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Opinião
11 de Junho de 2015 às 20:00

As inúteis metas do défice da Europa?

As regras orçamentais da União Europeia tiveram algumas melhorias necessárias nos últimos anos, mas ainda há muito por fazer. Além da falta de clareza sobre questões fundamentais, a política orçamental da UE continua a estar excessivamente focada em objectivos de curto prazo, o que se reflecte na sua ênfase desnecessária nas metas do défice nominal dentro de ciclos orçamentais anuais.

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Todos os países da UE têm um interesse real na sustentabilidade orçamental dos outros Estados-membros. Mas défices anuais são prognósticos pobres da probabilidade que um membro pode ter de pagar a dívida a outro. É útil que agora se possa invocar a existência de circunstâncias excepcionais para distribuir a carga de todos os ajustamentos necessários ao longo de mais de um ano. Mas isso não elimina a propensão para o curto prazo incorporada nas regras orçamentais da UE.

 

Num mercado totalmente integrado, o financiamento anual dos défices orçamentais não deve ser um problema, desde que a dívida seja sustentável. É por isso que a UE se deve esforçar para criar um quadro orçamental que tenha como único objectivo garantir que as dívidas dos seus membros são sustentáveis. Por definição, essa meta seria específica de cada país. Não requereria um défice global inferior a 3% do PIB por ano, em cada país. Mas isso exigiria um quadro analítico mais sofisticado do que o actual, que se limita a uma distinção entre países com base no cumprimento do tecto de dívida pública de 60%, estipulado pela UE.

 

A Zona Euro está muito mais bem posicionada para gerir pressões orçamentais do que antes. O esquema de "transacções monetárias definitivas" (OMT, na sigla inglesa) do Banco Central Europeu é um instrumento importante para a sustentabilidade da dívida. E a união bancária, uma vez concluída, deverá conter o risco de crises financeiras e de contágios. Ao mesmo tempo, a flexibilização quantitativa (QE, na sigla inglesa) do BCE reduziu os receios de que os governos fiquem sem dinheiro, pelo menos por enquanto.

 

Os esforços para flexibilizar as regras são bem-vindos, mas subsistem insuficiências, sobretudo tendo em conta que os riscos de implementação fazem com que os efeitos macroeconómicos das alterações das regras sejam difíceis de quantificar. Por exemplo, não é óbvia a forma como se deve lidar com o facto de as decisões dos países grandes terem externalidades maiores, tanto positivas como negativas, do que as dos países mais pequenos, abrindo caminho para um tratamento diferente numa união monetária entre supostos iguais. Também não é clara a margem de discricionariedadeque foi dada à Comissão Europeia para lidar com tais resultados.

 

Acima de tudo, as perspectivas orçamentais de longo prazo devem ser plenamente integradas na UE e nos seus Estados-membros. As instituições terão de ser redesenhadas para acomodar esta abordagem e resolver algumas das ambiguidades do quadro actual, evitando a discriminação ou politização.

 

Um veículo possível para o alcançar são os conselhos independentes que o chamado pacto orçamental da UE tornou agora obrigatórios para todos os países da Zona Euro. Esses conselhos têm a tarefa de avaliar a precisão das previsões macroeconómicas, supervisionar o cumprimento das metas e garantir a sustentabilidade orçamental a longo prazo. Mas a forma como eles se encaixam no quadro orçamental ainda não é clara; de facto, a complexidade das regras da UE pode limitar a capacidade dos conselhos de cumprirem a sua função.

 

Os conselhos orçamentais não devem ser colocados na posição de tentar interpretar o pacto orçamental. Seria muito melhor que lhes fosse dada como única tarefa avaliar a sustentabilidade da dívida e aconselhar os governos a este respeito. As suas recomendações devem ser vinculativas, mas também devem estar focadas no médio prazo, e não nos resultados orçamentais anuais.

 

Em alguns casos, os conselhos orçamentais poderiam impor condições ainda mais rigorosas do que as estipuladas pela UE, mas essas condições estão limitadas ao cumprimento do saldo estrutural que cada signatário do pacto orçamental tem consagrado na sua Constituição ou em legislação igualmente vinculativa. Noutros casos, as recomendações dos conselhos tenderiam a ser mais relaxadas do que as regras actuais da UE. De qualquer forma, as recomendações teriam a vantagem de estar mais bem adaptadas às necessidades locais - especialmente se os conselhos tivessem responsabilidade ??perante os parlamentos nacionais.

 

A melhor maneira de preservar a independência dos conselhos ao longo do tempo seria através da monitorização de cima para baixo e do controlo ao nível da Zona Euro, por exemplo através do estabelecimento de um Conselho Orçamental Europeu (COE), que seria responsável por garantir que cada conselho nacional cumpre o seu mandato. O COE estaria autorizado a solicitar uma alteração à avaliação da trajectória e requisitos orçamentais de um país. Com essa autoridade limitada, não haveria necessidade de o COE prestar contas ou ser democraticamente legitimado a nível europeu.


Além de favorecer uma perspectiva de longo prazo, esta estrutura de governação também responderia a algumas das questões que surgem com o aumento da flexibilidade. As autoridades nacionais independentes estarim em melhor posição, não só para avaliar os riscos de implementação, mas também para advogar a favor de reformas estruturais. Além disso, um sistema deste tipo implicaria pouco risco de discriminação de cima para baixo contra os países mais pequenos. À medida que os governos nacionais assumissem a responsabilidade pelo objectivo europeu de sustentabilidade orçamental, as metas orçamentais anuais impostas pela UE tornar-se-iam obsoletas, até ao ponto em que seriam abandonadas por completo.

 

Benedicta Marzinotto é professora de Economia Política na Universidade de Udine e membro do Bruegel.  

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
T
radução: Rita Faria

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