Opinião
Verdade exigente e impostura balofa
(Onde o autor, tendo escutado o discurso de Obama sobre o Estado da União bem como a entrevista de Geithner em Davos a Charlie Rose, e com estupefacção crescente a arenga do PM na Assembleia da República, conclui que a verdadeira pobreza de Portugal não está na falta de recursos naturais nem na sua situação periférica, mas no miserabilismo alta velocidade dos seus dirigentes).
Pessoalmente, sou fã de Obama, cuja empatia, oratória e pragmatismo idealista (uma contradição apenas aparente) me recordam fortemente o inexcedível Ronald Reagan, como já aqui escrevi (doutamente). Esta semelhança quanto à postura, já a vi referida várias vezes, ainda esta semana de novo na "Time", o que só pode constituir um bom prenúncio para os Estados Unidos porque, independentemente das clivagens e das oposições, o caminho que segue é, acima de tudo, do êxito do país, que arrouba empolgantemente. É do estilo que pergunta o que cada um pode fazer pela pátria, liderando e alistando os cidadãos a quem se dirige, descrevendo as situações, mesmo as mais delicadas e adversas, com verdade nua e crua, o que lhe permite apontar desígnios e rumos.
Particularmente notável achei o apelo ao empreendedorismo, aliás, a massa que fez a América, e que um homem dito de esquerda - a esquerda por lá é mais liberal que muita direita de cá - lance o apelo primeiro às forças que desenvolvem a economia e criam emprego (cá, parece que são as empresas públicas). Joe Klein, na referida "Time", até qualificou o discurso de conservador, mas que importam os "ismos" quando as empreitadas são para serem efectivas antes de tudo. Galvanizando em época de dificuldade e regressão relativa para a América, lembrou, finalmente, que foi outrora com o desaire e a ameaça do Sputnik que, por isso mesmo, se caminhou para a Lua. Foi um discurso de verdade nua, crua e dura para daí chegar à confiança no futuro.
Apreciei igualmente, agora num registo totalmente despojado de retórica, a entrevista que referi de Timothy Geithner. Para os esquecidos, o Teixeira dos Santos deles (nota: como achei a prosa até aqui muito densa, este "intermezzo" foi para descomprimir e ir à casa de banho). Mais uma vez, um fluxo verbal cheio de factualidade fria, sem subterfúgios fátuos, antes fazendo os pontos de reflexão incidirem no difícil e importante, e admitindo sem complexo o que estava correndo mal e os pontos de preocupação. Falou de défice, dívida e desemprego, com o desapego de um analista e não de um político em permanente derrapagem, explicativa e orçamental, com tendência para a ficção científica. No final, a nota sobriamente optimista com suporte factual e argumentativo indesmentível, ficando-se com a segurança que a luz ao fundo do túnel, nos Estados Unidos, não é como em Portugal cortada por falta de verba para electricidade.
Estava eu reconciliado com a política, após estas nossas deploráveis eleições de vitríolo, difamação e azedume, quando tive a infeliz ideia de ouvir o execrável Sócrates no debate quinzenal da Assembleia da República, sem dúvida denunciando uma preocupante tendência masoquista, porque ainda não consigo ouvir o homem levando para a boa disposição os números que exibe.
O excerto que me assombrou ocorreu quando veio ao debate um relatório do FMI em que a instituição duvidava de que Portugal conseguisse alcançar o défice estimado para 2012, bem como para os anos seguintes. Eu bem compreendo que qualquer político lutasse pela sua dama e defendesse, até em sonata, a bondade da sua contabilidade e capacidade previsional. Mas com Sócrates isso seria pedir o impossível, e assim passou imediatamente ao contra-ataque apopléctico, dizendo que não tinha lições a receber da dita instituição - ele que até o "Borda dÀgua" lhe daria jeito consultar mais vezes - e avançou, preto no branco, para tudo sair mais colorido, que o défice de 2010 ia ser cumprido por excesso (hosana, Fundo de pensões da PT), que o País estava a crescer (os vígaros do INE dizem que o 4.º trimestre foi de contracção) e que a execução orçamental ia sair exacta (como se tem visto de mês para mês).
Um vendedor de carros em 2.ª mão do tipo casaco aos quadrados e gravata roxa diz o que diz porque pressupõe a ignorância do interlocutor. O modo como o PM trata o País é insultuoso, nunca diz a verdade e, por isso, nunca nos fará ver a luz ao fundo do túnel. Então, não há saída para a crise? Com esta gente, há, sim, mas é de Vilar Formoso em diante.
Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
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Particularmente notável achei o apelo ao empreendedorismo, aliás, a massa que fez a América, e que um homem dito de esquerda - a esquerda por lá é mais liberal que muita direita de cá - lance o apelo primeiro às forças que desenvolvem a economia e criam emprego (cá, parece que são as empresas públicas). Joe Klein, na referida "Time", até qualificou o discurso de conservador, mas que importam os "ismos" quando as empreitadas são para serem efectivas antes de tudo. Galvanizando em época de dificuldade e regressão relativa para a América, lembrou, finalmente, que foi outrora com o desaire e a ameaça do Sputnik que, por isso mesmo, se caminhou para a Lua. Foi um discurso de verdade nua, crua e dura para daí chegar à confiança no futuro.
Estava eu reconciliado com a política, após estas nossas deploráveis eleições de vitríolo, difamação e azedume, quando tive a infeliz ideia de ouvir o execrável Sócrates no debate quinzenal da Assembleia da República, sem dúvida denunciando uma preocupante tendência masoquista, porque ainda não consigo ouvir o homem levando para a boa disposição os números que exibe.
O excerto que me assombrou ocorreu quando veio ao debate um relatório do FMI em que a instituição duvidava de que Portugal conseguisse alcançar o défice estimado para 2012, bem como para os anos seguintes. Eu bem compreendo que qualquer político lutasse pela sua dama e defendesse, até em sonata, a bondade da sua contabilidade e capacidade previsional. Mas com Sócrates isso seria pedir o impossível, e assim passou imediatamente ao contra-ataque apopléctico, dizendo que não tinha lições a receber da dita instituição - ele que até o "Borda dÀgua" lhe daria jeito consultar mais vezes - e avançou, preto no branco, para tudo sair mais colorido, que o défice de 2010 ia ser cumprido por excesso (hosana, Fundo de pensões da PT), que o País estava a crescer (os vígaros do INE dizem que o 4.º trimestre foi de contracção) e que a execução orçamental ia sair exacta (como se tem visto de mês para mês).
Um vendedor de carros em 2.ª mão do tipo casaco aos quadrados e gravata roxa diz o que diz porque pressupõe a ignorância do interlocutor. O modo como o PM trata o País é insultuoso, nunca diz a verdade e, por isso, nunca nos fará ver a luz ao fundo do túnel. Então, não há saída para a crise? Com esta gente, há, sim, mas é de Vilar Formoso em diante.
Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
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