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04 de Dezembro de 2014 às 15:28

A guerra sem fim dos Estados Unidos

É oficial: o presidente dos Estados Unidos e prémio Nobel da Paz está de novo em guerra. Depois de derrubar o lider líbio Muammar el-Qaddafi e de bombardear alvos na Somália e no Iemen, Obama iniciou ataques aéreos no norte do Iraque, declarando guerra ao Estado Islâmico – uma decisão que afectará a soberania e, possivelmente, levará à desintegração do Estado sírio. Com esta intervenção, Obama ignora mais uma vez o direito internacional e norte-americano, pois não solicitou a aprovação do Congresso dos Estados Unidos nem do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

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O antecessor de Obama, George W. Bush, lançou a América na chamada "guerra contra o terrorismo" para derrotar grupos que, insistia, queriam "estabelecer uma império radical islâmico da Espanha à Indonésia". Mas a invasão e ocupação do Iraque foi tão controversa que quebrou o consenso global da luta contra o terrorismo. O centro de detenção de Guantanamo e a entrega e a tortura de suspeitos tornaram-se símbolos dos excessos desta guerra.

 

Depois de assumir a presidência dos Estados Unidos, Obama procurou introduzir um tom mais suave e subtil. Ao afirmar numa entrevista concedida em 2009 que "a linguagem que usamos é importante", Obama redefiniu a luta contra o terrorismo como uma "luta" e um "desafio estratégico". No entanto, a mudança de retórica não se traduziu numa alteração da estratégia e a administração Obama foi além das preocupações com a segurança para usar as suas actividades anti-terrorismo e impor interesses geopolíticos mais abrangentes.

 

Assim, em vez de encarar a eliminação de Osama bin Laden em 2011 como o culminar da "luta" contra o terrorismo lançada por Bush, a administração Obama aumentou a ajuda aos "bons" rebeldes (como aconteceu na Líbia) e perseguiu o "maus" terroristas com mais veemência, através, por exemplo, de um programa de assassinatos. No entanto, quando falamos de actividades terroristas essas linhas são muito difíceis de definir.

 

Inicialmente, por exemplo, Obama colocou o Estado Islâmico na categoria dos "bons". Na altura, o Estado Islâmico minava o poder do presidente sírio Bashar al-Assad e os interesses do Irão na Síria e no Iraque. A sua posição só mudou depois do Estado Islâmico ter ameaçado tomar a capital regional do Curdistão iraquiano, Erbil, onde os Estados Unidos têm instalações militares, de informação, de negócios e diplomáticas. A juntar a isto, a decapitação de dois jornalistas norte-americanos levou a equipa de Obama a usar a retórica de guerra de Bush e a declarar que os Estados Unidos estavam em guerra com o Estado Islâmico, com a Al Qaeda e todas as suas representações pelo mundo.

 

A guerra contra o terrorismo arrisca-se agora a tornar-se numa guerra permanente contra uma lista cada vez maior de inimigos – muitas criados, inadvertidamente, pelas suas próprias políticas. Tal como a ajuda aos rebeldes anti-soviéticos do Afeganistão nos anos 80 contribuiu para o aparecimento da Al Qaeda – algo que Hillary Clinton reconheceu quando era secretária de Estado de Obama – a ajuda dos Estados Unidos e dos seus aliados aos rebeldes sírios em 2011 contribuiu para o crescimento do Estado Islâmico.

 

Os Estados Unidos regressaram ao Afeganistão em 2011 para retomar uma guerra contra os jihadistas que as suas próprias acções tinham criado. Da mesma forma, os Estados Unidos estão agora a lançar uma guerra no Iraque e na Síria contra os grupos que surgiram devido à mudança de regime forçada por Bush e ao plano mal concebido de Obama para derrubar Assad.

 

Já é tempo de os Estados Unidos reconhecerem que desde que lançaram a guerra contra o terrorismo a única coisa que conseguiram foi aumentá-lo. A fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão continua a ser um "ground zero" para o terrorismo transnacional e países antes estaveis como a Líbia, o Iraque e a Síria converteram-se em novos centros de terrorismo.

 

Os esforços de Obama para alcançar um acordo faustiano com os talibans afegãos, cujos principais líderes encontraram refúgio no Paquistão, mostram que o presidente dos Estados Unidos está mais interessado em confiner o terrorismo ao Médio Oriente do que em acabar com ele – mesmo que isso signifique deixar a Índia sofrer as consequências de actividades terroristas (de facto, o terrorismo do Paquistão contra a Índia surgiu das operações anti-soviéticas dos Estados Unidos no Afeganistão – as maiores da história da CIA – já que os Serviços de Informação Paquistaneses se apropriaram de uma grande parte dos milhões de dólares de ajuda military para os rebeldes afegãos).

 

Da mesma forma, a estratégia de Obama contra o Estado Islâmico procura apenas limitar o alcance de uma ordem medieval e bárbara. Momentos após ter declarado a sua intenção de "debilitar e destruir" o grupo, Barack Obama respondeu a um pedido de esclarecimento de um jornalista dizendo que o seu objectivo real era converter o Estado Islâmico num "problema gerível".

 

Para piorar as coisas, Obama pretende combater o Estado Islâmico com as mesma tácticas que levaram ao seu aparecimento: dar autorização à CIA, com a ajuda de alguns xeiques da região, para treinar e armar milhares de rebeldes sírios. Não é difícil de perceber os riscos de encher os campos de batalha sírios com combatentes mais e melhor armados.

 

Os Estados Unidos podem ter alguns dos melhores think tanks do mundo e as mentes mais educadas. Mas ignoram, consistentemente, as lições dos erros do passado – e repetem-nos. As políticas levadas a cabo pelos Estados Unidos contra o mundo islâmico evitaram um choque de civilizações mas alimentaram o choque interno de uma civilização que minou a segurança regional e internacional.

 

É pouco provável garantir apoio internacional estável e resultados duradouros através de uma guerra sem fim definida de acordo com termos dos Estados Unidos contra inimigos que o país ajudou a criar. Isto é evidente na resposta pouco entusiasmada de árabes e turcos aos esforços norte-americanos para criar uma coligação internacional de apoio a uma acção contra o Estado Islâmico, que a própria administração Obama reconhece que será uma ofensiva militar que durará vários anos.

 

O risco de que a arrogância imperial aumente em vez de acabar com o terrorismo islâmico é muito real – uma vez mais. 

 

Brahma Chellaney é professor de Estudos Estratégicos no Center for Policy Research em Nova Deli.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Luísa Marques 

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