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27 de Dezembro de 2012 às 00:01

A revolução económica do Brasil

As grandes economias emergentes foram fortemente atingidas ao longo do último ano - particularmente no primeiro semestre - pela crise nos países desenvolvidos, com a Europa em recessão e os Estados Unidos a registarem uma retoma ainda muito débil. Mas 2012 será também recordado como ano em que as mudanças estruturais na economia brasileira se consolidaram.

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A crise económica global que teve início em 2008 é semelhante à Grande Depressão da década de 30 não só em termos de profundidade e duração, mas também no que diz respeito aos erros e hesitações por parte dos países avançados. É preocupante que os líderes europeus tenham tantas dificuldades em chegar a acordo relativamente às políticas de ajustamento orçamental que abrem caminho às medidas de estímulo necessárias para revitalizar o crescimento económico. Até agora, os países europeus com margem de manobra orçamental têm insistido em cortes na despesa e no investimento que, de par com os aumentos de impostos, reduziram a actividade económica e aumentaram o desemprego, acabando assim por comprometer as receitas fiscais - e, consequentemente, a consolidação orçamental.

 

Nos Estados Unidos, apesar de uma ligeira melhoria, a incerteza persiste. Além do risco decorrente do chamado "precipício orçamental" ['fiscal cliff'] em 2013, mantém-se o principal problema: a inexistência de eficazes políticas orçamentais contra-cíclicas - por exemplo, um programa de investimento público - destinadas a impulsionar a actividade económica. Em vez disso, os EUA apostaram tudo na flexibilização monetária, desencadeando aquilo a que chamei de guerra cambial, na qual os investidores globais, ávidos de maiores retornos, acorrem aos países emergentes, fazendo subir as suas taxas de câmbio.

 

O fraco ambiente internacional penalizou a economia do Brasil, essencialmente através do comércio externo, da concorrência agressiva no mercado brasileiro e dos ecos das expectativas negativas que prevalecem nos países avançados.

 

Para combater a contracção económica, o governo brasileiro implementou medidas que estão agora a dar os seus frutos. A principal mudança foi uma forte redução das taxas de juro, em linha com um quadro de metas da inflação, que levou a uma política cambial mais competitiva. Isso, de par com uma política orçamental contra-cíclica, tem mantido os défices e a dívida pública sob controlo.

 

Mais importante ainda: as políticas governamentais terão um impacto permanente - e mesmo revolucionário - na economia brasileira. E isso tornar-se-á mais óbvio ao longo de 2013.

 

Durante muito tempo, as taxas de juro do Brasil estavam entre as mais elevadas do mundo. Além de penalizar as contas públicas e de impor um severo sacrifício orçamental ao país, o nível anormalmente elevado da taxa Selic [taxa de financiamento no mercado interbancário para operações de um dia, ou overnight] inibiu a exuberância natural do empreendedorismo, distorceu a alocação de recursos e dificultou o desenvolvimento dos mercados de capitais e imobiliário, ao mesmo tempo que provocava uma valorização da moeda.

 

Com o decorrer do tempo, a persistência destas condições minou a competitividade da indústria doméstica, penalizando as vendas de produtos brasileiros não só internacionalmente mas também no robusto e crescente mercado interno. Os esforços macroeconómicos de estabilização levados a cabo pelo governo, conjugados com políticas que intensificaram o potencial de crescimento do país, permitiram que os juros diminuíssem ao longo desta última década.

 

Contudo, até 2011, a Selic manteve-se em níveis incompatíveis com os claros pontos fortes da economia e com os seus baixos riscos. Reduzir os custos dos empréstimos sem desencadear inflação foi um dos principais desafios com que se deparou a presidente Dilma Rousseff quando assumiu o cargo no início desse ano. O reaparecimento de condições de crise, particularmente na Zona Euro, travou a retoma do crescimento global - e constituiu um incentivo suplementar para acelerar as reformas a nível interno.

 

O processo de redução das taxas de juro - alicerçado numa sólida política fiscal e capacitado pela eliminação de obstáculos institucionais (como a regra da remuneração das contas poupança) - estendeu-se pelo segundo semestre de 2012, levando a uma taxa anual real abaixo de 2%. Isto resultou numa significativa diminuição do diferencial das taxas de juro em relação a outros países, o que, de par com uma política de intervenção mais activa nos mercados a pronto e de futuros, levou a taxa de câmbio para um nível muito mais competitivo, apesar da guerra cambial a nível internacional.

E além destas duas mudanças estruturais, que se mantêm, o governo brasileiro foi ainda mais longe. Reduzimos o encargo fiscal ao diminuirmos várias taxas, especialmente as taxas sobre os salários, conseguindo assim reduzir os custos de contratação sem penalizarmos o poder de compra dos trabalhadores - uma das razões pelas quais o Brasil é actualmente uma das poucas grandes economias mundiais com uma baixa taxa de desemprego.

 

A burocracia orçamental está também a ser modernizada, com a implementação de notificações fiscais electrónicas e outras reformas administrativas que impulsionam o encaixe de receitas, ao mesmo tempo que diminuem a dimensão da economia informal.

Para acelerar o crescimento económico, a prioridade tem sido estimular o investimento e a retoma na actividade industrial, o sector que foi mais duramente atingido pela crise internacional. Lançámos um programa avaliado em mais de 60 mil milhões de dólares para as concessões rodoviárias e ferroviárias, a que se seguirá um programa semelhante para os portos e aeroportos.

 

Em resultado destas medidas, a economia brasileira está a regressar a uma taxa anual de crescimento de cerca de 4%, que deverá ser sustentada em 2013. Mais importante ainda: as mudanças estruturais que implementámos têm ainda um grande contributo a dar para o crescimento futuro. Com baixas taxas de juro, estabilidade de preços, uma taxa cambial mais competitiva, um menor encargo fiscal, imensos recursos para investimento e redução das tarifas de electricidade, o Brasil está a reforçar o seu potencial para uma expansão mais rápida.

 

Importa salientar também os nossos esforços no sentido de acabar com a guerra orçamental entre os Estados brasileiros. Com a reforma do ICMS interestadual (imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços), os investidores terão uma maior clareza e segurança jurídica. Pretendemos também finalizar a unificação das taxas PIS/Cofins, que são as complicadas - e muito criticadas - taxas sociais impostas a nível federal sobre a facturação das empresas.

 

Com estas iniciativas, o governo do Brasil tem procurado garantir que o crescimento anual se mantenha acima de 4% durante muitos anos, independentemente dos desafios - que vão certamente persistir em 2013 - colocados pelo panorama internacional. Só através de um crescimento sustentado é que o rendimento per capita poderá aproximar-se dos níveis que predominam no mundo desenvolvido.

Aquilo que esperamos é que os países ricos - e não apenas os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) - também contribuam para a retoma mundial. Se actuarmos em conjunto e empurrarmos na mesma direcção, todos sairemos a ganhar.

 

Guido Mantega é ministro das Finanças do Brasil

 

Tradução: Carla Pedro

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