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09 de Março de 2007 às 13:59

Xangai e mais além

Os safanões da Bolsa de Xangai representam uma preocupação menor para os dirigentes chineses bem mais atormentados pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento económico seguido desde os anos 80, como constatou, uma vez mais, o primeiro-ministro, Wen Jia

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A quebra de 8,8 por cento no índice da principal bolsa chinesa a 27 de Fevereiro, foi motivada por boatos quanto à imposição de uma taxa de 20 por cento sobre lucros de transacções em bolsa e a abertura de inquéritos a empréstimos bancários para investimentos bolsistas, mas acabou por ser rapidamente contida.

A maior quebra numa década em Xangai atingiu Shenzhen, que sofreu uma baixa de 9,3 por cento, e propagou-se pelos mercados internacionais, mas as causas para as correcções bolsistas em Nova Iorque ou Tóquio encontravam-se bem longe da China a começar, sobretudo, pelos sinais crescentes de abrandamento da economia norte-americana.

A capitalização da Bolsa de Xangai equivale a cinco por cento da nova-iorquiana e tem, necessariamente, um peso internacional muito limitado, tanto mais que os investidores estrangeiros enfrentam grandes limitações na aquisição das principais acções denominadas em yuans.

A nível interno a importância das Bolsas de Xangai e Shenzhen, estabelecidas apenas em 1990 é, também, reduzida. O índice de Xangai aumentou 130 por cento em 2006, mas, anteriormente, não acompanhara, nem suportara o crescimento económico por as empresas chinesas se financiarem essencialmente junto da banca.

A especulação bolsista em Xangai e em Shenzhen, que listam 1.400 empresas com uma capitalização de 1,4 triliões de dólares, manter-se-á, provavelmente, em alta este ano, mas bastante condicionada pelo curso da Bolsa de Hong Kong e a cotação do yuan em lenta valorização face ao dólar desde Julho de 2005.

As declarações de Wen Jiabao de que o crescimento económico da China deverá quedar-se em 2007 pelos oito por cento – meta idêntica às falhada previsões dos últimos dois anos passado que acabaram por ver o PIB crescer 10,7 por cento (2006) e 10,2 por cento (2005) – e a expectativa de uma taxa de inflação rondando os três por cento são razões mais do que suficientes para não desanimar os alentos especulativos e mobilizar uma parte cada vez maior dos cerca de dois triliões de dólares depositados com uma taxa de remuneração de apenas dois por cento nos pouco confiáveis bancos chineses.

Um modelo de crescimento esgotado

O grande objectivo do plano quinquenal 2006-2010 passa por criar uma "sociedade harmoniosa", ou seja, obviar à crescente desigualdade social.

O rendimento anual per capita de 60 por cento dos 1 300 milhões de chineses, residentes nas regiões atrasados do interior, era, conforme os dados oficiais de 2005, data da adopção do plano harmonioso, inferior a 300 dólares face a uma média nacional próxima dos 2000 dólares.

O esforço de promoção das regiões do interior, cada vez mais deprimidas à medida que diminui a produtividade agrícola, tem tido resultados muito limitados ainda que o governo afirme ter conseguido aumentar os rendimentos rurais em 7,4 por cento no ano passado. A população rural em situação de pobreza absoluta cifrar-se-ia, actualmente, em 23 milhões e 650 mil pessoas.

As expropriações de terras que afectaram cerca de 50 milhões de camponeses têm vindo a provocar crescentes motins e revoltas (87 mil incidentes no ano passado), e, consequentemente, o governo de Pequim propõe-se este ano aumentar em 15,3 por cento os investimentos nas áreas afastadas do boom costeiro para um total de 50,6 mil milhões de dólares.

O esforço financeiro implica que o défice orçamental não ultrapasse 1,1 por cento do PIB (31,5 mil milhões de dólares), depois de em 2006 ter ficado pelos 1,3 por cento, mas o crescimento económico continuará a assentar nas exportações que no ano passado garantiram um excedente comercial de 177,5 mil milhões de dólares.

Pequim pretende dinamizar o consumo interno (ainda inferior a 55 por cento do PIB) e, ao uniformizar os impostos sobre lucros em 25 por cento, porá fim ao regime favorável que taxava nas regiões desenvolvidas as empresas chinesas a 33 por cento e os investimentos estrangeiros numa faixa entre dez e 13 por cento de modo a reorientar a entrada de capital do exterior para sectores de maior valor tecnológico.

Os 60 mil milhões de dólares anuais de investimento vindo do exterior asseguram 80 por cento das exportações de maior valor tecnológico e a taxa de dependência de tecnologias estrangeiras cifra-se nos 60 por cento, no cálculo do chefe do Centro de Pesquisa Económica do Comité Central do PC chinês, Li Lianzhong.

Menos de 1/5 das exportações chinesas podem ser classificadas como produtos de alta tecnologia e a criação de emprego para 900 milhões de pessoas em idade laboral, segundo as previsões para 2020, não pode ser assegurada pelo sector exportador.

Os dirigentes chineses visam reduzir a dependência do comércio externo através do aumento do consumo interno, superar a subalternidade tecnológica, diminuir as assimetrias regionais e sociais, contendo o desemprego urbano em 4,6 por cento, sem contar com a mão-de-obra flutuante vinda dos campos que ultrapassa os 150 milhões de emigrantes internos, mas deparam-se com um obstáculo de monta.
    
A catástrofe ecológica

O crescimento sob a palavra de ordem de Deng Xiaoping "enriquecer é glorioso!" gerou uma catástrofe ecológica inaudita.

A China tornou-se no segundo maior emissor de gases com efeito de estufa, após os Estados Unidos e, segundo as previsões da Agência Internacional de Energia, a manterem-se os actuais padrões de consumo, alcançará os valores norte-americanos dentro de dois anos.

Os níveis de eficiência energética são baixíssimos e todos os indicadores ambientais negativos.
Das 20 cidades mais poluídas do mundo, 16 são chinesas. As águas de 70 por cento dos rios do país estão poluídas, 300 milhões de pessoas não têm acesso a água potável e apenas 25 por cento das águas residuais domésticas são tratadas. As reservas de água serão insuficientes para prover às necessidades em 2030 quando a população total atingir 1,6 mil milhões de pessoas.

As chuvas ácidas atingem um terço do país. A desflorestação e erosão dos solos afectam 37 por cento do território. A superfície de terras aráveis é cada vez menor e aproxima-se perigosamente dos 120 milhões de hectares, absolutamente insuficientes para prover às necessidades agrícolas.
Os danos ambientais, segundo estudos diversos, podem corresponder a valores entre 7 a 20 por cento do PIB.

O objectivo estabelecido pelo governo de Pequim para 2006 previa uma redução de 4 por cento do consumo de energia por unidade do PIB, mas, apesar de ter sido conseguida pela primeira vez uma diminuição de gastos energéticos, não chegou a ultrapassar os 1,2 por cento.

O objectivo de uma redução de 20 por cento estabelecido no plano quinquenal é assim cada vez mais difícil de alcançar e a prevista diminuição de 2 por cento nas emissões poluentes em 2006 revelou-se outro desiderato falhado.
                    
O proteccionismo que aí vem

Em Washington, os democratas, com a senadora Hillary Clinton à cabeça, bem podem alarmar-se com os safanões da Bolsa de Xangai e considerar que os investimentos estrangeiros em títulos do tesouro norte-americanos – que aumentaram 17 por cento durante a administração Bush à medida que as emissões subiam de 2,96 triliões para 4,32 triliões de dólares – tornam os Estados Unidos "reféns de decisões económicas tomadas em Pequim, Xangai e Tóquio".

O secretário do Tesouro, Henry Paulson, continuará a responder que os bancos centrais e investidores internacionais que detêm 51 por cento dos títulos, com o Japão e a China à cabeça (644 mil milhões e 350 mil milhões de dólares, respectivamente) apenas demonstram a sua confiança na saudável economia norte-americana, enquanto Ben Bernanke assegura que a Reserva Federal dispõe de meios suficientes para influenciar significativamente os mercados monetários. 

A próxima administração, democrata ou republicana, pressionada pelo Congresso será, muito provavelmente, mais proteccionista e menos complacente com o défice comercial de 232,5 mil milhões de dólares nas transacções com a China.

Será mais um problema para Pequim, mas a crescente conflitualidade social e as expectativas frustradas das regiões deprimidas continuarão a representar a maior das preocupações para os dirigentes comunistas da China.

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