Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
23 de Novembro de 2010 às 11:42

Os desequilíbrios na Europa

Os governos do G20 declararam que as desvalorizações competitivas (ou guerras cambiais) devem ser evitadas.

  • 1
  • ...
Defendem ainda que os desequilíbrios externos excessivos devem ser monitorizados e combatidos de forma coordenada.

Estas resoluções parecem ser muito brandas mas não existe motivo para abordar estes problemas de outra forma. Na verdade, não existem instrumentos para impor regras rigorosas ao nível global e é provável que a correcção dos actuais desequilíbrios globais – provocados pela apreciação do renminbi e pela decisão da China de mudar para um modelo de crescimento baseado na procura doméstica mais forte – seja apenas uma questão de tempo.

Os desequilíbrios internos da Europa são, no entanto, um problema muito mais complicado. O G20 decidiu não lidar com o problema e concordou em tratar os 27 Estados-membros da União Europeia como uma região única. Dessa forma, o problema desaparece porque o défice da conta corrente da União Europeia como um todo é de apenas 0,35% do produto interno bruto (PIB), apesar de cada Estado-membro ter posições externas muito diferentes.

Esta prestidigitação estatística reflecte a sensibilidade política dos desequilíbrios das contas correntes da Europa, que resultam da impossibilidade dos membros da Zona Euro usarem a taxa de câmbio para reporem o equilíbrio. Se for necessário corrigir um desequilíbrio interno, os países deficitários devem aceitar uma quebra do produto real, enquanto os países excedentários podem manter ou mesmo aumentar as suas taxas de crescimento.

Tanto a Comissão Europeia como o Banco Central Europeu argumentam que os desequilíbrios macroeconómicos na Europa são, em grande parte, o resultado de disparidades competitivas cada vez maiores. Assim, os países deficitários têm que controlar o crescimento dos preços e dos salários para melhorar a competitividade, enquanto os países com excedente têm que aceitar alguma inflação.

Ambas as situações não são simples. Em primeiro lugar, não existe uma relação próxima entre as posições externas e as tendências de competitividade – não com parte da competitividade de preços e custos que a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu analisam e não com a competitividade baseada na produção (crescimento nas exportações e alterações nas quotas dos mercados exportadores). Por exemplo, as exportações espanholas cresceram sem produzirem um efeito positivo tangível na balança comercial do país.

A relação intensifica-se quando consideramos a evolução da taxa de câmbio real efectiva de cada país com base no deflator do PIB. Este indicador é muitas vezes usado pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu para medir as tendências de competitividade dentro da Zona Euro. Mas de facto, não mede a competitividade de custos e preços como tal; em vez disso, captura os efeitos de preços das alterações na procura agregada. A insistência da Comissão Europeia em centrar-se na competitividade significa que esta a propor uma solução do lado da oferta para um problema do lado da procura.

E, como é óbvio, a sensibilidade política dos desequilíbrios da Europa consiste, precisamente em dizer aos países deficitários que devem aceitar suportar tempos difíceis, enquanto aos países excedentários se exige apenas que poupem um pouco menos. Aqui, existe também um aspecto técnico que deve ser tido em conta: é muito mais fácil restringir o consumo através da contracção salarial ou da redução do crédito do que é estimulá-lo, especialmente se a elevada propensão para poupar em alguns países excedentários reflecte factores culturais e institucionais.

Além disso, não devemos assumir como garantido que preços e salários mais elevados na Alemanha vão reduzir o excedente comercial do país. Dado que os produtos alemães competem pela qualidade, e não pelo preço, o excedente poderá persistir mesmo que os preços domésticos na Alemanha aumentem.

Finalmente, os acontecimentos relacionados com os preços e os custos internos não teriam nenhum impacto no comércio com países que não são membros da Zona Euro. A Alemanha é, de longe, o maior exportador da União Europeia para a China. O peso comercial da Alemanha na China está a crescer rapidamente, apesar de estar muito longe do peso que o país tem nos seus parceiros da Zona Euro. As exportações alemãs para a China representavam apenas 0,3% do PIB do país em 2005 mas chegaram a 1,4% do PIB em 2008. As instituições da União Europeia deviam analisar as contas intra-Zona Euro.

Mas, mesmo que a situação das contas correntes dos Estados-membros da Zona Euro seja, na sua maioria, definida por factores de procura interna, a competitividade internacional tem importância. Pode não ser necessariamente a causa dos desequilíbrios internos da Europa mas pode ser a cura.

Em princípio, os países deficitários podem não ter que atravessar uma recessão para promover ajustamentos externos se conseguirem gerar rendimento suficiente das exportações para pagar as suas dívidas externas. Nesse caso, os decisores políticos devem focar-se na melhoria da produtividade em vez de se concentrarem apenas na redução de preços.

Obviamente que no curto prazo é mais fácil alterar os preços e os salários do que melhorar a produtividade. Ainda assim, se a sustentabilidade dos défices comerciais se apoia na competitividade, em princípio não existe um motivo económico válido para impor medidas de curto prazo – ajustamento de preços e custos – para alcançar objectivos de longo prazo, a não ser que o objectivo do ajustamento de preços e custos seja diminuir a procura.

O problema é que alguns países não têm nenhuma outra estratégia de ajustamento que não seja abrandar o crescimento. Exemplos disso são os casos em que a dívida externa foi usada para financiar sectores não-transaccionáveis de baixa produtividade (como o sector imobiliário em Espanha e na Irlanda).

Na maioria dos países com défices orçamentais, a forte expansão do crédito durante a década passada alimentou no período pré-crise crescimentos insustentáveis. A este respeito, o recente acordo preliminar de Basileia III e a definição de uma nova estrutura de supervisão financeira europeia poderão ser mais importantes para corrigir e prevenir desequilíbrios externos do que os recentes planos da União Europeia para ampliar a vigilância económica aos Estados-membros – e mesmo para impor sanções para alcançar objectivos não orçamentais.

É óbvio que o problema imediato é corrigir os actuais desequilíbrios. E, dadas as considerações políticas em que se baseia a abordagem europeia a esta questão, o processo de ajustamento não será nem rápido nem suave.


Benedicta Marzinotto é investigadora do Bruegel e professor de Economia Política na Universidade de Udine.


Direitos de Autor: Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org





Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio