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14 de Setembro de 2015 às 20:00

A importância da desvalorização da China

No início de Agosto, os mercados financeiros mundiais quase implodiram. Da Ásia Oriental para a Europa Ocidental, as moedas colapsaram e os preços das ações afundaram - tudo devido à decisão da China de permitir uma desvalorização modesta de sua moeda, o renminbi. A economia da China está à beira do colapso, avisaram os pessimistas. Uma nova era de guerras cambiais está prestes a ser desencadeada, intervieram os catastrofistas. Apelidar esta reação de exagerada seria um grave eufemismo.

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É certo que a economia chinesa tem abrandado, nomeadamente devido a uma quebra acentuada nas exportações do país. E a desvalorização do yuan pode ser vista como um jogada agressiva para reverter a perda de exportações e restaurar o crescimento interno – uma decisão que pode levar os concorrentes na Ásia e em outras regiões a desvalorizarem também as suas taxas de câmbio, desencadeando uma guerra cambial total. Por isso, a este respeito, os receios dos investidores não eram desprovidos de sentido.

 

Mas quão séria era a ameaça? Na realidade, a desvalorização da China foi insignificante – menos de 5%, até ao final da semana. Comparemos isso com a queda de 20% do euro desde o início do ano, ou o mergulho de 35% do iene, desde que o Japão iniciou o seu programa de reformas "Abenomics" no final de 2012, e é claro que manchetes exageradas sobre o "colapso" do renminbi foram lamentavelmente enganadoras. Se a China realmente quisesse ganhar uma quota maior nas exportações mundiais, é difícil imaginar que os seus responsáveis ??políticos tenham decidido apostar num ajuste tão modesto.

 

A verdadeira motivação da China parece ser mais perspicaz. A desvalorização impulsionou o objectivo estratégico da China de transformar o yuan numa moeda de reserva internacional de reserva - e a longo prazo numa concorrente mundial credível ao dólar norte-americano.

 

Para este fim, a China tem vindo a fazer campanha há vários anos, para que o renminbi seja adicionado ao cabaz de moedas que determina o valor dos direitos de saque especiais (DSE), a cotação cambial de referência para o Fundo Monetário Internacional. Tal como está, este cabaz inclui o dólar norte-americano, a libra esterlina, o euro e o iene japonês. Se o renminbi for adicionado a este grupo de principais moedas mundiais, iria ganhar um prestígio considerável e os bancos centrais, sem dúvida, aumentariam o uso da moeda como um ativo de reserva.

 

Segundo o FMI, para uma moeda ser incluída no cabaz de DSE, deve preencher dois critérios fundamentais. O primeiro - que o país emissor esteja entre os principais exportadores mundiais - não é um problema: a China já é o maior exportador do mundo.

 

Mas o segundo critério - que a moeda deve ser de "livre circulação" (amplamente utilizada e amplamente negociada) – revelou-se um grande obstáculo. Dados os estreitos limites impostos pelo Governo sobre as compras de renminbi pelos investidores estrangeiros, bem como o uso do renminbi pelos investidores chineses para investir no exterior, muitos observadores não descreveriam a moeda como de livre circulação. Na verdade, há apenas duas semanas, um relatório do FMI concluiu, precisamente por essa razão, que o renminbi ainda não estava preparado para o horário nobre na economia global.

 

Mas a China tem vindo a tomar medidas concertadas para expandir o uso do yuan, incluindo a assinatura de acordos de troca com mais de duas dezenas de países, encorajando activamente os mercados "offshore" para depósitos e obrigações em renminbi e agindo cautelosamente para abrir os mercados de capitais do país.

 

Actualmente, a China está a combater um outro factor-chave que atrasa o uso internacional do renminbi: o controlo do Governo sobre a taxa de câmbio. A taxa de câmbio do renminbi sempre foi fixada diariamente pelo Banco Popular da China (PBOC, na sigla anglo-saxónica), sem ter em conta o sentimento do mercado subjacente, além de que a sua negociação está sujeita a limites muito estreitos. Mas a China já anunciou que os sinais do mercado passarão a orientar a fixação diária da taxa de câmbio. Assumindo que o PBOC cumpre as orientações, a China pode afirmar mais credivelmente que a sua moeda é de livre circulação - ou pelo menos que está a caminhar nesse sentido.

 

Claro que nem todos já estão convencidos. Temos de esperar para ver como o PBOC se comporta na prática. Mas o FMI certamente percebeu, tendo sugerido que "uma taxa de câmbio mais determinada pelo mercado facilitaria as operações de DSE, caso o renminbi viesse a ser incluído no cabaz de moedas". Esta é uma mudança de tom bastante acentuada face ao último relatório.

 

Enquanto grande parte do mundo estava distraído com a suposta ameaça de guerras cambiais, a China pode ter encontrado uma maneira de esgueirar-se para o cabaz de DSE. Pelo menos por agora, parece que a estratégia de longo prazo do país para o renminbi está no caminho certo.

 

Benjamin J. Cohen é Professor de Economia Política Internacional na University of California, Santa Barbara, e autor de Currency Power: Understanding Monetary Rivalry (Princeton University Press).

 

© Project Syndicate, 2015.

www.project-syndicate.org

Tradução: André Tanque Jesus

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