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Opinião
28 de Abril de 2020 às 15:30

Um Road Map para o desconhecido

A pandemia que nos ataca não é apenas um problema de saúde pública de proporções globais é, também, a iminência da reestruturação da ordem económica global. Estaremos preparados para um "novo normal"?

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Muitas organizações espreitam o futuro e só veem o curto prazo. Outras tentam perscrutar através da incerteza, procurando um novo posicionamento para depois do fim da crise.

As primeiras, lutam desesperadamente para garantir que nada mude esgotando recursos e deprimindo as próprias organizações.

As segundas, tentam ultrapassar a angústia de não saber qual será a aparência do "novo normal" depois de virada a esquina desta incerteza.

Esta nova realidade, sem precedentes, será o palco para uma reestruturação dramática da ordem económica e social em que os negócios e a sociedade operavam tradicionalmente.

Muito brevemente estaremos envolvidos em discussões e debates sobre o que o próximo normal pode acarretar e quão diferentes são os seus contornos e as suas variáveis, daquelas que moldaram nossas vidas no passado.

Se não temos forma de antecipar o que será o "novo normal", como enfrentar a carga de incerteza? Como nos podemos guiar? A que conhecimentos podemos recorrer para enfrentar uma realidade desconhecida?

Fazer face a esta aparente incapacidade pressupõe, antes de mais, o desenho de um guião de intervenção, que nos oriente no processo e que sirva para congregar os recursos e focar na ação.

Determinação: São muitas e variadas as iniciativas postas em prática para sustentar um nível mínimo de atividade económica e social - reforço dos sistemas públicos de saúde, simplificação dos processos de lay off, incentivo ao teletrabalho, ensino à distância, etc. No entanto, infelizmente, ainda assistimos a uma combinação tóxica de inação e paralisia que, como sempre, impedem a tomada de decisões. É por isso que, num primeiro momento, se impõe definir o ritmo, a escala e a profundidade das ações que serão necessárias aos mais diferentes níveis. Este primeiro passo, independentemente da dimensão da organização, está na base de todo o processo.
Enfrentar os receios e iniciar a marcha. Podemos não saber o que nos espera, mas nisso estamos todos em pé de igualdade. Porém não o maior erro será não ter tentado.

Resiliência: A crise que vivemos tem implicações sérias na economia e no sistema financeiro. A retração económica afetou ambas as faces do mercado, na oferta e na procura, mas é justificada pela necessidade imperiosa de proteção da saúde pública.
Os líderes serão chamados a tomar decisões complexas e de difícil equilíbrio entre o económico e o social, entre o futuro da organização e as obrigações de responsabilidade social, entre as necessidades de faturação e a preservação dos níveis de reputação.
A coesão social e organizacional já estão sobre forte pressão de atitudes populistas e facilitadoras, que já existiam no passado, mas que sairão reforçadas deste processo.
Há que resistir a tentações fáceis, suportando as decisões com conhecimento técnico e científico, entendendo que não basta ter informação, é necessário agregar conhecimento ao processo de tomada de decisão.

Recomeçar. O regresso a um estado normal de operação, após o estado de quase paralisia é um enorme desafio. Reativar toda a cadeia de valor irá demonstrar que, na prática, o valor absoluto da sua cadeia é igual ao valor do elo mais fraco dessa mesma cadeia.
A reavaliação de toda o processo de criação de valor e a identificação clara desse ponto mais fraco será fulcral para garantir o sucesso do retorno à atividade, mesmo que isso aconteça a ritmos diferentes.
Por outro lado, as informações científicas disponíveis fazem-nos acreditar que, infelizmente, estamos só a viver um momento de "cessar-fogo".
Este momento será a oportunidade única para tratar de todas a suas tropas, cuidar dos feridos, reorganizar os dispositivos e planear para uma nova batalha incorporado todos os ensinamentos recolhidos no período de crise.

Recriar. A enorme escala do choque que estamos a viver está a criar disrupções nas preferências e expectativas dos indivíduos como cidadãos, funcionários e consumidores. Os próximos meses deixarão ainda mais claro as mudanças nos nossos estilos de vida, preocupações, preferências, prioridades e valores.
Porém, uma crise não revela apenas vulnerabilidades, mas, também, oportunidades para melhorar o desempenho dos negócios. Os gestores serão chamados a reavaliar todo o seu planeamento e a adaptar as decisões ao resultado do novo diagnóstico. Em muitos casos, uma estratégia de planeamento de "ground zero" demonstrar-se-á virtuosa e compensadora do investimento necessário, integrando o conhecimento mais profundo das variáveis que tornam os negócios mais resistentes a choques, mais produtivos e mais aptos a oferecer valor aos clientes.
Se até aqui, geralmente, as preocupações dos gestores se centravam na satisfação de necessidades em dois tipos de canais, B2B e B2C, chegou agora, muito mais rapidamente do que conseguíamos antecipar, a possibilidade de integrarmos, definitivamente, um novo paradigma: Independentemente da estrutura formal das entidades com quem a sua organização se relaciona, o importante são as pessoas. É com elas e para elas que trabalhamos. Chegou a era do H2H, Humanos para Humanos.

Aprender. As consequências da pandemia também proporcionarão uma oportunidade de aprender com a infinidade de inovações e experiências sociais, que vão desde o trabalho em casa, à nova utilização do espaço público, às novas regras de convivência social até à vigilância sanitária em larga escala.
O laboratório social que involuntariamente se produziu, à escala global, permitirá a compreensão de muitas inovações que, se adotadas de forma permanente, permitirão a satisfação de novas necessidades e consequentemente o incremento do bem-estar económico e social, ou seja, dos seus stakeholders.
Por outro lado, fica evidente, mais uma vez, que é o conhecimento, a ciência, e não a informação, que traz as condições necessárias para a liderança em tempos de crise. Os últimos tempos demonstraram que as únicas soluções eficientes e eficazes foram sustentadas no conhecimento produzido pela academia, porque esta suporta a sua atividade num método que domina e está em permanente escrutínio.
Como, muito bem, releva o Professor Doutor Caetano Reis e Sousa "A única coisa que nos vai ajudar a sair desta crise é investigação científica".
Ora, uma das maiores provas de capacidade de liderança reside na busca permanente por conhecimento estruturado e na integração desse conhecimento nos diferentes processos da organização.
Este é o momento para associar a organização à academia. Negociar programas de apoio mútuo, apoiar a investigação e integrar novas perspetivas resultantes do processo de raciocínio.
Nenhuma organização é pequena ou grande demais para isso, seja qual for o nível académico anterior dos seus integrantes. As variadas instituições de ensino e de investigação, sedes e repositórios, por excelência, do conhecimento, têm capacidade para acolher diferentes desafios e satisfazer diferentes necessidades.
O trabalho em estreita cooperação com as instituições de ensino, que na sua generalidade nunca pararam de produzir e souberam como poucos, reinventar-se, será, seguramente, uma das maiores mais-valias para qualquer empresa na busca das melhores soluções para fazer face ao, ainda desconhecido, "novo normal".

Henrique Ribeiro *
Abril 2020
*É Professor Especialista em Marketing, leciona Marketing no IPAM, Universidade Europeia, em Lisboa, e é consultor sénior de empresas na AIP/CCI.
Foi, entre outras, Diretor de Marketing e Vendas da PSA Crédito, S.A., Diretor de Marca do Entreposto Hyundai e Administrador do Pavilhão Atlântico S.A.
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