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09 de Maio de 2017 às 14:00

O bluff do proteccionismo

Os políticos europeus devem ignorar os ruídos proteccionistas vindos da administração de Trump e concentrar-se na defesa do actual sistema de comércio global e da ordem internacional liberal.

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A maioria das análises sobre a globalização nos últimos anos focou-se nos seus problemas, como o declínio dos níveis de comércio e o abandono de acordos de comércio "mega-regionais". De facto, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, abandonou a Parceria Transpacífico (TPP) - um acordo comercial entre uma dúzia de países do Pacífico, incluindo Estados Unidos e Japão; e as negociações sobre a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) entre os EUA e a União Europeia pararam.

 

Mas as manchetes podem ser enganosas. Embora novos acordos comerciais possam provocar controvérsia, é altamente improvável que o proteccionismo venha a prevalecer. Isso é verdade mesmo nos Estados Unidos, onde Trump foi eleito com a promessa de ter uma postura dura para com os principais parceiros comerciais, como o México e a China. Até agora, o governo Trump não tomou nenhuma medida que sugira que uma nova era de proteccionismo esteja próxima. E na Europa, os benefícios da abertura económica foram amplamente reconhecidos e as negociações de um acordo de livre comércio com o Japão estão em andamento.

 

A maioria dos países desenvolvidos continua bastante aberta hoje, e esse padrão deverá continuará. Uma nova onda de apoio às políticas proteccionistas exigiria uma coligação de poderosos grupos de interesse para organizar uma campanha destinada a mudar o status quo. Com tarifas médias a níveis insignificantes (abaixo de 3% tanto para os EUA como para a UE), quem apoiaria a pressão por barreiras maiores?

 

No passado, coligações de trabalhadores e capitalistas da mesma indústria exerceriam pressão para obter protecção. Os seus interesses estavam alinhados, porque tarifas mais altas permitiriam que os trabalhadores exigissem salários mais altos, enquanto os capitalistas poderiam ter lucros ainda maiores devido à ausência de concorrência estrangeira. A infame Tarifa Smoot-Hawley de 1930, que muitos acreditam ter ajudado a precipitar a Grande Depressão, foi o resultado de tal lóbi.

 

Hoje, porém, os interesses dos trabalhadores e dos capitalistas não estão mais alinhados. A maioria da produção é agora dominada por empresas multinacionais que operam instalações em muitos países. Isto é particularmente evidente na China, onde empresas americanas e europeias fizeram enormes investimentos. Qualquer política que prejudique a economia chinesa vai prejudicá-los também.

 

Empresas de capital estrangeiro representam cerca de metade das exportações da China; e as empresas dos EUA são as maiores investidoras do país. Assim, se Trump levar por diante a sua promessa de campanha de impor uma tarifa de importação de 45% sobre os produtos chineses (provavelmente violando as regras da Organização Mundial do Comércio), infligiria um grande golpe nos lucros das multinacionais norte-americanas. Isso explica por que é que a maior parte da retórica proteccionista da administração vem de Trump e de alguns dos seus conselheiros académicos, e não dos CEO experientes que ocupam posições-chave no governo.

 

Outra grande diferença hoje é que muitas empresas fazem parte das cadeias de valor globais, onde os bens são montados em países como o México ou a China a partir de componentes importados, sendo que muitos dos mais sofisticados vêm dos EUA. Se esses países também impuserem restrições sobre as importações norte-americanas, as empresas dos Estados Unidos que exportam esses componentes seriam penalizadas, assim como as empresas que recebem direitos sobre a propriedade intelectual usada no exterior.

 

Aqueles que querem ter uma "postura dura" para com a China ou o México afirmam que o seu objectivo é convencer as empresas norte-americanas a fazerem os seus produtos totalmente nos EUA. Mas a montagem é geralmente uma actividade de baixa qualificação e baixo salário no final da cadeia de valor. Assim, implementar uma tarifa  sobre bens produzidos na China só resultaria numa mudança das operações de montagem para outro país com baixos salários, e não de volta para os EUA.

 

O mesmo pode dizer-se em relação ao México. Retirar os EUA do Tratado de Livre Comércio da América do Norte não resultaria na criação de empregos altamente remunerados nos EUA. É importante notar que os sindicatos dos EUA que se opuseram ao NAFTA há 20 anos não apoiaram as ameaças de Trump contra o México.

 

A Presidência concede a Trump poder considerável para moldar a política comercial, de modo que não se pode ignorar a possibilidade de ele implementar medidas proteccionistas para apaziguar os seus partidários. Mas, em última instância, não há um apoio amplo nos EUA para um retorno às fronteiras fechadas.

 

Ao mesmo tempo, a Europa tem caminhado na direcção oposta. As multinacionais europeias também têm grandes participações na economia chinesa, e as exportações da UE para a China e outros mercados emergentes são agora quase o dobro das dos EUA. Muitos europeus vêem o comércio como uma oportunidade, e não como uma ameaça ao emprego; e mesmo os mais convictos opositores da globalização mostram pouco apetite por mais proteccionismo.

 

Ainda assim, se há pouco apoio para reverter o livre comércio hoje em dia, porque é que há tanta oposição vocal aos grandes acordos comerciais? Nos EUA, os salários dos trabalhadores da indústria estão estagnados há muito tempo, e as oportunidades de emprego no sector caíram rapidamente. Como essas tendências coincidiram com altos défices comerciais, as duas questões tornaram-se politicamente relacionadas, embora a maioria dos estudos mostre que a automação tem sido um factor muito mais importante no declínio da proporção da indústria no emprego global.

 

A indústria na Europa está melhor do que nos EUA. Mas ainda há protestos contra o TTIP - e, em menor grau, contra o recente acordo comercial da UE com o Canadá - porque alguns se opõem a "novos" acordos que supostamente subordinam as normas e regulamentações locais às de parceiros comerciais. Os grandes acordos comerciais muitas vezes introduzem novas exigências de saúde e segurança que têm muito mais relevância política do que cortes em tarifas já baixas. Os países do norte da Europa, em particular, valorizam os seus padrões locais e desprezam a ideia de comer frango desinfectado com cloro ou frutas e legumes geneticamente modificados, mesmo que não haja provas científicas de que esses métodos de produção representam uma ameaça para a saúde.

 

Mas a impopularidade dos acordos comerciais mega-regionais nas economias avançadas não implica um amplo apoio ao retorno ao proteccionismo. A "teoria da bicicleta" da liberalização do comércio – de que entrará em colapso a menos que continue a avançar - está errada. Os políticos europeus devem ignorar os ruídos proteccionistas vindos da administração de Trump e concentrar-se na defesa do actual sistema de comércio global e da ordem internacional liberal.

 

Daniel Gros é director do Centro de Estudos Políticos Europeus.

 

Copyright: Project Syndicate, 2017.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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