Opinião
Só nos faltava a Unesco!
Fiquei a saber, por exemplo, que o Alto Douro goza de um ambiente mediterrânico, em que predominam as vinhas, oliveiras e amendoeiras e um mosaico de arbustos mediterrânicos. Mais, que a economia agrícola é próspera e sustentável e que a paisagem está repleta de plantações de cereais e pequenas florestas.
Nunca consegui entender por que razão, num país com um altíssimo potencial de produção de energia hídrica, com graves carências de abastecimento de água e um enorme atraso sócio-económico exactamente nas regiões em que esse potencial é exuberante, tanta gente se dá ao luxo de abordar a energia hídrica como se tratasse, apenas, de uma questão paisagística, arqueológica ou antropológica.
Quando parecia que tínhamos abandonado os preconceitos e regressado ao bom caminho de aproveitar essa fonte inesgotável de energia renovável, surge um relatório da Unesco que recomenda a suspensão da construção da Barragem da Foz do Tua porque, a ser construída, causará um impacto irreversível para a integridade e autenticidade do Douro Vinhateiro que, há 10 anos, foi classificado Património Mundial. Embora nada seja explicitamente sugerido, depreende-se do relatório que o "Douro Vinhateiro" corre o risco de ser desclassificado!
O relatório recomenda, ainda, ao Governo que reveja o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico, que deu tanto trabalho a elaborar e aprovar, e aceite implementar na vastíssima área envolvente do Douro Vinhateiro restrições ao desenvolvimento.
O relatório pode ser encontrado através do Google.
Li-o todo, com a atenção exigida pela minha velha paixão e ligação familiar ao Douro. Desde o início se antecipa qual vai ser a recomendação. Um bom exemplo de como se pode partir das conclusões para as premissas, se não houver preocupação com as regras da lógica!
Fiquei a saber, por exemplo, que o Alto Douro goza de um ambiente mediterrânico, em que predominam as vinhas, oliveiras e amendoeiras e um mosaico de arbustos mediterrânicos. Mais, que a economia agrícola é próspera e sustentável e que a paisagem está repleta de plantações de cereais e pequenas florestas.
A ideia avançada pela arquitecta espanhola, doutorada em arquitectura da paisagem pela nossa Universidade de Évora, pôs naturalmente em alvoroço todos aqueles que, no Douro ou fora dele, entendem que este retrocesso fundamentalista e castigador, agora importado, não tem fundamento.
Dizem os que lá estão (Estrutura de Missão do Douro e Comissão de Coordenação) "que a barragem do Tua e respectiva albufeira se localizam, em 99,9%, fora do Alto Douro Vinhateiro Património Mundial" e que "a área de vinha (atributo nuclear da classificação da Unesco)... não será afectada pela barragem".
Segundo diz quem fez as contas, apenas 2,9 hectares, dos 24.600 que compõem o património mundial classificado, serão afectados com a construção da central e da subestação, ou seja 0,00012%!
Avisadamente, a EDP solicitou ao arq. Souto Moura que incutisse o seu traço em todo o projecto, pelo que, provavelmente, a barragem representará para o Tua e populações limítrofes o que o Guggenheim representou para Bilbau e o que o Museu do Coa não representou para a população de Vila Nova de Foz do Côa.
O episódio do Tua traz-nos à memória o cancelamento da construção da Barragem de Foz de Côa, em 1995, quando o eng.º Guterres anunciou no Parlamento essa primeira medida do seu recém-eleito Governo. Esse gesto tão aclamado custou-nos 26 milhões de euros em indemnizações, um museu que fecha à hora do almoço, a frustração dos habitantes locais que viram transferidos para os vizinhos do Tua e do Sabor os benefícios económicos e sociais resultantes da construção e operação da barragem e uns milhões de importação anual de fuel óleo e gás natural por cada MW que se deixou de produzir.
Foram precisos 11 anos para aprovar o projecto da barragem do Baixo Sabor e mais de 20 para aprovar o Alqueva, que começou por ser um projecto de rega com produção eléctrica associada.
Portugal aproveita apenas 46% do seu potencial hídrico. A França aproveita 97%, a Alemanha 86% e a Espanha 78%. Como já dizia Eça de Queiroz, comparável connosco só a Grécia: 42%.
De entre as energias renováveis, a energia hídrica é aquela que tem o custo unitário nivelado mais baixo: €60 por MW/hora, contra €75 da eólica e €240 da solar.
O Estados da União Europeia assumiram o compromisso de, até 2020, reduzir as emissões de CO2 em 20%, aumentar em 20% a incorporação de energias renováveis e reduzir em 20% o consumo à custa de eficiência energética.
Até esse ano de 2020, 55% da produção eléctrica nacional tem que ser assegurada por energias renováveis ou seja, sem desprimor para as restantes, pela energia hídrica e pela energia eólica.
A água é um bem escasso. Os nossos principais rios nascem em Espanha, e sempre que há seca renascem os traumas do costume: é preciso impedir os "transvases" no Douro e Tejo espanhol que apenas deixam passar um pequeno fio de água para Portugal. Por isso é vital armazenar e gerir as águas dos nossos rios, sem dependência da gestão alheia de quem, ainda por cima, está a montante.
A construção e operação das barragens também induz crescimento nacional e local. Para o Tua estão previstos investimentos de 300 milhões de euros, criação directa e indirecta de 4.000 postos de trabalho e o envolvimento de 100 empresas maioritariamente nacionais.
O Rio Douro é, aliás, um excelente exemplo disso, como aliás se reconhece no relatório, se bem que ressalvando que o rio Tua é um caso diferente.
Se não fosse o crescimento local promovido pela construção das 5 barragens, a navegabilidade permitida pelas eclusas e o investimento em estradas e auto-estradas, o alto Douro teria continuado esquecido, mais analfabeto e mais pobre. Bem longe da atenção e cuidados que agora desperta!
Li nos jornais que a cidade alemã de Bremen renunciou ao seu estatuto de Património Mundial pois entendeu que, para a sua população, era mais importante a construção de um viaduto do que a tutela paisagística da Unesco.
Advogado
mcb@mcb.com.pt
Assina esta coluna semanalmente à quarta-feira
Quando parecia que tínhamos abandonado os preconceitos e regressado ao bom caminho de aproveitar essa fonte inesgotável de energia renovável, surge um relatório da Unesco que recomenda a suspensão da construção da Barragem da Foz do Tua porque, a ser construída, causará um impacto irreversível para a integridade e autenticidade do Douro Vinhateiro que, há 10 anos, foi classificado Património Mundial. Embora nada seja explicitamente sugerido, depreende-se do relatório que o "Douro Vinhateiro" corre o risco de ser desclassificado!
O relatório pode ser encontrado através do Google.
Li-o todo, com a atenção exigida pela minha velha paixão e ligação familiar ao Douro. Desde o início se antecipa qual vai ser a recomendação. Um bom exemplo de como se pode partir das conclusões para as premissas, se não houver preocupação com as regras da lógica!
Fiquei a saber, por exemplo, que o Alto Douro goza de um ambiente mediterrânico, em que predominam as vinhas, oliveiras e amendoeiras e um mosaico de arbustos mediterrânicos. Mais, que a economia agrícola é próspera e sustentável e que a paisagem está repleta de plantações de cereais e pequenas florestas.
A ideia avançada pela arquitecta espanhola, doutorada em arquitectura da paisagem pela nossa Universidade de Évora, pôs naturalmente em alvoroço todos aqueles que, no Douro ou fora dele, entendem que este retrocesso fundamentalista e castigador, agora importado, não tem fundamento.
Dizem os que lá estão (Estrutura de Missão do Douro e Comissão de Coordenação) "que a barragem do Tua e respectiva albufeira se localizam, em 99,9%, fora do Alto Douro Vinhateiro Património Mundial" e que "a área de vinha (atributo nuclear da classificação da Unesco)... não será afectada pela barragem".
Segundo diz quem fez as contas, apenas 2,9 hectares, dos 24.600 que compõem o património mundial classificado, serão afectados com a construção da central e da subestação, ou seja 0,00012%!
Avisadamente, a EDP solicitou ao arq. Souto Moura que incutisse o seu traço em todo o projecto, pelo que, provavelmente, a barragem representará para o Tua e populações limítrofes o que o Guggenheim representou para Bilbau e o que o Museu do Coa não representou para a população de Vila Nova de Foz do Côa.
O episódio do Tua traz-nos à memória o cancelamento da construção da Barragem de Foz de Côa, em 1995, quando o eng.º Guterres anunciou no Parlamento essa primeira medida do seu recém-eleito Governo. Esse gesto tão aclamado custou-nos 26 milhões de euros em indemnizações, um museu que fecha à hora do almoço, a frustração dos habitantes locais que viram transferidos para os vizinhos do Tua e do Sabor os benefícios económicos e sociais resultantes da construção e operação da barragem e uns milhões de importação anual de fuel óleo e gás natural por cada MW que se deixou de produzir.
Foram precisos 11 anos para aprovar o projecto da barragem do Baixo Sabor e mais de 20 para aprovar o Alqueva, que começou por ser um projecto de rega com produção eléctrica associada.
Portugal aproveita apenas 46% do seu potencial hídrico. A França aproveita 97%, a Alemanha 86% e a Espanha 78%. Como já dizia Eça de Queiroz, comparável connosco só a Grécia: 42%.
De entre as energias renováveis, a energia hídrica é aquela que tem o custo unitário nivelado mais baixo: €60 por MW/hora, contra €75 da eólica e €240 da solar.
O Estados da União Europeia assumiram o compromisso de, até 2020, reduzir as emissões de CO2 em 20%, aumentar em 20% a incorporação de energias renováveis e reduzir em 20% o consumo à custa de eficiência energética.
Até esse ano de 2020, 55% da produção eléctrica nacional tem que ser assegurada por energias renováveis ou seja, sem desprimor para as restantes, pela energia hídrica e pela energia eólica.
A água é um bem escasso. Os nossos principais rios nascem em Espanha, e sempre que há seca renascem os traumas do costume: é preciso impedir os "transvases" no Douro e Tejo espanhol que apenas deixam passar um pequeno fio de água para Portugal. Por isso é vital armazenar e gerir as águas dos nossos rios, sem dependência da gestão alheia de quem, ainda por cima, está a montante.
A construção e operação das barragens também induz crescimento nacional e local. Para o Tua estão previstos investimentos de 300 milhões de euros, criação directa e indirecta de 4.000 postos de trabalho e o envolvimento de 100 empresas maioritariamente nacionais.
O Rio Douro é, aliás, um excelente exemplo disso, como aliás se reconhece no relatório, se bem que ressalvando que o rio Tua é um caso diferente.
Se não fosse o crescimento local promovido pela construção das 5 barragens, a navegabilidade permitida pelas eclusas e o investimento em estradas e auto-estradas, o alto Douro teria continuado esquecido, mais analfabeto e mais pobre. Bem longe da atenção e cuidados que agora desperta!
Li nos jornais que a cidade alemã de Bremen renunciou ao seu estatuto de Património Mundial pois entendeu que, para a sua população, era mais importante a construção de um viaduto do que a tutela paisagística da Unesco.
Advogado
mcb@mcb.com.pt
Assina esta coluna semanalmente à quarta-feira
Mais artigos do Autor
Fim do túnel à vista?
22.11.2013
Quem te avisa…
08.11.2013
Olé!
25.10.2013
O "entroikamento"
11.10.2013
"Hey Teacher, leave them kids alone"
27.09.2013
Vai-nos fazer muita falta
13.09.2013