dos militares seniores que mantêm vínculos particularmente estreitos com terroristas. Com as crianças de muitos responsáveis militares paquistaneses a residirem nos EUA, também valeria a pena proibir a permanência dessas famílias do país.

 

Por fim, os EUA devem aproveitar a sua posição de maior mercado de exportações do Paquistão para apertar os parafusos económicos do país. Desde 2013, o Paquistão tentou compensar a queda acentuada nas suas reservas cambiais, levantando milhares de milhões de dólares em dívida denominada em dólares com títulos a dez anos. Os esforços do Paquistão para evitar o ‘default’ criaram uma alavancagem que os EUA deveriam usar.

 

Da mesma forma, o Paquistão concordou em privatizar 68 empresas estatais, em troca de um empréstimo de 6,7 mil milhões de dólares do Fundo Monetário Internacional. Se os EUA aumentassem as sanções financeiras e comerciais aos empréstimos e suspendessem o fornecimento de peças militares sobressalentes, teriam outras armas para "dobrar" o Paquistão.

 

O Paquistão poderia responder a sanções desse género bloqueando o acesso terrestre da América ao Afeganistão, aumentando assim o custo de reabastecer as forças dos EUA em até 50%. Mas, como o Paquistão aprendeu em 2011-2012, esse movimento prejudicaria a sua própria economia, especialmente a sua indústria de camiões dominada por militares. Ao mesmo tempo, o custo adicional para os EUA seria menor do que os reembolsos militares dos EUA ao Paquistão no último ano, que abrangeram, entre outras coisas, as rotas de reabastecimento e as supostas operações de contra-terrorismo do país.

 

Se o Paquistão quiser manter o seu jogo duplo e reivindicar ser um aliado dos EUA ao mesmo tempo que alberga terroristas, os EUA precisam de parar de recompensar o país por oferecer, como disse Trump, "nada além de mentiras e enganos". Mais do que isso, os EUA terão de punir o Paquistão pela sua duplicidade. E os decisores políticos dos EUA devem agir em breve, ou um Paquistão cada vez mais frágil pode passar de Estado patrocinador de terrorismo a Estado patrocinado por terroristas.

 

Brahma Chellaney, professor de Estudos Estratégicos no Centro de Pesquisa Política em Nova Deli e membro da Academia Robert Bosch em Berlim, é autor de nove livros, incluindo Asian JuggernautWater: Asia’s New Battleground, e Water, Peace, and War: Confronting the Global Water Crisis.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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