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16 de Julho de 2012 às 23:30

Uma réstia de esperança

Passou um ano desde que iniciámos o cumprimento do programa que os credores nos impuseram. Nem vale a pena recordar que, ao lê-lo pela primeira vez, fiquei com a sensação de que a vertente punitiva era superior à eficácia da sua concretização.

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Passou um ano desde que iniciámos o cumprimento do programa que os credores nos impuseram. Nem vale a pena recordar que, ao lê-lo pela primeira vez, fiquei com a sensação de que a vertente punitiva era superior à eficácia da sua concretização. Que a solidariedade europeia estava cativa de egoísmos nacionais e dos enormes interesses, agora chamados mercados, que a globalização desencadeou.

Este trabalho de Sísifo prossegue com a sensação de que quanto mais nos sacrificamos mais vamos empobrecendo e que, mesmo que o grande objectivo venha a ser cumprido, a consolidação orçamental e o acesso aos mercados financeiros, quando lá chegarmos estaremos exaustos, mais pobres e com a sociedade mais descrente e ainda mais bipolarizada.

O que pode ser uma satisfação para os inventores desta fórmula de fazer de uma acelerada austeridade, a generalização do empobrecimento e deste um ponto de partida para o crescimento, constitui uma decepção para os que pensam existir alternativas ou, pelo menos, que se torna imperativo pensar diferente dessa obsessiva ortodoxia que nos conduz à depressão económica e social.

Para os primeiros valeu a pena mesmo que ‘o cavalo tenha ficado seriamente estropiado’, para os outros continua a ser necessário pensar em medidas que viabilizem o crescimento e ponham um travão ao aumento do desemprego. Precisamos de uma nova agenda política que nos afaste da depressão colectiva a que estamos a ser conduzidos: que se crie a ideia de que é possível dar a volta fora de uma receita estritamente financeira, que é possível sair deste percurso doloroso, a vários títulos perigoso, que temos vindo a trilhar. É possível ter esperança sem ser necessário viver um dia de cada vez. Antes que a paciência se esgote e os limites sejam atingidos; antes que o tecido social esgarce.

Em boa verdade só tem existido um programa e só existe uma estratégia: a que está inscrita no MoU da Troika. Para essa, no quadro em que nos encontramos não há alternativa e vamos mesmo ter de engolir o líquido do cálice até à última gota. Mas há, inevitavelmente, um depois. E vai ser necessário que a sociedade, os empresários, os trabalhadores, todas as instituições, incluindo o Estado, saibam qual o seu lugar e o que deve ser o seu desempenho.

Por mais que nos digam que o êxito não tarda, está mesmo ao virar da esquina, que é só um momento, vale mais prevenir do que remediar. É que o Governo parece esgotado, agarrando-se e repetindo a mesma fórmula, como um disco riscado, sem imaginação para ir mais longe, nem capacidade para promover a ideia de que no futuro é possível fazer diferente; algo que alivie os portugueses, lhes traga uma réstia de esperança e assinale uma luz ao fundo do túnel sem mais Troika nem mais humilhações.

E, por isso, são cada vez mais as vozes que emergem da sociedade, organizadas ou não, que reclamam e propõem outras soluções. A última iniciativa de que tive conhecimento foi protagonizada pela AIP e reúne 50 personalidades. A "Missão Crescimento"(1) vai prosseguir os seus trabalhos em Setembro. Por esse País fora dezenas de iniciativas estão em curso. A todas move o mesmo propósito: apresentar alternativas para o futuro do País que permitam superar o estado de indiferença e anemia a que chegámos.

Urge produzir agora um movimento que se empenhe em federar esses esforços dando-lhe um sentido verdadeiramente nacional para que aquela réstia de esperança se venha a poder concretizar.


(1) Iniciativa do Fórum de Administradores de Empresas, das Ordens dos Engenheiros e dos Economistas, com o Projecto Farol (Deloitte) e a CIP.

Economista. Professor do ISEG/UT
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