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20 de Agosto de 2018 às 14:00

As retiradas vitoriosas de Trump

Trump será elogiado por ter "forçado" a China a entrar numa negociação a que nunca resistiu e por ter evitado o risco de uma guerra comercial que ele próprio criou. É assim que funciona a Arte da Negociação de Trump: declarar a guerra, restaurar a paz e depois reivindicar créditos por ambas as coisas.

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Será que Donald Trump vai recuar na sua guerra comercial com a China, ou vai ganhá-la? Provavelmente ambas as respostas estão certas. A sequência característica de Trump de ameaças horripilantes - "fogo e fúria", "reduzir as exportações do Irão a zero", "tarifas sobre tudo o que é chinês", "consequências como poucos já sofreram" - seguidas de um aperto de mão, um abraço, e um súbito surto de compreensão mútua, é agora um padrão claramente estabelecido.

 

O exemplo mais dramático foi o abandono de Trump de qualquer esforço genuíno para acabar com as armas nucleares da Coreia do Norte. Mais recentemente, houve a suspensão das ameaças de tarifas contra a União Europeia depois do encontro com o presidente da Comissão Europeia Jean-Claude Juncker, a proposta de uma cimeira EUA-Irão "sem condições prévias" e, de seguida, sinais de que a escalada das ameaças contra a China é, na verdade, uma tentativa de reabrir as negociações.

 

Porque é que Trump continua a fazer ameaças vazias? Os críticos respondem que ele é simplesmente um fanfarrão, um tolo e um ignorante. Mas pode haver uma explicação menos indelicada, embora igualmente deprimente.

 

A abordagem de Trump à política externa é o oposto da famosa máxima do presidente Theodore Roosevelt: "falar com suavidade e carregar um grande pau". O modus operandi de Trump pode ser descrito, pelo contrário, como "gritar muito alto e carregar uma bandeira branca". Ainda que isto soe irresponsável e cobarde, pode ser a estratégia mais politicamente eficaz e racional de conduzir a política externa americana no século XXI.

 

Se reconhecermos que os Estados Unidos são agora uma potência global em declínio, é razoável que os eleitores norte-americanos rejeitem quaisquer sacrifícios económicos ou militares na prossecução de objectivos de política externa inatingíveis como a contenção da China. E se os americanos não estão mais preparados para suportar os custos do domínio global, então a retirada disfarçada é uma política melhor do que a beligerância neo-conservadora que produziu os desastres no Iraque e no Afeganistão, ou o intervencionismo liberal que incentivou a Primavera Árabe e provocou os desastres na Síria e na Líbia.

 

A habilidade de Trump em transformar os recuos dos EUA em vitórias políticas pessoais foi evidente nas suas negociações com a Coreia do Norte e na sua aquiescência ao domínio russo na Síria. Deve esperar-se uma política semelhante em relação à China, e possivelmente ao Irão e Ucrânia, porque reflecte realidades geopolíticas e económicas - e, mais importante para Trump, aumenta a sua posição pessoal.

 

Para vermos como as oscilações geopolíticas aparentemente irracionais de Trump o beneficiam, voltemos à guerra comercial EUA-China. Suponhamos, como faz a maioria dos observadores desapaixonados, que o presidente Xi Jinping não vai fazer quaisquer concessões reais em relação à questão mais importante para ambos os lados: a determinação da China em alcançar os Estados Unidos na tecnologia militar e industrial. Suponhamos também que Trump entende isto e sabe que terá de recuar, até porque os Estados Unidos são uma democracia cujos eleitores não vão aceitar dificuldades económicas, enquanto a China é uma ditadura nacionalista que pode forçar o seu povo a suportar praticamente qualquer sacrifício.

 

Trump pode ser um proteccionista ideológico que acredita que os défices comerciais dos EUA são uma forma de roubo e que os estrangeiros deveriam ser "punidos" com tarifas e embargos. Mas ele é um político em primeiro lugar, que provavelmente entende que as tarifas infligirão dor aos consumidores americanos. E quanto mais a economia dos EUA se aproxima do pleno emprego, mais os custos do proteccionismo são suportados pelos consumidores dos EUA, em vez dos exportadores chineses.

 

Com pouca mão-de-obra excedente ou excesso de capacidade industrial, as empresas dos EUA não podem substituir os produtos chineses. Isto significa que os exportadores chineses podem responder às tarifas da Trump aumentando simplesmente os seus preços em vez de cortarem as suas margens de lucro ou deslocalizarem a produção para os EUA.

 

Assim, em vez de serem uma punição para os estrangeiros, as tarifas numa economia com pleno emprego são sobretudo um imposto sobre as empresas nacionais e os consumidores. No caso dos Estados Unidos, este ano, o seu efeito principal será neutralizar o estímulo decorrente dos cortes de impostos de Trump e, simultaneamente, aumentar a inflação, em última análise forçando a Reserva Federal a acelerar a subida dos juros.

 

Então, porque é que Trump permitiu que os seus assessores mais sinofóbicos – o responsável norte-americano do Comércio Robert Lighthizer, o director do Conselho Nacional de Comércio da Casa Branca Peter Navarro e o secretário de Estado Mike Pompeo – iniciassem um jogo de confronto com a China, que os EUA estão prestes a perder? Talvez porque Trump saiba como parecer triunfante numa retirada. Ao elevar o confronto quase até ao ponto em que se produzirão danos económicos, e depois oferecer um acordo de paz que ele sabe que a China aceitará, Trump pode voltar ao status quo que existia antes da guerra comercial, mas emergir como um vencedor político.

 

Trump entende certamente que aplicar tarifas de 25% sobre os bens de consumo feitos na China seria altamente impopular entre os eleitores americanos. Mas também sabe que ameaçar com tarifas pode dar a impressão de que é "duro com a China" e de que luta pelos empregos americanos. Assim que tenha tirado proveito político suficiente desta mensagem agressiva, pode "forçar" a China a voltar à mesa das negociações, sugerindo discretamente uma retirada diplomática dos EUA das suas exigências irrealistas.

 

Reviravoltas deste tipo, longe de afectarem Trump politicamente, têm sido uma característica consistente da sua ascensão ao poder. Ao longo da sua carreira, Trump percebeu que as aparências importam mais do que a realidade - e em nenhum lugar isso se aplica melhor do que na política moderna dos EUA. Os zig-zags políticos permitem a Trump ganhar apoio, fazendo promessas irrealistas e, de seguida, voltar a vencer reconhecendo a realidade de forma "pragmática".

 

No conflito EUA-China, Trump apelou aos extremistas nacionalistas com uma retórica fortemente beligerante. Assumindo que permanece fiel à forma, assim que tenha maximizado os benefícios do jingoísmo, apelará então aos moderados recuando e evitando os danos que as suas ameaças irresponsáveis poderiam provocar.

 

Se Trump acabar por recuar no seu confronto com a China, poucos eleitores se vão importar com o facto de não ter conseguido atingir os seus supostos objectivos económicos. Em vez disso, Trump será elogiado por ter "forçado" a China a entrar numa negociação a que nunca resistiu e por ter evitado o risco de uma guerra comercial que ele próprio criou. É assim que funciona a Arte da Negociação de Trump: declarar a guerra, restaurar a paz e depois reivindicar créditos por ambas as coisas.

 

Anatole Kaletsky é economista-chefe e co-chairman da Gavekal Dragonomics e o autor de Capitalism 4.0, The Birth of a New Economy.

 

Copyright: Project Syndicate, 2018.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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