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25 de Junho de 2007 às 13:59

Um Tratado Simplificado?

Sob os auspícios da presidência alemã do Conselho da União Europeia (UE) decorreu, em 21 e 22 de Junho últimos, uma Cimeira particularmente determinante para o relançamento da União, uma vez que a atenção se centrou no Acordo sobre um novo Tratado Europeu

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Num período em que existem sinais de recuperação económica na UE, continuam a pairar sobre o processo de construção europeia fortes incertezas. A viver um verdadeiro impasse, parece consensual que esta construção – a primeira e mais notável experiência de criação de um espaço transnacional – depende, de forma vital, de uma reforma institucional da UE.

De facto, e à medida que a UE se vai alargando, torna-se cada vez mais difícil alcançar acordos, como aliás o demonstram os recentes esforços dos vinte e sete Ministros dos Negócios Estrangeiros para aproximar as posições sobre um novo Tratado.

Em Janeiro deste ano, e perante o Parlamento Europeu em Estrasburgo, a chanceler Angela Merkel havia declarado ter chegado o momento de terminar a "fase de reflexão europeia" e de, seguindo um roteiro gizado, relançar o Tratado Constitucional através de um compromisso geral até ao fim da presidência alemã. A pedido de Merkel, cada Estado-membro contribuiu para o roteiro, reflectindo sobre os problemas específicos inerentes à ratificação da nova proposta de Tratado e elaborando uma síntese com vista à conclusão do processo de reforma institucional.

Curiosamente, este propósito proclamado no início do ano por Merkel havia sido enunciado muito antes.

O projecto de Tratado Constitucional, assinado unanimemente pelos Chefes de Estado e de Governo a 29 de Outubro de 2004 – e entretanto já ratificado por 18 Estados-membros – claudicou na Primavera de 2005, com os sucessivos "não" francês e holandês.

Em Setembro de 2006, Nicolas Sarkozy – ao momento Ministro francês do Interior – propugnava a ratificação de um "Mini-Tratado" (ou, como lhe chamou, "Tratado Simplificado") que dotaria a UE, a partir de 2009, de um conjunto de "regras de funcionamento eficazes". E, afirmando ser a "única forma de salvar a Europa política", avança então com a ideia de criação de um mecanismo de maioria qualificada dos votos para alguns assuntos, em substituição da exigência de unanimidade para as decisões do Conselho de Ministros da UE. Depois, segundo Sarkozy, só um Mini-Tratado – que dotasse a União de uma "presidência estável" (em vez da presidência rotativa) e de um Ministro dos Negócios Estrangeiros comum – permitiria à UE sair da "crise profunda". Paralelamente, Sarkozy reclamava igualmente uma reforma do financiamento da UE assente nos recursos europeus e propunha alterar quer o modo de designação dos eurodeputados, quer a composição da Comissão Europeia, reduzindo o número de membros para 18, em substituição da actual regra de um comissário por Estado-membro. 
 
Além do mais, sugerindo um prévio debate entre os Estados, Sarkozy indicava um ambicioso cronograma de acção: o Tratado devia ser negociado de forma célere, cabendo à presidência alemã em 2007 a sua elaboração e à presidência francesa em 2008 a sua ratificação.

Mais recentemente, durante a campanha presidencial, Sarkozy voltou a defender a substituição do Tratado Constitucional por este Tratado Simplificado, "única forma de responder à urgente reforma da UE". Nessa ocasião revelou que esta ideia contava ainda com o assentimento de Angela Merkel, Tony Blair e Rodriguez Zapatero.

É sabido que os desafios mundiais com que a UE está hoje confrontada são substancialmente diferentes dos de há cinquenta ou mesmo vinte anos. A admirável proposta de construção europeia de Schuman, Monnet, Adenauer, de Gasperi ou Spaak exige hoje adaptações. Desde então o mundo mudou consideravelmente. Os desafios a que a Europa se encontra sujeita – em particular os associados à globalização e à livre concorrência – são hoje muito distintos dos de outrora, reivindicando de todos uma rápida e eficaz renovação, que passa por pensar a Europa de forma diferente.

Mas no epicentro dessa renovação não pode deixar de estar a célebre ideia de Monnet: o projecto de construção europeia não visa unir Estados, mas sim unir pessoas.

Ora, a este propósito não posso deixar de referir o oportuno artigo de opinião apresentado no jornal Público, no dia 15 do corrente, pelo antigo Presidente da República francês Valéry Giscard d’Estaing, intitulado "Simplificar ou mutilar o Tratado Constitucional?". Neste, Giscard d’Estaing alerta para os perigos de um "Tratado mutilado", e – referindo-se, a meu ver, também à querela relativa à força vinculativa da Carta dos Direitos Fundamentais, que transpõe a Convenção Europeia dos Direitos do Homem para a ordem jurídica da UE, completando-a com o reconhecimento de direitos económicos e sociais – deixa uma pertinente pergunta que deve convocar os europeus a uma reflexão: "a ‘simplificação’ desejada visa facilitar a ratificação dos Estados ainda reticentes ou dissimula, na realidade, uma manipulação que visa voltar atrás em relação a certos avanços do Tratado Constitucional?".

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