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12 de Julho de 2017 às 14:00

A era mundial da complexidade

A crise económica global, que teve a sua origem nos Estados Unidos em 2007, expôs a fragilidade do modelo de país desenvolvido, dando origem a uma visão do mundo nova e mais multipolar, na qual as economias emergentes colocam cada vez mais desafios ao status quo.

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Cada século parece ter a sua "era". O Renascimento, do ponto de vista filosófico, tem sido chamado de Idade da Aventura. À Idade da Razão do século XVII seguiu-se o Iluminismo. O século XIX e o século XX foram as eras de Ideologia e da Análise, respectivamente. No que diz respeito ao século XXI, diria que é a era da Complexidade.

 

Por um lado, a ciência e a tecnologia progrediram até ao ponto em que os humanos podem criar vida e, através de tecnologias ultra-avançadas de edição de genoma, criar novas espécies. O futurologista Yuval Noah Harari antecipa o surgimento iminente do Homo deus; uma espécie de humanidade que pode "fazer de Deus" ao manipular a natureza de várias formas, incluindo atrasando e, em última análise, vencendo a morte. Muitas das tendências tecnológicas identificadas como cruciais para os próximos anos pelo Departamento norte-americano de Defesa não eram conhecidas há 30 anos.

 

Por outro lado, grande parte da humanidade está cercada por sentimentos de impotência e frustração devido aos desafios que parecem não ter solução, desde a poluição e mudanças climáticas ao radicalismo implacável e terrorismo. A desigualdade económica – reforçada pela perda de emprego para a automatização, profundamente enraizadas nas ordens sociais, prejudicando as dinâmicas do poder político – contribuiu de forma substancial para este sentimento de impotência.

 

Numa altura em que o nosso poder de criar, acompanhado pelo nosso poder de destruição, alcançou níveis sem precedentes – quando uma arma é lançada pode mudar o curso da história – o desenvolvimento de um sistema mais igualitário e eficaz não podia ser mais urgente. Nesta nova era de complexidade, precisamos de um novo paradigma de pensamento sobre o mundo, também para orientar os nossos esforços para avançar com a paz e prosperidade.

 

Uma visão do mundo predominante sempre foi essencial para moldar o destino humano. Alexandre, o Grande, não teria conquistado grande parte do mundo conhecido no seu tempo sem a influência do seu filósofo-professor Aristóteles. E ele não era o único: por detrás de cada grande império esteve um grande filósofo ou historiador cuja visão do mundo imbuiu o movimento imperial de legitimidade e com um significado sagrado. (A história escrita pelas vítimas da construção do império, não pelos vencedores, é menos gloriosa).

 

À medida que progredimos no desenvolvimento de uma nova visão do mundo para guiar o nosso futuro, temos de incluir uma perspectiva verdadeiramente global. No passado, a análise à evolução da visão do mundo da humanidade tendeu a focar-se no Ocidente, seguindo a progressão europeia e, depois, da América desde a exploração, colonização e construção do império, até à industrialização e difusão das relações de mercados e inovação tecnológica.

 

Contudo, no século XXI esta narrativa foi revista. A crise económica global, que teve a sua origem nos Estados Unidos em 2007, expôs a fragilidade do modelo de país desenvolvido, dando origem a uma visão do mundo nova e mais multipolar, na qual as economias emergentes, lideradas pela China, Índia e Rússia, colocam cada vez mais desafios ao status quo.

 

Entretanto, os desafios que os países estão a enfrentar tornam-se cada vez mais ligados, com as grandes tendências globais, desde as mudanças climáticas ao financiamento, a estarem para além das competências dos governos individuais. Como o físico que se tornou ecologista, Fritjof Capra, e o químico, Pier Luigi Luisi, notaram no seu livro de 2014, The Systems View of Life, "os grandes problemas do nosso tempo são problemas sistémicos – todos interligados e interdependentes". Assim, "exigem soluções sistémicas".

 

Neste contexto, é necessária uma visão do mundo mais holística que aceite o pluralismo e a diversidade – em termos de geografia, tradições e modelos de governo – que reflictam e reforcem a complexidade das tendências mundiais de hoje. Tal abordagem tem de reconhecer não apenas a necessidade dos países trabalharem em conjunto para moldar o mundo mas tem também de reconhecer os limites à nossa própria capacidade para moldar o mundo.

 

A humanidade há muito que opera dentro do paradigma do determinismo; acreditamos que podemos prever e manipular os desfechos. Mas ainda não descobrimos qualquer lei natural, ou equação, que explique como é que a vida evoluiu até ao seu nível actual e muito menos temos indicações sobre como é que vai evoluir no futuro. O determinismo seguiu o seu curso e tem de ser substituído por um paradigma no qual a incerteza é aceite como um facto irreduzível da vida.

 

Nas ciências naturais isto já está acontecer. A mecânica quântica, a relatividade geral e a incerteza têm sido aceites como a via do progresso na física e na matemática. Na biologia e na neurociência há uma aceitação cada vez maior que a vida emerge através da cognição (auto-consciencialização e auto-geração) e muda constantemente, o que significa que não há uma "transformação prestável", isto nas palavras do biólogo Stuart Kauffman.

 

Ainda assim, nas ciências sociais – desde a economia à política – esta transição ainda não ocorreu. A economia continua a operar fundamentalmente de uma maneira linear, orientada pelo determinismo do enquadramento Newtoniano, do século XVIII. Mas as teorias mecânicas simples não podem lidar com a vivência e complexidade dos sistemas quânticos. De facto, a lógica redutora, baseada nas premissas simplistas, que domina a economia de hoje está, na melhor das hipóteses, incompleta e potencialmente errada.

 

De forma semelhante, na política, continuamos a lutar para alcançar soluções sistémicas até porque frequentemente não concordamos com a natureza complexa do problema que enfrentamos. Isto reflecte parcialmente a natureza global dos desafios de hoje e a diversidade de perspectivas que temos de conciliar. Fundamentalmente, reflecte o facto de os humanos não serem sempre racionais – um facto que a nova "complexidade económica" deveria fazer mais para reconhecer.

 

De forma mais abrangente, uma nova "visão do mundo complexa" tem de compreender que o comportamento humano é conduzido por tudo, desde a política à economia, passando pela cultura e psicologia – e mesmo pela própria tecnologia. Numa era de complexidade, as instituições que criamos apoiam a procura por uma abordagem sistémica focada no entendimento que evoluiu em conjunto com o rápido progresso das ciências naturais.

 

Andrew Sheng é membro do Asia Global Institute da Universidade de Hong Kong e do Conselho Consultivo de Finanças Sustentáveis da UNEP. Xiao Geng, presidente do Hong Kong Institution for International Finance, é professor na Universidade de Hong Kong.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org

Tradução: Ana Laranjeiro

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