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01 de Agosto de 2012 às 23:30

Toca a campainha para o Partido do Congresso da Índia

A política levada a cabo em dois gigantes da Ásia, a Índia e a China, ficou repentinamente bastante incerta. A China continua a aplicar uma modalidade autoritária, é claro. Mas as atrozes violações dos direitos humanos e a supressão dos dissidentes estão a intensificar o espectro de crescentes conflitos internos, particularmente depois das "purgas" ao nível das lideranças de topo.

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Em contraste, a Índia, com a sua democracia liberal firmemente enraizada, acaba por estar numa modalidade mais positiva. Mas muitos estão convictos de que também a Índia enfrenta perspectivas políticas incertas.

Em particular, existe actualmente um consenso generalizado na Índia de que um dos dois principais partidos políticos do país, o Congresso Nacional Indiano [também conhecido como Partido do Congresso], essencialmente dirigido por Sonia Gandhi e pelo seu filho, Rahul Gandhi, já cumpriu o seu ciclo e agora cairá no esquecimento. Segundo a revista "The Economist", "o Partido do Congresso (...) está num estado depressivo" e "corre o risco de (...) entrar em declínio no longo prazo".

Mas o Partido do Congresso já há muito que tinha sido considerado um fracasso: o artigo da "The Economist" foi publicado em Janeiro de 2003. Com efeito, a previsão consensual feita antes das eleições de 2004 foi que, depois de ter perdido três eleições consecutivas, o Partido do Congresso estava a caminho da quarta derrota e de uma eventual dissolução. No entanto, venceu as eleições e depois ganhou uma segunda eleição parlamentar em 2009.

A política está sempre repleta de reviravoltas. Mas, ao contrário do que aconteceu em 2004, é bastante improvável, por variadas razões, que o Partido do Congresso consiga sobreviver à difícil situação com que se confronta actualmente.

Para começar, em 2004 o Partido do Congresso enfrentava um governo em funções que tinha regido o país durante seis anos. Desta vez, o Partido do Congresso formou o governo em funções durante dois mandatos consecutivos e o seu mandato foi recentemente marcado por escândalos que o fizeram parecer inútil, corrupto e sem rumo. Para piorar as coisas, a Índia está a viver um forte abrandamento económico, o que mina ainda mais as perspectivas do Partido do Congresso relativamente às eleições que terão de ser realizadas até Junho de 2014.

Em segundo lugar, e ainda mais importante, o comportamento dos eleitores mudou substancialmente durante a última década. O crescimento económico anual médio de 8,5% no período de oito anos que decorreu entre 2003 e 2011 levou a uma revolução das possibilidades percepcionadas pela população. Tal como foi demonstrado pelos economistas Poonam Gupta e Arvind Panagariya, os eleitores da maioria dos Estados indianos apoiam agora líderes e partidos que apresentam bons resultados económicos, rejeitando os que não o fazem. Isto marca uma grande transição face ao comportamento fatalista do passado, que geralmente favoreciam os governantes em funções, que beneficiavam da convicção dos eleitores de que não havia uma verdadeira alternativa aos acordos existentes.

Este comportamento dos eleitores tem sido reforçado por recentes exemplos de fracasso e de sucesso político. Líderes flagrantemente corruptos, como Kumari Mayawati de Uttar Pradesh e Digambar Kamat de Goa, foram expulsos após o primeiro mandato. Enquanto isso, os modelos positivos, como Nitish Kumar de Bihar, Narendra Modi de Gujarat e Navin Patnaik de Orissa, regressaram todos ao poder como ministros-chefe pelo menos uma vez; todos eles apresentaram resultados extraordinários, ao mesmo tempo que mantiveram um registo de absoluta integridade pessoal. O Partido do Congresso irá inevitavelmente estar sob forte pressão para apresentar um bom desempenho, uma vez que o eleitorado sabe agora que é possível fazer melhor.

O assassinato do primeiro-ministro Rajiv Gandhi, há mais de 20 anos, criou uma onda de simpatia pela sua viúva, Sonia, que acabou por se traduzir numa vitória do Partido do Congresso em 2004. Actualmente, não parece provável que uma tragédia dessa natureza possa ajudar o Partido do Congresso. Correm rumores de que Sonia Gandhi tem cancro, mas em vez de tentar ganhar pontos com essa situação, ela manteve os detalhes somente para a família Gandhi.

Mas o verdadeiro problema é que a política de marca registada está cada vez mais desvalorizada na Índia, à semelhança do que acontece nos Estados Unidos. Tal como as marcas Kennedy e Bush, a marca Nehru-Gandhi perdeu o seu brilho na Índia.

Isso deve-se, em parte, a um contexto demográfico em rápida mudança. Os indivíduos nascidos após 1975 representam agora uma grande proporção do eleitorado. Para estes eleitores, Jawaharlal Nehru e Indira Gandhi são meras referências históricas e são uma memória distante mesmo para muitos dos que nasceram antes de 1975. Não é de surpreender que Rahul Gandhi se tenha mostrado incapaz de conseguir uma vitória para o Partido do Congresso nas recentes eleições para um círculo eleitoral que tem sido historicamente um bastião de apoio à sua família.

Com efeito, o condomínio Nehru-Gandhi que dominou a política indiana encarregou-se de minar as perspectivas de sobrevivência do partido ao tornar imensamente difícil recrutar e desenvolver novos líderes. É do conhecimento geral que, nos últimos oito anos, Sonia Gandhi exerceu um controlo praticamente total dentro do partido. Consequentemente, não surgiu qualquer rival para Rahul Gandhi.

Com Sonia Gandhi doente, Rahul não conseguiu criar uma ligação com o eleitorado, nem sequer no seu círculo eleitoral historicamente "seguro", e a marca Nehru-Gandhi perdeu a sua atractividade, pelo que as perspectivas para o Partido do Congresso em 2014 são sombrias. Só o resultado dirá se o partido pode sobreviver.

Jagdish Bhagwati é professor de Economia e Direito na Universidade de Columbia e conselheiro sénior em Economia Internacional no Conselho das Relações Externas. Arvind Panagariya é professor de Economia e de Economia Política Indiana na Universidade de Columbia.

Direitos de autor: Project Syndicate, 2012.

www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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