Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
05 de Agosto de 2010 às 12:48

Uma ausência não anunciada

A ausência injustificada de um colaborador pode causar prejuízos a uma empresa e aumentar os riscos do negócio. Saiba como lidar com estas situações.

  • ...
Em época de crise e com a elevada taxa de desemprego a fazer as manchetes na imprensa, comparecer ao trabalho com assiduidade e pontualidade é um dever cujo cumprimento se revela essencial para manter os respectivos postos de trabalho e os níveis de produtividade das empresas, pois tempo é dinheiro. Todos sabemos que, em Portugal, constitui um verdadeiro desafio cumprir horários, uma vez que, contrariamente ao que sucede noutras culturas, a nossa cultura temporal é policrónica (o tempo tem natureza ajustável ao sabor dos acontecimentos), mas há que fazer um maior esforço em tempos difíceis.

A importância da assiduidade dos trabalhadores está reflectida em diversas normas do Código do Trabalho (CT) que colocam à disposição dos empregadores medidas para fazer face às ausências dos trabalhadores que não tenham subjacente uma motivação verídica, comprovável e/ou legalmente atendível (faltas injustificadas). Tais medidas consistem, essencialmente, na perda de retribuição e de antiguidade, afastamento do direito à majoração das férias, recusa da prestação de trabalho (por exemplo, no caso de atrasos superiores a 30 e 60 minutos), ou aplicação de sanções adequadas e proporcionais, incluindo despedimento com justa causa antecedido do respectivo processo disciplinar (por exemplo, em caso de cinco faltas injustificadas seguidas, dez interpoladas em cada ano civil, ou independentemente do seu número, a falta determinar prejuízos/riscos graves para a empresa).

Ora, tais medidas revelam-se inadequadas e pouco práticas nos casos em que se sabe de antemão que não constitui intenção do trabalhador regressar ao seu local de trabalho, pelo que foi introduzida no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de cessação do contrato de trabalho pelo empregador com fundamento em abandono do trabalho sem qualquer complexidade procedimental ou custos significativos.

O abandono do trabalho pode ser invocado pelo empregador por duas vias. Num primeiro caso, decorridos dez dias úteis seguidos de ausência voluntária e injustificada do trabalhador. Neste caso, trata-se de uma presunção legal, a qual não poderá verificar-se caso o empregador conheça os motivos da não comparência ao serviço, uma vez que a comunicação de ausência pode ser expressa ou tácita.

Acresce que o trabalhador pode ilidir a referida presunção mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa de ausência. Tal prova deverá ser idónea e suficientemente convincente, ou seja, não pode haver uma mera indicação da razão da ausência, estando o trabalhador obrigado a evidenciar que não foi possível comunicar a sua ausência ao empregador por motivos de força maior.

Noutra situação, o abandono do trabalho pode ser invocado pelo empregador ainda antes de decorridos os dez dias da referida ausência, desde que seja acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam, de imediato, a intenção do trabalhador não retomar o serviço (por exemplo, a aceitação pelo trabalhador de outro emprego, cabendo ao empregador o ónus da prova).

O abandono do trabalho vale legalmente como denúncia do contrato de trabalho, embora não se deva confundir com a denúncia em sentido próprio (cessação por iniciativa do trabalhador com aviso prévio e independentemente de motivo). Ocorre que o empregador só poderá invocar tal denúncia após comunicação ao trabalhador contendo os factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo (alteração introduzida pelo CT de 2009), mediante carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida do trabalhador.

A eficácia desta comunicação é receptícia, ou seja, só se torna eficaz após chegar ao poder do trabalhador. Esta comunicação também é considerada eficaz se só por culpa do trabalhador não foi por ele recebida. Note-se, inclusivamente, que, após o envio desta comunicação, o empregador deverá disponibilizar para levantamento do trabalhador eventuais créditos laborais devidos e o certificado de trabalho.

Não obstante a obrigatoriedade da recepção da referida comunicação pelo trabalhador, considera-se que o contrato cessou na data correspondente ao início da ausência do trabalhador (por exemplo, para cálculo de eventuais créditos laborais), uma vez que a comunicação do empregador é somente de natureza procedimental para confirmar a cessação do contrato por iniciativa do trabalhador.

O trabalhador fica, assim, obrigado a indemnizar o empregador, de imediato e independentemente da sua conduta ter originado qualquer dano, no valor da retribuição base e diuturnidades correspondentes ao tempo de aviso prévio que seria exigível ao trabalhador caso tivesse procedido à denúncia do contrato em sentido próprio sem observância do aviso prévio.

O empregador apenas terá de recorrer à via judicial se pretender, para além da referida indemnização, que o trabalhador compense prejuízos excedentes decorrentes da cessação súbita do contrato (por exemplo, a saída do trabalhador originou a paralisação de uma linha de produção ou obstou à realização de um negócio) ou decorrentes da obrigação assumida em pacto de permanência.

Neste âmbito, o legislador parece ter reconhecido a importância das habilidades, conhecimentos, atitudes, comportamentos, experiências e motivações dos trabalhadores para as empresas e os custos envolvidos nos processos de gestão de cada empresa que visa conseguir através dos trabalhadores e de outros recursos que as coisas sejam feitas, de modo eficiente e eficaz.O estabelecimento e criação de um manual de procedimentos, que caracterize e tipifique os comportamentos permitidos pela empresa ao nível de pontualidade e assiduidade serão certamente um mecanismo de entendimento comum e prevenção deste tipo de fenómenos.

A verdade é que este tipo de comportamentos não são tão escassos como poderemos considerar, principalmente porque em Portugal vivemos uma realidade mais liberalizada e flexível característica do nosso mercado cada vez mais terciário. Aliás, principalmente no sector secundário e no tecido produtivo, a assiduidade e pontualidade impacta grandemente na produtividade, de tal forma que muitas empresas possuem objectivos específicos neste sentido e são, inclusivamente, levadas a considerar este indicador pelas entidades certificadoras de qualidade.

No mundo actual não são apenas as crises, a concorrência e o comportamento do mercado que nos surpreende. As ausências e seus impactos também não se fazem anunciar.




Tome nota



1. O empregador pode cessar o contrato de trabalho, mediante comunicação, decorridos dez dias úteis seguidos de ausência do trabalhador, sem que tenha sido informado do motivo da ausência.
2. O trabalhador fica obrigado a indemnizar o empregador de imediato e independentemente de a sua conduta ter originado qualquer dano.
3. Inclua, no manual de procedimentos, uma área dedicada aos comportamentos de assiduidade e pontualidade aceitáveis e não aceitáveis.




*Associada da Teixeira de Freitas, Rodrigues e Associados
claudia.torres@tfra.pt

**Regional Director Hays
duarte.ramos@hays.pt





Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio