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15 de Maio de 2008 às 13:59

Um divórcio à portuguesa

Algo de estranho parece estar a ocorrer na relação entre o Governo e os reguladores independentes. Sem prejuízo dos planos distintos em que operam, os órgãos políticos do Estado e os reguladores não vivem normalmente de “costas voltadas”. Frequentemente,

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É assim em Portugal, país onde o poder político tem uma mão demasiado longa e a economia de mercado teima em prolongar a sua adolescência, mas também em muitos dos nossos parceiros europeus. Podemos – e devemos – discordar de muitas dessas “interferências”, mas ao menos percebe-se as razões. O mesmo já não se poderá dizer da tendência recente de ignorar os reguladores em matérias nas quais a sua intervenção não só seria desejável, como também absolutamente necessária.

Peguemos em dois exemplos muito próximos, um de amplo conhecimento público e outro que, provavelmente, virá também a sê-lo. O primeiro é o da já famosa “facturação ao segundo” das chamadas telefónicas. O segundo diz respeito aos tribunais competentes para julgar os recursos das decisões da Autoridade da Concorrência.

Ambos têm em comum o facto de o Governo se ter “esquecido” de ouvir o regulador respectivo. Em matérias nas quais o conhecimento da ANACOM e da Autoridade da Concorrência não só aconselhava, como também “exigia” que tal fosse feito. Ter-se-iam evitado certamente algumas das “peripécias” que vêm confundindo a opinião pública e, sobretudo, a “crise de credibilidade” da regulação que lhes está associada.

No que respeita à “facturação ao segundo” o que está em causa é um diploma governamental que proíbe determinadas “práticas comerciais desleais”, designadamente o chamado “arredondamento em alta do preço ou duração temporal”. Independentemente da bondade da solução que o Governo queria consagrar – e, em matéria de serviços telefónicos, a solução parece tudo menos feliz, como o exemplo espanhol tende a demonstrar, nomeadamente para os consumidores que se queixam de pagar mais agora? – se aquilo que o legislador pretendia era introduzir a chamada “facturação ao segundo” nas comunicações telefónicas deveria tê-lo feito de forma explícita, escorreita e tecnicamente fundamentada. Sobretudo, deveria ter ouvido o regulador em tempo útil. Evitava-se este “espectáculo” pouco edificante de ver o Governo a “correr atrás” do regulador e este a “correr atrás” da lei procurando encontrar uma solução técnica e economicamente sustentável, enquanto o primeiro se desdobra em iniciativas e pede pareceres à PGR para aferir da conformidade dos entendimentos do regulador?

Situação idêntica parece verificar-se com as futuras novas regras aplicáveis ao controlo judicial das decisões da Autoridade da Concorrência. Uma muito recente proposta de lei, aprovada na generalidade no Parlamento no início deste mês, vem introduzir alterações à Lei da Concorrência que implicam a atribuição de competências aos diferentes Tribunais de Comércio – e aos diferentes Tribunais da Relação – resultantes do “novo mapa judiciário”. Também aqui, para além do facto de a solução ser má (e ao arrepio da tendência dominante nos nossos parceiros europeus), se desconhece a existência de qualquer consulta ou intervenção do regulador. A qual, a ter existido, teria certamente feito o Governo pensar duas vezes antes de avançar para uma solução que vai criar muito mais problemas do que aqueles que, alegadamente, pretende resolver, ao ignorar a natureza muito especializada deste tipo de contencioso e a vantagem de “concentrar” o julgamento destas matérias num tribunal com a experiência que o Tribunal do Comércio de Lisboa entretanto adquiriu.

É verdade que aos governos se deve exigir que respeitem a independência das entidades reguladoras, mas daí a “esquecerem-se” da sua existência vai um passo que só ganharia em ser evitado?

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