Opinião
Vítimas da tempestade que ajudaram a criar
A descida que se anuncia do "rating" de 15 países europeus mostra bem que os mercados e as agências de "rating" não estão a acreditar na receita da chanceler Merkel. A ideia de que a crise da Zona Euro é o merecido castigo de países que se portaram mal cai por terra quando nem os supostos países virtuosos conseguem colocar a sua divida, ou escapar a cortes de "rating".
Numa cimeira em que a Europa entrou à beira de um ataque cardíaco, em vez da sala de urgência e de uma injecção monetária, Merkel disse para o paciente voltar em Março para lhe receitar que no futuro beba mais água, tenha uma alimentação saudável e sofra castigos se fumar mais de um cigarro por dia, ou tiver défices acima dos 0,5% do PIB. Nada disto convenceu ninguém.
No final desta cimeira fica a pergunta: o aprofundamento da crise da Zona Euro decorre do excesso de endividamento dos países que a compõem ou da má gestão política que Merkel está a impor? Irlanda, Portugal, Itália e Espanha estão a pagar pelos seus erros e irresponsabilidade ou estão a ser vítimas de um contágio que devia ter sido estancado na Grécia?
Quando se compara os dados da Zona Euro com os dos EUA, Japão ou Reino Unido, é fácil verificar que a Zona Euro não se distingue com piores indicadores, nem se distingue por ter tido um comportamento mais irresponsável nos últimos anos – ver quadro. Pelo contrário, o nível de endividamento da Zona Euro é inferior ao do Japão e dos EUA, e a Zona Euro apresenta um equilíbrio externo que falta aos EUA e ao Reino Unido (ambos com necessidades liquidas de financiamento externo importantes). O mesmo quando se compara o comportamento nos últimos anos, em que o endividamento e a despesa pública (em percentagem do PIB) subiram mais no Japão, EUA e Reino Unido do que na Zona Euro.
EUA, Reino Unido e Japão tiveram mesmo uma evolução pior comportada do que alguns dos PIIGS, incluindo Portugal, no que toca ao aumento da despesa, e ao nível de endividamento.
Se não é o stock de dívida, nem o comportamento particularmente irresponsável dos últimos anos que distinguem a Zona Euro das outras economias desenvolvidas, têm de ser outros factores a fazer com que os mercados estejam a perder a confiança em todos os países da Zona Euro, mas mantenham confiança na divida Inglesa, americana ou japonesa.
A diferença parece estar na desunião política, de lideranças que se têm fixado mais em atribuir culpas e castigos do que em resolver problemas. Está também na contracção monetária que tem estado a ser seguida, que contrasta com as políticas de expansão monetária e desvalorização dos EUA e Reino Unido. Está também na falta de instrumentos fortes de actuação no mercado da dívida e na garantia como financiador de último recurso que o BCE devia assumir, mas não pode. Por fim, está ainda na falta de programas de estímulo ao crescimento, e no acentuar de políticas recessivas a ser seguidas mesmo por Estados como a Alemanha, que têm saldos externos bastante elevados.
Em vez de corrigir estas diferenças, a actual liderança alemã, recusa-se a considerar alterar aspectos-chave, como a emissão de Eurobonds ou a capacidade do BCE de comprar dívida soberana dos membros da Zona Euro, e centrou as suas exigências em aumentar as penalizações dos Estados que, no futuro, não cumpram objectivos orçamentais mais apertados. As exigências alemãs não estão, em si, erradas, embora talvez sejam exageradas, e a sua imposição pouco democrática. Mas o seu maior problema é pouco contribuem para resolver a actual crise.
O arrastar da crise das dívidas soberanas já levou a perdas de produção em toda a União Europeia superiores a toda a dívida grega. O custo e os riscos continuam a aumentar.
A via castigadora liderada por Merkel, com a justificação de ganhar a credibilidade dos mercados, tem o defeito de estar totalmente descredibilizada. Os mercados não acreditam na pobreza das soluções propostas. As agências de "rating" também não. Os próprios alemães e franceses cada vez acreditam menos nos seus líderes, que parecem ser as próximas vítimas eleitorais da tempestade que ajudaram a criar.
Departamento de Economia da Universidade do Minho
Assina esta coluna quinzenalmente à quinta-feira. Excepcionalmente, é publicada hoje.
No final desta cimeira fica a pergunta: o aprofundamento da crise da Zona Euro decorre do excesso de endividamento dos países que a compõem ou da má gestão política que Merkel está a impor? Irlanda, Portugal, Itália e Espanha estão a pagar pelos seus erros e irresponsabilidade ou estão a ser vítimas de um contágio que devia ter sido estancado na Grécia?
EUA, Reino Unido e Japão tiveram mesmo uma evolução pior comportada do que alguns dos PIIGS, incluindo Portugal, no que toca ao aumento da despesa, e ao nível de endividamento.
Se não é o stock de dívida, nem o comportamento particularmente irresponsável dos últimos anos que distinguem a Zona Euro das outras economias desenvolvidas, têm de ser outros factores a fazer com que os mercados estejam a perder a confiança em todos os países da Zona Euro, mas mantenham confiança na divida Inglesa, americana ou japonesa.
A diferença parece estar na desunião política, de lideranças que se têm fixado mais em atribuir culpas e castigos do que em resolver problemas. Está também na contracção monetária que tem estado a ser seguida, que contrasta com as políticas de expansão monetária e desvalorização dos EUA e Reino Unido. Está também na falta de instrumentos fortes de actuação no mercado da dívida e na garantia como financiador de último recurso que o BCE devia assumir, mas não pode. Por fim, está ainda na falta de programas de estímulo ao crescimento, e no acentuar de políticas recessivas a ser seguidas mesmo por Estados como a Alemanha, que têm saldos externos bastante elevados.
Em vez de corrigir estas diferenças, a actual liderança alemã, recusa-se a considerar alterar aspectos-chave, como a emissão de Eurobonds ou a capacidade do BCE de comprar dívida soberana dos membros da Zona Euro, e centrou as suas exigências em aumentar as penalizações dos Estados que, no futuro, não cumpram objectivos orçamentais mais apertados. As exigências alemãs não estão, em si, erradas, embora talvez sejam exageradas, e a sua imposição pouco democrática. Mas o seu maior problema é pouco contribuem para resolver a actual crise.
O arrastar da crise das dívidas soberanas já levou a perdas de produção em toda a União Europeia superiores a toda a dívida grega. O custo e os riscos continuam a aumentar.
A via castigadora liderada por Merkel, com a justificação de ganhar a credibilidade dos mercados, tem o defeito de estar totalmente descredibilizada. Os mercados não acreditam na pobreza das soluções propostas. As agências de "rating" também não. Os próprios alemães e franceses cada vez acreditam menos nos seus líderes, que parecem ser as próximas vítimas eleitorais da tempestade que ajudaram a criar.
Departamento de Economia da Universidade do Minho
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